28 fevereiro 2006

Quem é que falou em golpe de estado constitucional?

ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA
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Lei n.º 53/2005
de 8 de Novembro
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Cria a ERC - Entidade Reguladora para a Comunicação Social, extinguindo a Alta Autoridade para a Comunicação Social
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A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
……………
……………

Artigo 45.º
Funções de fiscalização
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1 - Os funcionários e agentes da ERC, os respectivos mandatários, bem como as pessoas ou entidades qualificadas devidamente credenciadas que desempenhem funções de fiscalização, quando se encontrem no exercício das suas funções e apresentem título comprovativo dessa qualidade, são equiparados a agentes de autoridade e gozam, nomeadamente, das seguintes prerrogativas:
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a) Aceder às instalações, equipamentos e serviços das entidades sujeitas à supervisão e regulação da ERC;

Excerto de um livro não anunciado (292)

É aqui que surge a hipótese do marcador-somático, que Damásio concebe como um caso especial do uso de sentimentos que foram criados a partir de emoções secundárias. À medida que estas emoções e sentimentos se manifestam, vão sendo ligados por via da aprendizagem a certos tipos de resultados futuros conexionados, por sua vez, a determinados cenários. De tal forma que, quando um marcador- somático é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona ou como uma campaínha de alarme, no caso do marcador ser negativo, ou como um incentivo, quando o marcador é positivo. É esta a essência da hipótese do marcador- somático. No momento em que nos surgem os diversos cenários, desdobrados na nossa mente, de modo demasiado rápido para que os pormenores possam ser bem definidos (e antes que tenha lugar tanto a análise lógica de custo/benefícios como o raciocínio tendente à solução), se surge um mau resultado associado a uma dada opção de resposta, por mais fugaz que seja, sente-se uma sensação visceral desagradável. Daí que Damásio explique nestes termos a designação que deu à sua hipótese: “Como a sensação é corporal, atribuí ao fenómeno o termo técnico de estado somático e porque o estado ‘marca’ uma imagem, chamo-lhe marcador” (*).

(*) António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), p. 185

27 fevereiro 2006

O dinheiro ou a vida

Para Helena Garrido - que assinou o magnífico Editorial do DN de ontem - a iniciativa do Governo de criar o complemento solidário, antecipado na sua concretização, para idosos que vivem com reduzidos recursos financeiros, é louvável mas não será a melhor forma de combater a pobreza dos idosos.

Também penso que, mais do que dinheiro, o que é preciso é levar vida aos idosos que se encontram
"prisioneiros da solidão, da doença ou de casas nos últimos andares em prédios antigos". Daí que, tal como sugere Helena Garrido, a protecção do Estado deva antes obedecer a uma lógica de prestação de serviços ou de efectivo apoio. De que serve atribuir uma verba em dinheiro (seguramente exígua) se o idoso não está já sequer em condições físicas de sair à rua para o gastar? Mas também não adianta exigir do Estado mais do que ele, efectivamente, pode dar. Em tempo de penúria, o Governo terá feito o que lhe era possível fazer. Só que situações tão cruéis como estas exigem muito mais. Exigem companhia, calor humano, apoio concreto em cada caso e, sobretudo, uma nova cultura de compreensão e ajuda inter-geracional que leve vida, de novo, aos que por doença ou por velhice dela se viram um dia forçados a desistir.

26 fevereiro 2006

O Espaço à venda

Na passada quinta-feira, o Público dedicou quase toda a sua última página à notícia de que um empresário ligado ao turismo fluvial no Douro, deverá ser o primeiro astronauta português pois está inscrito e já desembolsou 200.000 dólares para efectuar uma das próximas viagens turisticas à volta da Terra.

Não sei se o acontecimento justificaria tanto relêvo, com fotografia e tudo, tratando-se, como se trata, de uma decisão meramente pessoal do conhecido empresário. Também não penso que tenha sido uma forma indirecta de publicidade porque, não podemos esquecê-lo, o Público é um jornal de referência. Restam a novidade, o insólito e talvez um previsível contentamento da "populaça" como possíveis motivos de tão generosa edição. Ainda assim, não se exulte em demasia porque se um português vai para o Espaço muitos há que não sabem onde se hão-de meter...

25 fevereiro 2006

E lá se foram os três...

