30 junho 2006

Nos blogues como na vida

Vá-se lá saber porquê, agradou-me o facto de só hoje me ter dado conta de que o Retórica e Persuasão já completou 3 anos no passado sábado. Creio, porém, que ainda vou a tempo de agradecer a quem me visita regularmente e, em especial, aos que me interpelam nos seus blogues ou via email (a que sempre respondo). Nos blogues, como na vida, a intervenção do "outro" é tão fundamental que faz todo o sentido perguntar com Vergílio Ferreira: "como imaginar a nossa individualização sem um ‘tu’ que a determine?"

28 junho 2006

A boa educação

Vem no Público de hoje. Para atribuir um subsídio de 15.000 Eur à Fundação Eugénio de Andrade, o presidente da Câmara do Porto, Dr. Rui Rio, resolveu pôr uma condição por escrito: que ao menos publicamente, a dita Fundação não diga mal do Município ou, para ser mais exacto, que não diga nada que o Dr. Rui Rio possa considerar como ofensa ao bom nome e à imagem do Município do Porto.

Não se conhece ainda a posição do presidente da Fundação, Professor Arnaldo Saraiva (a propósito, porque não foi interpelado pela jornalista do Público?) mas Rui Rio já explicou o que o leva a impor a respectiva cláusula especial: “Se uma entidade recebe apoio financeiro do município, é uma regra de boa educação não denegrir a imagem desse município".

Talvez que Rui Rio tivesse alguma razão se fosse o “dono da quinta” e se estivesse distribuindo o seu próprio dinheiro, sem qualquer outro critério que não fosse o da generosidade social, caso em que seria até mais próprio falar de esmola em vez de subsídio. Mas nem Rui Rio é o “dono da quinta” nem o subsídio em causa vai sair do seu bolso. Logo, a atribuição de um subsídio à Fundação não lhe dá o direito de cercear a liberdade de crítica e de expressão da instituição subsidiada.

O “dinheiro dos subsídios”, sendo de todos, é para ser gerido e aplicado sabiamente, em função dos fins ou efeitos perseguidos (retorno) pelas entidades subsidiadas. Não é para ficar condicionado aos humores ou interesses deste ou daquele governante, muito menos, para calar a crítica e o descontentamento. O subsídio é um apoio financeiro à obra ou actividade que se espera da instituição apoiada, independentemente do juízo político que os responsáveis desta última possam fazer quanto à actividade da Câmara e à acção do seu presidente. Isto, claro está, num registo democrático.

Ao refugiar-se no argumento da boa educação, Rui Rio esquece que a boa regra de educação não é objecto de contrato, nem se impõe por decreto ou cláusula mais ou menos abusiva, tão pouco se “compra” com trinta dinheiros. Boa educação seria, aliás, não interferir na vida interna das instituições subsidiadas, nem limitar a liberdade crítica dos seus responsáveis. Lamentavelmente, foi o que faltou desta vez.

Jornalista pouco compreensivo

Sim, também acho que a nomeação da filha do ex-Presidente da Republica para adjunta do ministro da Presidência do Conselho de Ministros, Pedro Silva Pereira, não terá passado de uma fantástica coincidência. Nada a ver com o ser filha de quem é, nem pensar. Teve sorte, muita sorte, foi o que foi. Apenas isso. E também concordo que não foi notícia. Notícia seria o ministro (este ou qualquer outro) ter nomeado adjunta a filha de um remediado e anónimo cidadão. Isto digo eu que sou muito compreensivo. O jornalista do Público é que não.

27 junho 2006

Excerto de um livro não anunciado (323)

E de facto, apesar de, em alguns casos, os resultados da investigação experimental não terem ido muito além dos já obtidos por mera inferência empirica, foi não só possível identificar os principais factores envolvidos na persuasão como também, através do recurso a outras orientações teóricas, compreender melhor a complexidade e articulação da atitude considerada, bem como o tipo de reorganização cognitiva produzida pela respectiva modificação. Antes, porém, importa perceber porque razão a psicologia social tem encarado a comunicação persuasiva do ponto de vista da sua estrita ligação com a modificação das atitudes. Petty e Cacioppo justificam essa ligação de uma maneira muito clara. Não basta dizer que a persuasão representa uma tentativa de modificar o pensamento de alguém. É preciso ver também o que é que, especificamente, a tentativa de persuadir visa influenciar. E neste ponto, distinguem-se habitualmente três alvos possíveis: atitude, crença e comportamento. A atitude define um sentimento geral e estruturado, positivo ou negativo, acerca de determinada pessoa, objecto ou questão. Neste sentido, a expressão a pena de morte é horrível será um bom exemplo de atitude porque exprime um sentimento geral e negativo sobre algo, que, no caso, é a pena de morte. A crença, já se refere basicamente à informação que se tem sobre outra pessoa, objecto ou questão e poderia ser representada por uma afirmação do género de a pena de morte é ilegal no meu país. Quanto ao termo comportamento, ele representa uma categoria de acção em aberto e pode ser ilustrada pela expressão participei numa campanha contra a pena de morte.

