27 outubro 2007

O problema da silepse

Bem me lembro que prometi esclarecer este meu comentário ao modo como Pacheco Pereira reagiu à eleição de Filipe Menezes. Se ainda não o fiz, foi porque resolvi dar algum tempo para ver até onde chegaria o seu anunciado “mau perder”. E devo dizer que valeu a pena.
O radar psicológico do Prof. Marcelo

Valeu a pena, em primeiro lugar, porque percebo agora que este "quase trágico” lamento não passou de uma reacção abrupta e impulsiva à vitória de Filipe Menezes. Não morrendo de amores pelo candidato eleito, é natural que a notícia da sua eleição por folgada margem não tenha sido fácil para o erudito comentador, como aqui tão oportunamente se sugeriu. Mais a mais se é corajoso e lúcido, mas, às vezes, impulsivo, conforme parece ter detectado o radar psicológico do Prof. Marcelo.

O “mau tempo” já lá vai?

Valeu a pena, em segundo lugar, porque parece que o "mau tempo" já lá vai. Isto é, depois daquele inicial exagero do “Pobre país, o nosso” (29.09.2007), seguido de uma provocadora série de posts com a bandeira do partido ao contrário, eis que Pacheco Pereira retoma a crítica serena (onde realmente é exímio), primeiro no programa televisivo “Quadratura do Círculo” (17.10.2007) – a ponto de Jorge Coelho estranhar a sua “meiguice” discursiva – e depois, numa série de intervenções públicas, com destaque para este seu artigo na "Sábado" (20.10.2007) no qual, para além de restituir à bandeira a sua dignidade icónica, retoma, sobretudo, o "quantum" de distanciamento a que a racionalidade crítica, por natureza, obriga - especialmente quando o crítico seja parte interveniente do fenómeno ou do movimento que avalia, como é o caso.

A inclinação político-militante

Ainda bem, porque raras são a preparação cultural e a capacidade analítica de Pacheco Pereira, que sinceramente admiro e com quem muito aprendo. Mas seria uma pena se o distinto comentador, enquanto tal, permanecesse "amarrado" à sua (aliás, legítima) inclinação político-militante. Dito isto, avanço para a justificação do meu já aludido post.
A racionalização do falhanço eleitoral

E começo pela afirmação que nele fiz: “Filipe Menezes ganhou apenas porque foi o candidato mais votado”. Primeira questão: a minha afirmação é verdadeira? Claro que sim. Aliás, das quatro afirmações presentes no meu post, esta é a única comprovadamente verdadeira. Daí a chamada a título como "verdadeira razão". As restantes, mete-se pelos olhos dentro que não passam de suposições sobre outras suposições, porventura na ânsia de "racionalizar" agora o falhanço eleitoral que se foi incapaz de prever. E há que dizer que, quando tais suposições são assumidas nos termos em que o fez Pacheco Pereira, ou seja, como afirmações em vez de meras hipóteses, conferem ao raciocínio um inequívoco recorte falacioso.

Da pretensão informativa ao sentido retórico

Dir-se-á, e disse-se mesmo, que a minha afirmação, embora verdadeira, é redundante. Compreendo a crítica, face à economia textual do comentário que produzi, mas já não à luz da explicação que aqui fica: é tão evidente que Menezes ganhou por ter obtido o maior número de votos, que não faria o menor sentido afirmá-lo com pretensão informativa. Logo, a aparente redundância não o é, de facto, pois a afirmação de que “Filipe Menezes ganhou apenas porque foi o candidato mais votado”, no contexto (e até no co-texto) em que surge, não aponta para qualquer relação de identidade entre dois termos (ou frases), ou seja, não é simplesmente mais do mesmo.

A perda informativa da figuratividade

Concerteza que a afirmação “ganhar eleições é obter o maior número de votos” tem a aparência tautológica que podemos surpreender em muitas outras, tais como “um triângulo tem três ângulos”, “a relva verde é verde”, etc. Mas como lembra Perelman, o grande mestre da argumentação, já “a tautologia evidente e voluntária, como nas expressões do tipo ‘um tostão é um tostão’, ‘crianças são crianças’, deverá ser considerada uma figura” [cuja interpretação] "requer um mínimo de boa vontade por parte do ouvinte" (ou leitor). E porquê? Porque apela para um sentido a que não chega (nem pode chegar) a pura literalidade. Maior atenção e boa vontade do leitor, é assim como que o preço a pagar pelo facto do eventual ganho retórico da figura (mais sentido, mais persuasão) ocorrer sempre à custa de alguma perda informativa (maior ambiguidade).

A silepse

Mas se não tive qualquer intenção informativa ao afirmar que Menezes “ganhou apenas porque foi o candidato mais votado” que intenção tive afinal? O que mais especificamente quis dizer? Ora aí é que está: escrevendo o que escrevi, quis dizer algo mais do que disse, quis sobretudo, dizer o que não disse, deixando ao leitor a liberdade de fechar um (ou mais) dos múltiplos sentidos que a implícita silepse consentia. Por isso não fui além de marcar ironicamente a minha discordância quanto às três esfarrapadas hipóteses (disfarçadas de afirmações) com que Pacheco Pereira procurou relativizar o êxito de Menezes, mais do que explicá-lo. E por aí me ficaria pois não se pode exigir a ninguém que seja sempre inteiramente feliz no que pensa ou no que escreve. Mas uma vez questionado, devo esclarecer, no mínimo, o que a minha afirmação, supostamente redundante, podia muito bem querer dizer.