O reducionismo ao espelho

Excerto de um livro não anunciado (291)

É por isso que Damásio vem afirmar que, se só dispuséssemos desta estratégia, a racionalidade nela presente não iria funcionar. E, dirigindo-se directamente ao leitor, explica porquê: “na melhor das hipóteses, a sua decisão levará um tempo enorme, muito superior ao aceitável se quiser fazer mais alguma coisa nesse dia. Na pior, pode nem chegar a uma decisão porque se perderá nos meandros do seu cálculo. Porquê? Porque não vai ser fácil reter na memória as muitas listas de perdas e ganhos que necessita de consultar para as suas comparações (...). A atenção e a memória de trabalho possuem uma capacidade limitada. Se a sua mente dispuser apenas do cálculo puramente racional, vai acabar por escolher mal e depois lamentar o erro, ou simplesmente desistir de escolher, em desespero de causa (...). E no entanto, apesar de todos estes problemas, os nossos cérebros são capazes de decidir bem, em segundos ou minutos, consoante a fracção de tempo considerada adequada à meta que pretendemos atingir e, se o conseguem com tanto ou tão regular êxito, terão de efectuar essa prodigiosa tarefa com mais do que a razão pura. Precisam de qualquer coisa bem diferente” (*).

(*) António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), pp.184 ss

24 fevereiro 2006

Sem oposição

Dizia há dias, Constância Cunha e Sá, no seu blogue O Espectro, em resposta ao Paulo Gorjão: "tenho sérias dúvidas de que a oposição, apesar das condições adversas, pudesse ter feito melhor. Mesmo sem Santana Lopes!". Logo na altura por lá expressei esta diferente opinião:

"Concordando embora com muito do que CCS descreve sobre as sucessivas oposições e o próprio modo como tem funcionado o Parlamento português, discordo, no entanto, da resposta que, já no final, dá ao Paulo Gorjão. É que, ao contrário, tenho sérias dúvidas de que outra qualquer oposição pudesse ter feito pior do que esta pois esta, muito simplesmente, não tem existido. Aliás, nunca se viu um Primeiro-Ministro passear tão descontraidamente pelos debates mensais e isso, seguramente, que não ocorre apenas por mérito seu. Teve a "sorte" de lhe calhar um inofensivo e tecnicamente muito impreparado Marques Mendes. Foi o que foi."

Hoje, nem de propósito, ficamos a saber que a popularidade de Sócrates subiu quase 20 pontosno saldo entre opiniões favoráveis e desfavoráveis (apesar do impacto negativo das medidas restritivas do Governo) e que o PS também sobe, a ponto de ganhar de novo as eleições se as mesmas se voltassem a realizar. A notícia de que "todos os líderes e partidos de esquerda subiram na apreciação dos inquiridos (pela Marktest), ao contrário dos dirigentes de direita - Marques Mendes e Ribeiro e Castro que perderam terreno, à semelhança dos seus partidos" só completa o ramalhete. Alguém acredita que os resultados deste inquérito seriam os mesmos se tivesse existido uma oposição qualificada e operante?

Parece mesmo

Parece que a bancada parlamentar do PS tem "regras internas" para serem cumpridas por todos os seus deputados e que Manuel Alegre, um desses deputados, não questionou nunca tais regras ou, pelo menos, com elas se conformou ao longo dos tempos.

Parece que Manuel Alegre terá violado as ditas regras com aquela sua intervenção do passado dia 8, onde criticou a posição assumida pelo ministro Freitas do Amaral relativamente às famigeradas caricaturas dinamarquesas e que, por força disso, no dia seguinte foi criticado por alguns dos seus pares numa reunião em que um dos parlamentares socialistas insinuou mesmo a existência de "deputados de primeira e deputados de segunda" na bancada do PS.

Parece que Alberto Martins, “entalado” entre a amizade fraterna que mantém com Alegre e a pertinência do questionamento, preferiu passar ao lado da questão, lembrando apenas que o "O direito constitucional do uso da palavra sobrepõe-se a qualquer outro critério" enquanto o próprio Manuel Alegre lhe seguia as pisadas ao refugiar-se nesta “grandiloquência a martelo”: "Não preciso de pedir autorização para falar no Parlamento".


Parece, enfim, que Alberto Martins e Manuel Alegre confundiram as coisas pois não está em causa qualquer direito à palavra. Por sinal, nunca vi Alegre falar mais livremente do que tem falado. O que está em causa e que entra pelos olhos dentro é, mais exactamente, uma determinada conduta política e não o direito de se expressar. Pelo que, salvo melhor opinião, ou Manuel Alegre se conforma com as regras do partido e da bancada a que pertence e, nesse caso, cumpre-as, ou não as aceita e retira-se do seu actual grupo parlamentar, quiçá, do próprio partido socialista. Quem não quer alienar a mínima parcela da sua liberdade individual, só tem uma saída possível: não se compromete ou desliga-se dos anteriores compromissos. Pertencer a um partido político e ao mesmo tempo dar corda a um “movimento dos cidadãos” que o põe em causa, é que não é política e eticamente sustentável. Estou em crer, por isso, que, se Alegre persistir nesta estratégia de queima, irá sair muito chamuscado. Entretanto, Sócrates - o estratega-mor - sabe-o tão bem que nem lhe dá lume. Já repararam?