25 junho 2006

Retórica da imagem

Hoje, ao final da manhã:
XXIII Regata de Barcos Rabelos
Ribeira de Gaia - Ribeira do Porto

Filme fotográfico:

A caminho da Ribeira de Gaia; Aproveitando a maré;
Manhã de neblina
; A ponte ali tão perto; A espera; A regata;
Barco rabelo;Os vencedores;
O desfazer da festa;


Hoje à noite
Festejos da vitória de Portugal
Avenida dos Aliados - Porto

Mais fotos: Foto 1; Foto 2, Foto 3; Foto 4

24 junho 2006

Cultura local

Resultados do 78.º Concurso de Quadras de S. João do Jornal de Notícias




1.º Prémio:

Eu sou a fonte vadia
Dum S. joão vagabundo
Que mata a sede à folia
Da maior noite do mundo

Resende



2.º Prémio:

Meu balão não é d'espanto!
Não tem vinda, só tem ida
Leva risos, leva pranto
Tudo faz parte da vida

Nana


3.º Prémio:

Com tua mão presa à minha
Fui à fonte e não bebi,
A estranha sede que tinha
Era só sede de ti!

Fingidor

Mangerico - um cheirinho a S. João


Noite de S. João, Porto, 2006

22 junho 2006

Jornalismo de opinião: porque não?

É claro que a rapidez a dar notícias não é um trunfo do jornal. Os jornais têm de apostar na análise, no comentário, na multiplicidade de pontos de vista.

José Vitor Malheiros, Público, 16 Junho 2006

Ou seja, na opinião. Que perigo - dirão os que ainda relacionam a opinião com o reino do vale-tudo, da livre subjectividade, do "foi assim que eu vi" ou do "é o meu ponto de vista". Mas a questão é esta: como pode a opinião (da análise, comentário, crítica, etc.), aspirar à boa aceitação dos leitores se não se cingir à racionalidade de todo o pensar e dizer? Não haverá mais objectividade jornalística numa opinião devidamente justificada do que numa notícia com fonte anónima que retira ao leitor qualquer possibilidade de a confirmar?

Ontem em Gaia

Vista da minha janela

A Romaria

O Coreto

Lugares sentados

Já começou

Bom... está ganho. Podemos ir...


21 junho 2006

Olha para o que eu digo

Eu defendo o direito à crítica (...) mas entendo que nas responsabilidades do exercício da opinião no espaço público é demasiado mesquinho usá-lo para ataques meramentes pessoais

Augusto M. Seabra, Público, 17 Junho 2006


Se é Bomba ou não, desconheço, mas em vez de inteligente é ignorante no exemplo

Augusto M. Seabra, Público, 17 Junho 2006



Às vezes parece que dizer mal, atacar, mesmo sem fundamento nem justiça, passou a ser condição de êxito mediático.

José Carlos Vasconcelos, Visão, 15 Junho 2006

20 junho 2006

Excerto de um livro não anunciado (322)

É bem possível que esta visão tão céptica sobre os estudos do processo persuasivo se fique a dever, em grande parte, ao facto de não ter sido possível, até hoje, elaborar uma teoria unificada da persuasão. Como salientam Pio Bitti e Bruna Zani, embora a literatura neste campo seja muito vasta, quer no que respeita ao aprofundamento dos aspectos mais teóricos com base em diversos paradigmas explicativos, quer no tocante à recolha de dados empíricos acerca dos muitos parâmetros envolvidos no processo, “o resultado é um acervo muito heterogéneo de elementos que dificulta a tarefa de reconhecimento de uma direcção expositiva no labirinto das teorias e dos dados existentes” (*). Acresce que, segundo estes mesmos autores, para além das dificuldades criadas pela diversidade dos paradigmas em que se inscrevem, as numerosas pesquisas efectuadas têm sido “pouco entusiasmantes e, mesmo, marcados por contradições e superficialidades” (**). Ainda assim, parece manifestamente abusivo daí deduzir uma total ausência de progresso teórico, porque se não dispomos ainda de uma teoria que nos dê conta da multiplicidade de atitudes que estão por trás da adesão persuasiva, a verdade é que, como bem mostram Petty e Cacioppo, na sua obra Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approches, “cada uma dessas aproximações teóricas contribuiram numa importante medida para o entendimento do processo de persuasão” (***).