23 fevereiro 2006

Excerto de um livro não anunciado (290)

Damásio começa por recordar que a mente não está vazia no começo do processo de raciocínio. Pelo contrário, encontra-se repleta daquilo a que chama um repertório variado de imagens (*), produzidas pela situação concreta que enfrenta. Sucede que essas imagens entram e saem da consciência numa apresentação demasiado rica para ser rápida ou completamente abarcada. É esse o tipo de dilema com que nos vemos confrontados quotidianamente e para o resolver, dispomos, pelo menos, de duas possibilidades distintas: a primeira, baseia-se na perspectiva tradicional da razão nobre, que concebe a tomada de decisão “racional”; a segunda, na hipótese do marcador-somático. Segundo a perspectiva racionalista (ou da razão nobre), para decidirmos bem, bastará que deixemos a lógica formal conduzir-nos à melhor solução para o problema. O que é preciso é deixar as emoções de fora, para que o processo racional não seja adulterado pela paixão. Os diferentes cenários serão assim considerados um a um a fim de serem submetidos a uma análise do tipo custos/benefícios de cada um deles, para, mediante uma estimativa da utilidade subjectiva deduzirmos logicamente o que é bom e o que é mau. Nessa análise são portanto consideradas as consequências de cada opção em diferentes pontos do futuro e calculadas as perdas e os ganhos que daí decorreriam. Simplesmente, como a maior parte dos problemas tem muito mais que duas alternativas de solução a sua análise torna-se cada vez mais difícil à medida que se vai avançando nas deduções (**).

(*) Segundo Damásio, o conhecimento factual que é necessário para o raciocínio e para a tomada de decisões chega à mente sob a forma de imagens.
(**) Cfr. António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), p. 183

21 fevereiro 2006

Isto não fica assim (2)

E não ficou mesmo. Soube pelo JN de hoje que o Sindicato de Jornalistas já pediu ao Conselho Deontológico para reavaliar o processo relativo a notícias da agência Lusa sobre Internet em "banda larga" nas escolas e, mais tarde, pude confirmar a notícia por aqui. Andou bem o SJ ao reconhecer, finalmente, que o dito CD errou em não ouvir os membros eleitos do Conselho de Redacção da Lusa e as jornalistas visadas pelo seu tão contestado parecer. Resta saber se este passo atrás visa uma efectiva reavaliação do assunto ou tão somente sanar o vício formal. É que, aqui entre nós, o facto do SJ justificar a sua reacção (tardia) com as “18 mensagens contendo críticas aos termos e aos procedimentos” do parecer do Conselho Deontológico e os “doze pedidos de desvinculação” que entretanto recebeu, não parece bom prenúncio. Não estará o Sindicato dos Jornalistas mais em busca de paz (sindical) do que de justiça?

Excerto de um livro não anunciado (289)

Confirmados os factos que prefiguravam uma ruptura com o modelo clássico de articular a racionalidade com a emoção, faltava porém indagar sobre a sua razão de ser, constituir um quadro explicativo, formular hipóteses, mesmo se estas, na ausência de avanços científicos e interdisciplinares sobre tão particular objecto de estudo, tiverem que se limitar, temporariamente, ao domínio do senso comum e da intuição. É esse quadro explicativo que Damásio vai traçando e enriquecendo, passo a passo, ao longo desta sua obra de referência obrigatória para quem quiser fica a par dos fundamentos neurobiológicos da mente. Como afirmou o Prémio Nobel David Hubel, da Universidade de Harvard, “Eis, finalmente, uma tentativa, de um dos mais famosos neurologistas mundiais, de sintetizar o que é conhecido acerca do funcionamento do cérebro humano. O Erro de Descartes merece tornar-se um clássico” (*). Puras razões de economia de texto levam-nos, contudo, a destacar apenas uma entre as inúmeras propostas teóricas de Damásio, recaindo a escolha sobre aquela que - por se aplicar às operações de raciocinar e decidir - se nos afigura de maior valia para a compreensão dos mecanismos e condicionamentos psico-biológicos da persuasão: a hipótese do marcador-somático.

(*) António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), cf. inscrição na contracapa.

20 fevereiro 2006

A retórica do balão de ensaio

Na sua coluna "Palcos de Discórdia", no Público de ontem, Mário Mesquita desmascara sem dó nem piedade a desajeitada retórica do balão de ensaio a que recorreu há dias o Ministro da Saúde para acenar com a necessidade de um novo modelo de financiamento do SNS. Bastou-lhe, para tanto, recuperar duas das declarações que o ministro fez ao Público:

1ª.
"Eu não desisti: o meu papel tem sido o de tentar mostrar que, com boa gestão, o actual modelo financeiro é viável através do corte da gordura, do corte do desperdício."

2.ª
"Quando o país se convencer de que isso não basta, então será necessário encontrar outro mecanismo de financiamen­to".

Diz Mário Mesquita, e muito bem, que a 1ª declaração é contraditória com a 2.ª e que o normal cidadão não tem qualquer dificuldade em deduzir:

a) que o ministro já sabe, mas ainda não quer ou não pode assumi-lo por inteiro, que a gestão rigorosa não bastará para viabilizar o sistema (se Correia de Campos diz "quando o país se convencer", é porque ele próprio já está convencido).

b) que esta retórica do balão de ensaio visa apenas preparar a opinião para os passos seguintes (e a contenção em curso serve apenas para tirar a prova real).

Ao cronista não lhe parece que este seja um bom método de comunicação política pois num tempo de restrições e apelo aos sacrificios, a curto prazo, não será avisado adensar as nuvens negras inscritas no horizonte (o tal médio e longo prazo a que me referi três posts atrás). Mas, por mim, talvez fosse de ir mais longe e deixar a pergunta: será esta uma boa maneira de governar?

A naturalização da liberdade

Comecei a ler "A Liberdade Evolui", de Daniel Dennett. É sempre um novo e muito estimulante desafio ler Dennett. Veja-se a clareza e a simplicidade com que nos anuncia a sua concepção naturalista sobre o livre-arbítrio:

"Há uma tradição generalizada que defende que nós, seres humanos, somos agentes responsáveis, capitães do nosso destino, porque o que real­mente somos é almas, pedaços imateriais e imortais de matéria divina que habitam e controlam os nossos corpos materiais como se fossem titereiros espectrais. As nossas almas são a fonte de todo o significado e o locus de todo o nosso sofrimento, alegria, glória e vergonha. Mas esta ideia de almas imateriais, capazes de desafiar as leis da física, perdeu a sua credibilidade graças ao avanço das ciências naturais. Muitas pessoas pensam que isto tem implicações terríveis: na realidade não somos dotados de «livre-arbítrio», e nada faz sentido. O objectivo deste livro é mostrar por que razão estas pessoas estão erradas."

Nem sempre a natureza dos assuntos permitirá a mesma simplicidade. Mas a preocupação pedagógica que Dennett costuma manter da primeira à última página, logo vem em socorro do interessado leitor. Dennett é um autor singular e polémico. Talvez, por isso, que a melhor forma de o ler seja a de suspendermos por momentos a confiança que nos habituamos a depositar em muitos dos nossos conceitos-chave (cérebro, mente, cognição, vontade, acção, determinismo, liberdade, etc.). Sublinhe-se, contudo, que justamente um dos grandes méritos de Daniel Dennett é o de nos permitir pôr à prova ou testar a fiabilidade e a segurança de conhecimentos que julgamos solidamente adquiridos. Só por isso, já antecipo: vou gostar deste livro.

19 fevereiro 2006

Isto não fica assim

Soube desta trapalhada toda, em primeira mão, por aqui. O assunto, que foi igualmente abordado ali e ali, permanece efervescente. E ou muito me engano ou isto não fica assim. Porque quando o próprio Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas entende que escrever "fonte do Ministério da Ciência" não é citar uma fonte não identificada, não é já a objectividade que está em causa. É o próprio jornalismo. Será que textos como este começam a fazer mais sentido do que parece?

Mitologia jornalística (2)

Um novo mito está a emergir no jornalismo: o mito da subjectividade. E num primeiro olhar, dir-se-á até que o terreno lhe é propício. Os jornalistas são efectivamente sujeitos, possuem as suas próprias limitações de percepção, descrevem e interpretam sempre sob a influência de um dado sistema de valores e da sua particular relação com o mundo. É natural, então, que observem um mesmo facto ou acontecimento por diferentes perspectivas e que possam chegar a diferentes conclusões. Só que tudo isso é consensual. O que não é consensual é o significado que lhe é atribuído e, muito particularmente, a ideia de que daí decorre a impossibilidade de um jornalismo isento e objectivo.

Foi esta mesma ideia que o telegénico José Rodrigues dos Santos (o tal da incontinente piscadela no fim do telejornal…) procurou defender no seu livro “A Verdade da Guerra”, proclamando o império da subjectividade jornalística com base neste falacioso raciocínio: “apesar de os outros campos do conhecimento, incluindo a matemática, a física e a história, já terem perdido as ilusões quanto à possibilidade de alguma vez possuirem um discurso objectivo, o campo jornalístico demorou a perceber a evidência do primado da subjectividade”(*). Ora o que muito simplesmente se passa é que nem a matemática, a física e a história perderam as ilusões sobre a possibilidade de um conhecimento objectivo, nem a subjectividade é a pedra de toque do jornalismo, como
aqui procuro mais desenvolvidamente mostrar.