(*) Bitti, P. e Zani, B., (1997), A comunicação como processo social, Lisboa: Editorial Estampa, (2ª. ed.), p. 238
(**) Ibidem
(***) Petty, R. e Cacioppo, J., (1996), Attitudes and Persuasion: Classic and Contemporary Approaches, Oxford: Westview Press, p. XV


19 junho 2006

O maldito vício

Gostaria de poder escrever a partir de uma posição de indiferença, mas, infeliz­mente, não é o caso. Com grande desgosto e transtorno meu, sou ainda fumador e não sei se algum dia me conseguirei libertar des­te vício, que hoje sei me foi inculcado cons­ciente e deliberadamente pelas tabaqueiras, com a conivência e o lucro dos governos. Lamento, lamento desesperadamente, que, sendo a liberdade e a independência as mi­nhas condições de vivência e sobrevivência, haja este maldito vício a condicionar-me em tantas situações concretas, inclusive a possibilidade de a minha opinião sobre o assunto ser suspeita de interesse próprio.

Miguel Sousa Tavares, Expresso, 17 Junho 2006


Já fumei. Muito. Muitos cigarros e durante muito tempo. Mais de vinte anos consecutivos. Nunca menos de 40 cigarros por dia. Sei por isso o que é levar o cigarro para o carro, para o gabinete de trabalho, para o café, para o restaurante, para lugares públicos, para lugares privados, para locais fechados, para locais abertos. Sei o que é o desespero de ficar sem cigarros no bolso e não ter uma loja aberta nas redondezas onde os possa comprar. Sei até da melancolia que acompanha aquele último cigarro que se fuma à noite, imediatamente antes de ir para a cama, o último, disse bem, aquele que inexoravelmente irá interromper o ciclo de prazer iniciado pela manhã, logo após o café. Sei, para abreviar, o que é o vício. O maravilhoso/horrível vício de fumar. Só por isso me atrevo também a deixar o meu testemunho. Naturalmente que, como ex-fumador.

Depois de por três vezes ter experimentado deixar de fumar, sempre com sucesso passageiro (pois ao vício acabei por regressar, mais tarde ou mais cedo), percebi o essencial: que na falta do cigarro, o vício é realmente poderoso mas em nenhum caso mais forte do que a vontade. A essa conclusão empírica juntei então uma preciosidade analítica: a ideia de que para acabar com o vício basta não fumar nunca o primeiro cigarro. Parece brincadeira, mas funciona. Aliás, funcionou. Sempre. Claro que as reacções variam de pessoa para pessoa. Mas a menos que eu seja um perfeito anormal (ideia que estou a recusar) o que se passou comigo ocorrerá igualmente com muitos outros. Penso especialmente em todos aqueles que só não fizeram ainda qualquer tentativa de acabar com o tabaco porque receiam as (muito empoladas) dificuldades que regra geral são associadas ao largar do vício.

Volto, por isso, à minha experiência pessoal para dizer que difíceis, difíceis, são os três primeiros dias de abstinência. E, contrariamente ao que se possa pensar, o primeiro nem é dos piores. Os dois seguintes custam um pouco mais. Talvez porque o primeiro dependa mais da vontade, ao passo que o segundo e o terceiro já serão um verdadeiro teste de resistência à "dependência" orgânica. Mas uma coisa é certa: passada a primeira semana sem pegar num cigarro, só volta a fumar quem quer. Foi, pelo menos, a conclusão a que cheguei, de cada uma das vezes. Inclusive, na última, quando depois de uma ampla e exigente reflexão sobre o assunto, decidi que não voltaria a fumar. Foi há cinco anos atrás e continuo tão decidido como na altura. Mais: não sinto qualquer “saudade” do cigarro, nem me incomoda que fumem à minha volta. Quando alguém me pergunta se o seu cigarro me incomoda respondo invariavelmente: “não só não me incomoda como até prefiro que seja você a fumá-lo…”. Um gracejo, claro, mas por sinal, também a mais pura verdade.