Do jornalismo se poderá dizer o que Fernando Gil diz da ciência: “é precisamente por perseguir um ideal de verdade que se obriga à objectividade” (**). Porque a verdade dos factos - qualquer pessoa o percebe intuitivamente - tem que existir independentemente de quem a reconhece. Se a verdade de um facto dependesse de quem a reconhece, se um facto pudesse ser verdadeiro para este sujeito mas não para aquele, haveria então que abandonar o próprio conceito de “verdade dos factos” e substituí-lo pelo da “verdade dos sujeitos”.

Os próprios valores ou preferências individuais são evidentemente subjectivos, naquele sentido banal de que se reportam a sujeitos. Mas já não cognitivamente subjectivos, porque podem ser justificados, podem ser racionalmente compreendidos. Não valem todos a mesma coisa, não são igualmente aceitáveis, não são aleatórios. Se o verdadeiro ou o falso, o certo ou incerto, o bom ou o mau dependessem apenas da subjectividade de cada um, valeriam também apenas para cada um. E aí, desde logo, nada seria comunicável. Um absurdo, portanto, que dá ainda mais força à pergunta que Mário Mesquita deixou no ar há já alguns anos: “se os jornalistas postulam que está ao seu alcance ‘relatar os factos com rigor’, qual o sentido de recusar ou evitar o conceito de ‘objectividade’?”


* José Rodrigues dos Santos, (2002), A verdade da guerra, (3ª. ed.), Lisboa: Gradiva, p. 56
** Fernando Gil, (2001), Mediações, Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, p. 173


* Referido em: Jornalismo e Comunicação

18 fevereiro 2006

A retórica do médio e longo prazo

O expediente generalizou-se. Todas as nossas esperanças estão a prazo. A médio ou longo prazo, para ser mais exacto. Ao princípio era na bolsa, no banco ou nos seguros onde, por exemplo, todas as minhas tentativas de fazer render um pouco mais algumas parcas moedas, eram piedosamente recebidas com a mais sagrada informação técnica: "como deve compreender, este seu investimento só é verdadeiramente rentável a médio e longo prazo". Leia-se: "se queres ganhar algum tens que, de uma vez por todas, dizer adeus ao teu rico dinheirinho". Temendo não aguentar as saudades, recuei. E, definitivamente, desisti de ser rico.

Mal sabia na altura que essa maldita coisa do médio e longo prazo acabaria por se espalhar pela sociedade e invadir até a própria esfera governativa do país. Porque foi precisamente desta lenga-lenga do médio e longo prazo que me recordei ontem quando à hora do almoço assistia na SIC à entrevista do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e do Presidente do ICEP. Que coisa mais confrangedora. O jornalista bem tentava obter uma informação, um esclarecimento, um compromisso. Mas nada. Tudo o que conseguia arrancar de um e de outro dos entrevistados era, invariavelmente, uma "boa" justificação para os factos negativos com que os ia confrontando. E agora? Qual a evolução que podemos esperar para os próximos tempos? Quando vamos subir as exportações? Quando vamos baixar a actual taxa de desemprego no país? – perguntava o entrevistador. As respostas não se fizeram esperar. Cada um na sua vez, os entrevistados lá foram alertando com o ar mais sério deste mundo que só se pode resolver tais problemas numa óptica de médio e longo prazo mas que o que é importante é que já foram dados e continuarão a ser dados passos seguros para a sua resolução.

Ainda não me tinha refeito desta estereotipada retórica do médio e longo prazo quando ao fim do dia oiço na rádio o Ministro da Saúde a esclarecer que afinal aquele novo modelo de financiamento do SNS a que se referiu, não é para aplicar imediatamente. A ideia é apenas preparar o futuro pois
a longo prazo é preciso pensar em novas formas de financiamento. A longo prazo? Mas como é possível esperar pelas soluções a médio e longo prazo, se os problemas já chegaram?

Mitologia jornalística (1)

A objectividade em jornalismo é um mito que caiu há muito – afirmava a jornalista Judite Jorge no Expresso da passada semana, logo adiantando que os jornalistas devem apenas ser capazes de dizer aos seus leitores “isto é o que nós pensamos, isto é o modo como interpretamos os factos, estas são as nossas opiniões” ou, numa versão mais personalizada, “foi isto que vi, foi assim que vi”. Só lhe faltou mesmo acrescentar: “e agora acreditem se quiserem”.

Sinceramente, não percebo o que leva alguns jornalistas a defenderem que só têm que dizer aos seus leitores “isto é o que nós pensamos” ou “estas são as nossas opiniões”. Primeiro, porque bem mais alta é (sempre teria que ser) a exigência ético-epistemológica de uma profissão que tem a verdade (*) como referência obrigatória. Depois porque, num jornalismo voltado para os leitores, a recepção dos factos relatados depende sempre, como se sabe, do maior ou menor grau de persuasão ou convencimento que a sua comunicação suscite. Ora não há persuasão nem convencimento quando não se avançam razões ou fundamentos para se afirmar o que se afirma. Finalmente, porque só por ingenuidade ou manifesta sobranceria se pode hoje esperar (para não dizer exigir) que o leitor confie cegamente no jornal que lê, ou seja, naqueles que o escrevem.

Pelo contrário, o que há que reconhecer é que, em princípio, aquilo que o jornalista pensa (ou opina) nenhum interesse tem para o leitor se não for acompanhado da devida explicação, das fontes ou critérios de verificação que o levaram a concluir o que concluiu. Tudo o que o jornalista deve fazer é canalizar para o leitor a máxima informação (e opinião) possível, em ordem a permitir-lhe uma apreciação autónoma dos factos relatados. Com rigor e objectividade. Sem truques nem fantasia. Porque em caso algum o jornalista poderá ser confundido com um mágico que da sua arte mostra ao público apenas o suficiente para o manter na ilusão. Caiu o mito da objectividade? Óptimo. Caia o mito. Mas segure-se a objectividade porque só ela nos pode livrar de um mito muito pior: o mito da subjectividade.

(*) Para ler mais.

* Referido em: Jornalismo e Comunicação

16 fevereiro 2006

Retórica ao serviço da verdade

Destaque-se que esta coisa de ser promovido a ponto de vista num blogue deste quilate e, para mais, num post tão selecto sobre Séneca, Lucílio, Plutarco e Alexandre, não é para todos. Passear pelo Bomba Inteligente é mergulhar numa cultura de bom gosto e muita simpatia, onde não raras vezes a excelência na modernidade dos ditos pede meças à grandeza dos Antigos. Quanto à frase de Alexandre, que a dramática traição aos próprios pais possa, ao menos, testemunhar uma retórica ao serviço da verdade. Mas estou perfeitamente de acordo: não precisava ter ido tão longe...

Conhecer por dentro

"Na China só consideramos uma pessoa realmente bonita depois de a conhecermos há muito tempo e sabermos como é por dentro"

Ziyi Zhang, actriz *, Lux, n.º 301-06 Fevereiro 2006

* protagonista no filme "Memórias de uma gueixa"

15 fevereiro 2006

Retórica em boa companhia

Um novo blogue - a agenda - cuja autoria não consegui ainda descortinar, inclui o Retórica e Persuasão na alta roda dos seus "blogues interessantes", ao lado dos consagradíssimos Abrupto, Blasfémias, O Espectro, Mar Salgado e dos também excelentes (fui visitá-los) Directriz, Informática do Direito, obvious e Patalogia Social. De forma que apenas me cabe dizer: honrado pelas companhias, grato pela distinção.

14 fevereiro 2006

Excerto de um livro não anunciado (288)

De facto, à primeira vista, parece elementarmente lógico que se as emoções perturbam o raciocínio, a perturbação deste último cesse ou deva cessar quando destituído dessa influência emotiva. Mas foi justamente esta falsa evidência que veio a ser denunciada pela sistemática investigação de Damásio, em doentes neurológicos portadores de lesões cerebrais específicas que lhes diminuiram a capacidade de sentir emoções, sem afectar contudo os instrumentos habitualmente considerados necessários e suficientes para um comportamento racional. Apesar de estarem agora em condições de raciocinar com a maior frieza, tais indivíduos não conseguiam porém tomar as decisões mais adequadas quer segundo os padrões socialmente convencionados, quer na óptica dos seus interesses pessoais, como o faziam normalmente antes de terem sofrido as ditas lesões.

O que é o pessimismo?

"O pessimismo é uma profecia que se cumpre"

João Lobo Antunes

in "Pessoal e Intransmissível", TSF, 13 Fevereiro 2006

11 fevereiro 2006

Tanto melhor para o país

"A política financeira, a que o país já se tinha resignado, que a direita apoiou e que os peritos maciçamente aprovaram, não provocou protestos de maior. A derrota nas locais foi escondida pela campanha para as presidenciais. Mesmo a derrota de Soares, que em princípio o poderia abalar, acabou por ser vista como uma derrota pessoal de Soares perante Alegre e não como a derrota do candidato do PS perante Cavaco. Na imprensa e na televisão, pouca gente se interessou pelo papel de Sócrates no episódio e quase toda a gente correu atrás de Alegre, para ver (inutilmente) se daquela cabeça saía alguma ideia. Quando esse arraial esmoreceu, veio por milagre o caso das caricaturas, que afastou outra vez Sócrates para a obscuridade. E, no fundo, até a OPA do eng. Belmiro ajudou. Há meses que o Governo governa clandestinamente. Sempre fora do "ciclo de notícias", parece invisível."

Vasco Pulido Valente, Público, 11 Fevereiro 2006.

1.