Não vejo por isso qualquer razão para o fatalismo com que Miguel Sousa Tavares se refere à sua dependência do tabaco, ao dizer, por exemplo, “ sou ainda fumador e não sei se algum dia me conseguirei libertar des­te vício” ou "lamento desesperadamente, que, sendo a liberdade e a independência as mi­nhas condições de vivência e sobrevivência, haja este maldito vício a condicionar-me (...)". Em matéria de deixar de fumar, as coisas são bem menos dramáticas do que uma certa publicidade faz crer e do que igualmente transparece das versões algo fantasistas com que muitos procuram justificar a sua falta de vontade. Fumar ou não fumar é uma decisão pessoal e livre. O que não é possível é deixar de fumar sem querer. Talvez seja até desaconselhável. Daí que se Miguel Sousa Tavares continua a fumar é porque quer. Pode acreditar: no dia em que tomar (a sério) a decisão de acabar com o vício verificará que, afinal, nunca esteve tão “condicionado” pelo cigarro como chegou a pensar.

17 junho 2006

A retórica na advocacia

Acabou o mundo da advocacia vibrante no Tribunal da Boa Hora. A advocacia baseada na retórica, em alegações que eram autênticas peças literárias e que foi protagonizada por advogados como Salgado Zenha ou Palma Carlos nos tribunais plenários. "Perderam-se duas artes", concorda José António Barreiros. "A arte da retórica e a de saber escrever".

in Público, 15 Junho 2006

E ainda bem, dirão alguns, pelo menos, no que à retórica respeita. Mas esquecem-se que quando se trata de mostrar o justo e o injusto não chega estar do lado certo. É preciso também promover a melhor compreensão possível dos factos ou acontecimentos, dos interesses, do contexto e do isto e aquilo que faz a singularidade da situação particular. Não, não basta ter a razão do nosso lado. É ainda necessário persuadir quem nos escuta (ou quem nos lê) sobre a bondade do nosso ponto de vista. E precisamente porque a opinião dos outros conta, é que vale a pena investir no melhor argumento e na arte de o compor e bem dizer. É esse o contributo que a retórica pode dar a uma advocacia que, para além do seu estrito domínio técnico e previsível, ouse perseguir a afirmação de uma ideia de justiça.

16 junho 2006

Volto a repetir?

Volto a repetir - dizia o locutor da TSF, hoje, pouco antes das 11 h, quando o que realmente pretendia era voltar a dizer (ou repetir) uma frase que pronunciara, pela primeira vez, momentos antes. Mas como pode alguém voltar a repetir o que ainda não repetiu? Quem não se repete sou eu. Nem volto a repetir.

15 junho 2006

O senhor dos passos

Se o actual treinador nacional for embora, a selecção dará:

10 passos atrás - segundo Costinha
20 passos atrás - segundo Figo

E ainda só foram inquiridos dois dos jogadores em quem Scolari mais "apostou". Pela mesma lógica, um terceiro dirá, muito provavelmente, que serão 40 passos atrás. Confirma-se. Scolari é um senhor. Neste caso, o senhor dos passos.

14 junho 2006

A revelação da noite


"Eu gosto de futebol!"

Há pouco, no programa "Quadratura do Círculo", SIC Notícias
.

Excerto de um livro não anunciado (321)

É a esta pergunta que inúmeros pesquisadores têm procurado responder, quer através de um persistente esforço reflexivo, quer pelo recurso à experiência e à experimentação. Os resultados concretos de cerca de cinco décadas de estudo e investigação, levados a cabo especialmente na área da psicologia social, estão, porém, longe de colher a aprovação geral. Fala-se mesmo de uma quase total ausência de progresso teórico na compreensão do fenómeno da persuasão e dela nos dão conta, entre outros, Marvin Karlins e Herbert I. Abelson, citados por M. L. De Fleur: “apesar do extenso número de páginas escritas e dos inúmeros estudos empreendidos acerca da persuasão, muitos estudantes de comunicação vêem como algo impossível o sacudir de um certo sentimento de desassossego quando pensam que dispomos de um conhecimento muito pouco fiável e de escassa relevância social sobre a dita persuasão. Os lamentos relativos à nossa ignorância colectiva acerca da persuasão são já um tópico....” (*).

(*) Cit. in M. L. De Fleur e S. J. Ball-Rokeach, (1993), Teorías de la comunicación de masas, Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica, S. A., p. 352

12 junho 2006

Retórica do link

Ainda os Parabéns a Francisco Viegas: não me apetece ficar aqui a patrulhar a intenção última deste ou daquele link. Cada um que responda por si. Quem está de fora, tanto pode considerar a hipótese da pura cortesia como de uma premeditada jogada em benefício próprio. Daí a inferir e afirmar uma ou outra vai, porém, grande distância. Não será, por exemplo, um pouco estranho que quem diz saber que "Uns links do Francisco fazem mexer o Sitemeter" tenha começado precisamente por linkar o blogue "do Francisco"? Pois é. Mas nem isso autoriza a afirmar que o faz só para "mexer no Sitemeter". Mesmo que seja verdade.

11 junho 2006

Excerto de um livro não anunciado (320)

Ainda no âmbito desta tipologia fundada nos diferentes auditórios possíveis, urge fazer, porém, uma segunda distinção de eminente interesse prático. Trata-se agora de distinguir a persuasão já não com base na particular relação interlocutiva para que somos remetidos em função do maior ou menor número de participantes, mas sim a partir da presença ou visibilidade do respectivo auditório. Depararemos assim com uma assinalável diferença entre a persuasão-interpessoal e persuasão de grupo, por um lado, e a persuasão de massas, por outro. É que nas duas primeiras, o número dos destinatários e até muitas das suas características pessoais são previamente observáveis (tanto no caso do cliente isolado, como nos participantes que enchem a sala de uma conferência) enquanto que na persuasão de massas, reina a maior anonimidade humana e social: o persuasor não vê o persuadido, pode apenas imaginá-lo. E daqui decorre, inevitavelmente, um maior grau de complexidade e incerteza no respectivo processo de persuasão, a começar pelas acrescidas dificuldades em conhecer e seleccionar as próprias premissas. Mas porque a eficácia do processo argumentativo não passa exclusivamente pelo reconhecimento das especificidades relacionais que caracterizam os diferentes tipos de auditório, seria necessário, antes de mais, ter uma ideia precisa do que é, afinal, a persuasão e dos mecanismos que asseguram a sua performatividade. Só que colocar a questão nestes termos leva a uma interrogação que permanece até hoje sem resposta unívoca e satisfatória: o que faz com que alguém mude a sua opinião inicial?

10 junho 2006

Retórica à mesa

O "Forno da Mimi" é o nome do restaurante de Viseu onde jantei ontem, no regresso de mais uma das minhas idas à Covilhã. Entrei na sala com aquela apreensão de uma primeira vez, mas rapidamente fiquei à vontade. Ambiente acolhedor, atendimento simpático, menu a condizer. O cabrito assado no forno a lenha, foi eleito à primeira volta. Ainda fiz a pergunta mais estúpida que se pode fazer num restaurante: "o cabrito está bom?". Que sim, que estava, que os clientes apreciam muito esse prato, blá, blá blá. Disfarçadamente, olhei as mesas mais próximas. Fiquei animado. Parecia tudo gente habituada a comer bem. Como será, por certo, o caso do Bastonário da Ordem dos Economistas, Dr. Murteira Nabo, que era quem se encontrava mais perto de mim.

Bom, não reparei no que o Sr. Bastonário comeu. Só lhe desejo melhor sorte do que a que tive. Nunca irei perceber as razões que levam um restaurante da gama média-alta a servir comida aquecida ao jantar (presumivelmente cozinhada ao almoço), fazendo-a passar por feita na hora. Tratando-se de prática de duvidosa aceitação, o mínimo que um restaurante de boa fé tem que fazer é anunciá-la ao seu cliente. Por maior que seja o risco de lhe desagradar, tudo é preferível ao engano que, uma vez detectado, custa muito a engolir. Além de que, regra geral, só enganará uma vez. Para mim, por exemplo, voltar ao restaurante "Forno da Mimi", de Viseu, é uma hipótese completamente posta de lado. Mau demais, para repetir. Uma grande decepção, quando comparado com o excelente "Restaurante Santa Luzia" que fica ali mesmo ao lado e que ontem, para meu azar, estava encerrado por motivo de férias. É bem verdade que um mal nunca vem só...


08 junho 2006

O prémio dos prémios

O reconhecimento dos pares é o prémio dos prémios. Merecidos parabéns, Francisco Viegas.