Estou em crer que este pedaço da crónica de VPV, com excepção da referência pouco simpática a Manuel Alegre e da metafórica clandestinidade para que remete o Governo, será suficientemente objectivo e realista para despertar o assentimento geral. O Governo tem, de facto, trabalhado em paz, sem a pressão crítica a que uma maior visibilidade o exporia, e isso, como assinala VPV, fica a dever-se, em grande parte, a uma série de acontecimentos de elevado potencial distractivo, como aqueles a que o cronista alude.

2.
Sorte de Sócrates? Concerteza. Mas, em grande medida, sorte também para o país, que o mesmo é dizer, sorte para todos nós. Porque este Governo, qualquer Governo, precisa de tempo e serenidade para atacar os graves problemas que tem pela frente. É preciso, por isso, evitar que os nossos governantes gastem mais tempo a prestar esclarecimentos e a responder a questões sobre o modo como governam, do que a governar efectivamente.

3.
A vigilância crítica dos cidadãos é indispensável. O controlo e a fiscalização política por parte da oposição e dos Media, idem aspas. Mas não deve o exercício de tais direitos degenerar, em caso algum, num mero expediente para desgastar a imagem do Governo, para o atafulhar de acusações e pedidos de esclarecimento, para lhe barrar o caminho, para o desestabilizar, numa palavra, para artificialmente lhe criar ainda mais dificuldades do que as que já tem, para cumprir o seu programa de governação.

4.
Daí que se o actual Governo está a viver um segundo "estado de graça" que lhe permite concentrar-se mais na acção governativa propriamente dita e, consequentemente, aumentar o seu rácio de sucesso, tanto melhor para ele, claro, mas principalmente, tanto melhor para o país.

Nobreza e dignidade

No início desta semana soube-se que Medeiros Ferreira se demitiu dos seus lugares na comissão nacional e na comissão política do PS. Uma manifestação de azedume, segundo o Paulo Gorjão; um sinal de vitalidade, para João Gonçalves. Já a mim parece-me mais uma prova de coerência e de dignidade, de que aliás fiquei à espera, a partir do momento em que, logo no dia seguinte às eleições, Medeiros Ferreira veio ao Bicho Carpinteiro declarar com todas as letras:

"
Sinto esta derrota eleitoral como se fosse a minha"

A partir daí, e tendo em consideração as especiais circunstâncias em que fora eleito para as ditas funções partidárias, só este seu pedido de demissão faria sentido. Saúdo, por isso, a atitude de Medeiros Ferreira que, além do mais, ilustra na perfeição como a nobreza na derrota se traduz sempre por uma vitória da dignidade.

10 fevereiro 2006

Excerto de um livro não anunciado (287)

Daí que, uma nova concepção da mente, que implique um diferente modo de olhar a relação entre razão e emoção, seja susceptível de vir a alterar também o nosso modo habitual de pensar a persuasão. Damásio não pretende, porém, negar o entendimento tradicional, aliás confirmado por investigações recentes, de que as emoções e os sentimentos podem, em certas circunstâncias, perturbar o processo normal de raciocínio. Pelo contrário, vale-se desse conhecimento adquirido para sublinhar que precisamente por se aceitar a influência prejudicial das emoções sobre o raciocínio é que é “ainda mais surpreendente e inédito que a ausência de emoções não seja menos incapacitadora nem menos susceptível de comprometer a racionalidade que nos torna distintamente humanos e nos permite decidir em conformidade com um sentido de futuro pessoal, convenção social e princípio moral” (*).

(*) António Damásio, (1995, O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), p. 14

09 fevereiro 2006

A verdade que se quer?

"O intelecto humano não é luz pura, pois recebe a influência da vontade e dos afectos"

Francis Bacon, Novum Organum

É bem provável que muito do que se tem dito ultimamente a propósito dos "cartoons", da liberdade de expressão e de uma hipotética guerra de religiões, apenas venha confirmar a conhecida sentença de Bacon: o homem inclina-se a ter por verdade o que prefere. Mas tem que haver uma saída mais isenta. Ou, pelo menos, mais tolerante. Que sentido faz, por exemplo, preservar a Natureza quando se põe continuamente em risco o futuro da própria Humanidade?

07 fevereiro 2006

Convite a pensar

"A ciência convida-nos a pensar, e não aceita autoridades arbitrárias nem tradições acríticas; por isso, quando a ciência determina que os objectos mais pesados não caem mais depressa, ninguém anda de pistola na mão a prender e matar ou excomungar quem não acredita nesta ideia. A força da verdade é suficiente."

Desidério Murcho, (2006), PENSAR OUTRA VEZ: FILOSOFIA, VALOR E VERDADE, Vila Nova de Famalicão: Quasi Edições, p. 63

E é nestes tempos difíceis para o diálogo e para o respeito mútuo, que o ideal científico mais surge como face tolerante da verdade.