06 junho 2006

Pior, muito pior

Saramago, a propósito do polémico Plano de Leitura:

"Mal vão as coisas quando é preciso estimular"

Não sei porquê. Pior, muito pior, é quando já nem o estímulo resulta...

05 junho 2006

Excerto de um livro não anunciado (319)

É certo que há nestes tipos de persuasão muitos elementos comuns, quer no plano comunicacional, quer no estrito nível da persuasão. Em primeiro lugar, todos eles são dirigidos a pessoas, onde a atenção, a percepção, a memória e a acção, jogam um papel fundamental quanto à possibilidade deste ou daquele estímulo nelas produzir a resposta pretendida. Em segundo lugar, em qualquer deles sempre está presente também, em maior ou menor grau, a influência da cultura, das expectativas sociais e da própria linguagem. Mas é inegável que cada um destes tipos de persuasão tem lugar em contextos muito distintos, que obrigam ao uso de meios e técnicas de persuasão específicas. Por exemplo, usar microfone para falar a um único cliente seria tão disparatado como falar sem ele para um auditório de várias centenas de pessoas. O mesmo se diga das confidências pessoais que num contacto face a face são não só possíveis como podem revelar-se até muito persuasivas, enquanto que numa palestra já será muito maior o risco de serem encaradas pela assistência como liberalidades excessivas e despropositadas do orador.

04 junho 2006

Primeiro-Ministro "desmente" Vital Moreira

É só comparar as respectivas reacções ao primeiro veto presidencial.

Vital Moreira:

Não está evidentemente em causa a legitimidade constitucional do veto presidencial (…). Mas o tema do diploma vetado e as razões do veto mostram uma evidente clivagem entre Belém e a maioria parlamentar (…). Só os distraídos é que podiam pressupor candidamente uma convergência entre as posições de Cavaco Silva e as do PS (…). Afinal, não basta a "boa fé e a inteligência" para apagar conflitos entre Belém e São Bento (…)

(in Causa Nossa)

Primeiro-Ministro:

1. Lendo, com atenção, a mensagem do Senhor Presidente da República, saliento em primeiro lugar, com agrado, que o Senhor Presidente da República comunga das nossas preocupações (…) Este é o ponto que considero determinante.

2. O Senhor Presidente da República considera, todavia, excessiva a sanção de rejeição das candidaturas que não preencham os requisitos de paridade exigidos pela lei. Essa é uma questão instrumental que, não pondo em causa o objectivo central da Lei da Paridade, vem, na mensagem do Senhor Presidente da República, apoiada em argumentos que merecem a melhor atenção.

(Público, 03 Junho 2006)

Em que ficamos afinal?

Das razões invocadas no veto, deduz Vital Moreira que há uma evidente clivagem entre Belém e a maioria parlamentar. Vai daí, mostra-se muito preocupado com a actual falta de meios para “apagar” conflitos entre Belém e S. Bento (ao mesmo tempo que os continua a “atear”). Já o Primeiro-Ministro, depois de ler com atenção a mensagem, afirma: “o Senhor Presidente da República comunga das nossas preocupações” e “Este é o ponto que considero determinante”. Diz ainda que a recusa por parte do Presidente da República da sanção de rejeição das candidaturas vem “apoiada em argumentos que merecem a melhor atenção”.

Perante isto, que indescortinadas razões levarão Vital Moreira a querer ser mais papista do que o papa? Conhecerá melhor o rumo do Governo do que o próprio Primeiro-Ministro? Estará convencido que este só não vê a aludida clivagem porque anda distraído? Não se sabe. O que se sabe é que as declarações do Primeiro-Ministro vieram desmentí-lo, em toda a linha. E vai-se ficando a saber também que a notável erudição de Vital Moreira, nem sempre leva a melhor face às suas naturais inclinações ideológico-partidárias. Repare-se, por exemplo, nesta afirmação que faz no seu post e onde lhe "terá fugido a boca para a verdade":

Só os distraídos é que podiam pressupor candidamente uma convergência entre as posições de Cavaco Silva e as do PS

“E as do PS”? Mas desde quando é que um Presidente da República deve convergir com um partido? - Por aqui se vê como a eleição de Cavaco foi, além do mais, uma forma de garantir a não partidarização da Presidência da República.


Nota: Bolds meus.

O falso directo radiofónico

A nossa rádio continua a deitar mão daquele expediente de fingir que vai pôr no ar, em directo, o seu correspondente algures na Patolândia, quando o que realmente faz é reproduzir uma gravação feita pelo dito correspondente, há uma ou duas horas atrás, ou até em dias anteriores.

Já nem me refiro àqueles casos em que o locutor que está a apresentar o noticiário chega ao destempero de saudar o dito correspondente como se ele estivesse, de facto, do outro lado da linha: "boa tarde fulano de tal. Diz-nos... o que é que conseguiste apurar até ao momento?" E tumba: cai-nos a gravação em cima.

É claro que quando o ouvinte leva com essa mesma peça em dois noticiários seguidos, não tem qualquer dificuldade em descobrir a tramóia. Mas em muitos casos, a coisa é feita com tanta "arte", que leva mesmo ao engano. Fica, por isso, a pergunta: haverá algum ouvinte que mereça um jornalismo radiofónico destes? Tem a palavra o
Especialista.

03 junho 2006

A ultrapassada ministra da Cultura

A ministra da Cultura não mostrou particular agrado com a ideia, recentemente avançada pelo autarca Luís Filipe Menezes, de transferir para Gaia a Feira do Livro do Porto. "Não vejo que haja alguma vantagem de a feira do livro passar a ser em Gaia", disse ao JN. Ressalvando que o assunto a ultrapassa, a ministra sublinhou que a decisão caberá sempre à Associação Portuguesa de Editores e Livreiros.

Pela boca morre o peixe, diz o ditado. É, por isso, suficiente ler o que vão dizendo alguns dos nossos ministros para perceber a sua impreparação (para não dizer outra coisa). A ministra da Cultura, por exemplo, vem agora afirmar, ao mesmo tempo, que "o assunto a ultrapassa" mas que não vê "alguma vantagem de a feira do livro passar para Gaia". Cabe perguntar:

1) se o assunto a ultrapassa porque não ficou calada?

2) Estará a sr.ª ministra satisfeita com a falta de condições do exíguo e asfixiante local onde a feira tem decorrido nos últimos anos?

3) Se ainda não são conhecidos os detalhes da proposta do presidente da Câmara de Gaia, como é que a sr.ª ministra já sabe que não haverá "alguma vantagem de a feira do livro passar a ser em Gaia"?

Evidentemente que não ponho a hipótese da sr.ª ministra ter mandado o "recado" à Associação Portuguesa de Editores e Livreiros com o propósito de a influenciar na decisão final. Mas não faltará quem o faça.

Os jornalistas e os assessores de imprensa

vistos por Eugénio Bucci, jornalista, presidente da Radiobrás e autor de Sobre ética e imprensa (Companhia das Letras, São Paulo, 2000):

"jornalistas trabalham para ir atrás das respostas a que o público tem direito, fazendo as perguntas mais incômodas; assessores trabalham para divulgar as respostas que seus clientes ou patrões querem ver disseminadas".

Assim seja.

01 junho 2006

Excerto de um livro não anunciado (318)

Uma segunda tipologia da persuasão que apresenta também grande interesse, tanto do ponto de vista da sua investigação como ao nível da própria estratégia argumentativa, é a que pode ser traçada com base nos diferentes auditórios possíveis. O pressuposto aqui é o de que a particular relação interlocutiva aliada ao maior ou menor número de integrantes do auditório é um factor decisivo na escolha das mais adequadas técnicas ou modos de persuadir. Poderemos então falar de persuasão pessoal ou auto-persuasão, quando alguém avalia os argumentos por si próprio elaborados (deliberação íntima); persuasão interpessoal ou face a face, a que se dirige apenas a uma outra pessoa (pai-filho, vendedor-cliente, etc.) e persuasão colectiva (quando são múltiplos os destinatários da mensagem persuasiva). É nesta última que poderemos integrar a persuasão de grupo, a persuasão de massas e, no limite, a persuasão universal, que corresponderia à noção perelmaniana de auditório universal.

Parece que foi hoje

Nessa mesma conferência, observei novamente um dos horrores maiores da sociedade contemporânea: os telemóveis! São às centenas. Tocam sem parar. Nos corredores, nas escadas, na sala de conferências, nas galerias, no bar, no restaurante, em qualquer sítio, não faltam maluquinhos pendurados em aparelhos cada vez mais pequenos, com ar de quem dá ordens de compra para a Bolsa de Tóquio (...)

António Barreto, Público, 14 Abril 1996

Decididamente, há palavras que parecem resistir ao tempo.