05 fevereiro 2006

Excerto de um livro não anunciado (286)

Tinha agora (....) diante de mim, o ser mais inteligente mais frio e menos emotivo que se poderia imaginar, e, apesar disso, o seu raciocínio prático encontrava-se tão diminuído que produzia, nas andanças da vida quotidiana, erros sucessivos numa contínua violação do que o leitor e eu consideraríamos ser socialmente adequado e pessoalmente vantajoso (....). Os instrumentos habitualmente considerados necessários e suficientes para um comportamento racional encontravam-se intactos. Ele possuía o conhecimento, a atenção e a memória indispensáveis para tal; a sua linguagem era impecável; conseguia executar cálculos; conseguia lidar com a lógica de um problema abstracto. Apenas um outro defeito se aliava à sua deficiência de decisão: uma pronunciada alteração da capacidade de sentir emoções. Razão embotada e sentimentos deficientes surgiam a par, como consequências de uma lesão cerebral específica, e esta correlação foi para mim bastante sugestiva de que a emoção era uma componente integral da maquinaria da razão. Duas décadas de trabalho clínico e experimental com muitos doentes neurológicos permitiram-me repetir inúmeras vezes esta observação e transformar uma pista numa hipótese testável (*).

No que mais directamente pode interessar ao estudo da persuasão discursiva, notemos aqui como as perturbações observadas no comportamento deste indivíduo se confinam à racionalidade prática e correspondente tomada de decisão, uma e outra, nucleares no processo retórico. A primeira, porque, desde Perelman, constitui-se como fundamento e legitimação do acto de argumentar e persuadir. A segunda, por que está na base do que este mesmo autor considera ser o critério de eficácia da retórica: a adesão (ou decisão de aderir).

(*) António Damásio, (1995), O Erro de Descartes, Mem Martins: Publicações Europa-América, (15ª. ed.), p. 13

04 fevereiro 2006

A dissuasão total

Conforme noticiou o Público da passada segunda-feira, o actual presidente do Tribunal de Contas, Guilherme D'Oliveira Martins, vai apresentar ao Governo uma proposta de revisão da lei orgânica do TC com cinco pontos, um dos quais, o quarto, muito me surpreende que não tenha merecido maior destaque por parte da comunicação social. Trata-se da inversão do ónus da prova no caso da actividade do gestor público, tal qual a anunciou o presidente do TC:

"O ónus da prova não cabe a quem acusa mas a quem tem o dever de utilizar o dinheiro público"


Daqui se infere que, a partir de agora, o princípio subjacente será o de que todos os gestores públicos são culpados, até prova em contrário. No caso da prova não surgir, ou porque se revele impossível ou porque não tenha sido previamente acautelada pelo próprio gestor público, aí teremos a condenação pura e simples. Tudo isto, a bem da "dissuasão essencial", preconiza o presidente do Tribunal de Contas. O gestor está inocente? O gestor agiu com a superior intenção de defender o interesse público? Isso deixa de ter qualquer interesse. O que é preciso é arranjar um bode expiatório e "mostrar serviço". Que chatice, essa coisa tão burocrática das acusações e condenações do TC se encontrarem sujeitas ao regime probatório. Vamos acabar com isso já. Melhor seria até invocar um Estado de Necessidade permanente para o país e fazer com que esta meritíssima proposta do presidente do TC se estendesse a todos os tribunais, a todo o normativo, a todas as actividades, a todos os tipos de ilícito. Que pelos vistos é para onde estamos a caminhar. Qualquer dia, o próprio regime geral do ónus da prova será invertido. Aí sim, teremos uma dissuasão a 100%. Ia-me esquecendo: que tempo faz agora em Kushadasi?


03 fevereiro 2006

Excerto de um livro não anunciado (285)

Em "O Erro de Descartes" ele [António Damásio] dá-nos conta do importante trabalho de investigação que há duas décadas vem desenvolvendo no domínio da Neurociência, o que faz com invulgar clareza expositiva se atendermos ao rigor e à profundidade do seu pensamento. Um bom exemplo disso, é a descrição que nos dá do momento a partir do qual se convenceu que a perspectiva tradicional de encarar a racionalidade não poderia estar correcta. Essa perspectiva implicava, como se sabe, o reconhecimento de uma radical separação entre a razão e a emoção, no pressuposto de que a cada uma corresponderiam sistemas neurológicos autónomos. Daí que, ao nível do pensamento, a emoção fosse tida como fonte perturbadora de todo o raciocínio. Sempre que se pretendesse tomar uma decisão sensata, haveria, por isso, que fazê-lo de cabeça fria. Foi exactamente este modo de olhar a relação entre a razão e a emoção que António Damásio veio pôr em causa depois de ter observado que um dos seus doentes não conseguia resolver ou decidir adequadamente sobre pequenos e triviais problemas de cáracter prático, apesar da doença neurológica que, de um dia para o outro, o vitimara, não ter afectado a sua capacidade racional:

01 fevereiro 2006

Universidades com Bolonha à vista