Hipóteses versus razões

Poderia querer dizer, desde logo, que é perfeitamente natural que depois de uma eleição se especule sobre a direcção e o sentido de voto desta ou daquela classe de eleitores, ou sobre o que os terá levado a votar o candidato A em vez do candidato B, mas sem nunca perder de vista o carácter hipotético da respectiva especulação. O que tem como consequência prática mais evidente, que não se possa afirmar uma série de hipóteses como se fossem verdadeiras razões, que foi o que fez o nosso comentador.

A isenção analítica

Poderia também querer dizer que se Pacheco Pereira pretendia realmente analisar com alguma isenção as razões que tinham levado Menezes à vitória, não deveria ter-se ficado por apontar os defeitos do partido e do candidato vencedor. Assinalaria também as qualidades de um e de outro, que sempre terão dado uma ajudinha à vitória - pois não é verosímil que um candidato ganhe só com defeitos - e sobretudo, analisaria igualmente as razões que terão levado Marques Mendes à derrota, pois não é igualmente verosímel que um candidato perca só com virtudes.

O desafio do comentador: dizer porque pensa o que pensa

Poderia ainda querer dizer, por exemplo, que o comentador não pode esperar que o levem a sério quando as três primeiras "razões" que adianta no seu blogue para explicar porque ganhou Menezes são porque “assumiu o papel de sindicalista do aparelho do partido”, porque o PSD “tem ‘pressa’ de chegar ao poder” e “um dos principais eleitores de Menezes foi a acedia” - tudo isto sem uma justificação, sem um argumento. Sim, porque por mais qualificado que seja um comentador, como sucede com Pacheco, não lhe basta dizer o que pensa, tem, sobretudo, que dizer porque pensa como pensa. De contrário, as “suas” razões sempre poderão ser confundidas com meros desabafos ou palpites ou, ainda pior, como encapotada forma de intervenção político-partidária.

Como explicar a derrota do (nosso) candidato?

Por último, poderia querer dizer que não se contesta (quem o ousaria?) que ganhar eleições tenha razões múltiplas. O problema reside na dificuldade que há em descobrir essas razões. E não sei como se pode superar esta dificuldade, escassas horas após o escrutínio eleitoral. O que eu sei é que não basta atirar ao ar as primeiras hipóteses que nos vêm à cabeça, principalmente quando se trate de encontrar explicações para a vitória de quem, tendo derrotado o nosso candidato, de certa forma, nos derrotou a nós, também.

25 outubro 2007

Já não estou sozinho

Eu ainda não percebi o objectivo do sr. Procurador.

Jorge Coelho, "Quadratura do Círculo", SIC Online, 24 Setembro 2007

Práticas da clandestinidade

Elas são os "ouvidos em todo o lado": são a própria repressão. Mais do que pidescas, portanto. - Dizia eu das escutas, dois dias antes da confissão que Pacheco Pereira acaba de fazer no "Quadratura do Círculo" desta noite:

“eu tenho uma prática que vem da clandestinidade que é a de que nunca se diz nada de importante ao telefone”

Eu não digo que o fenómeno não tem nada de novo?

22 outubro 2007

Quando o pior mal é o mal humano

Acabei de ver, na RTP2:
Alberta Fernandes entrevistando Gonçalo M. Tavares. Uma entrevista penosa. Penosa para a jornalista que não atinava com pergunta condigna. Penosa para o escritor, que se via exposto a um rasteiro questionamento. Até que a entrevistadora resolveu meter a viola ao saco e deixar, finalmente, que o escritor nos falasse sobre o seu actual tema de reflexão. Agora sim. Havia algo de importante para pensar. Algo que precisamos de repetir sempre, uma e outra vez, se possível, com a clarividência com que Gonçalo M. Tavares o fez, neste breve passo da entrevista:

AMF: qual é e o que é que quer fazer pensar? Quer... acrescentar algo na lucidez no leitor, o que é que quer acrescentar, em que é que quer fazer pensar?

GMT: (...) basicamente o tema, se quisermos simplificar um pouco, o tema é o mal nestes quatro livros...é um pouco...eu tenho um fascínio pelo mal, fascínio no sentido original da palavra que é ficar imobilizado sem saber o que fazer e eu fico...

AMF: Quer perceber o mal, tenta procurar perceber os mecanismos do mal?

GMT: Sim porque eu percebo alguns tipos de mal ou seja eu percebo o mal quando é praticado por alguém que quer... que tem a vida em risco, por exemplo, eu percebo perfeitamente esse mal, eu percebo o mal praticado por alguém que tem fome ou que luta pela sobrevivência mais básica, eu percebo esse mal. Mas, por exemplo não percebo o mal que é praticado sobre alguém que não tem a mínima defesa por parte de alguém que não tem a sua sobrevivência em risco.

AMF: Não percebe o mal pelo poder, por exemplo, apenas pelo poder?

GMT: Não. Por exemplo até a ideia de tortura é qualquer coisa que imobiliza e que importa ser entendido ou seja alguém que não se pode defender e o mal ser praticado sobre alguém que não se pode defender ou que não pode praticar mal a outro ou seja isto é algo que é perfeitamente 'humanesco' no sentido de que não há em mais nenhuma espécie animal esta ideia de tortura, por exemplo. Os animais praticam o mal de uma forma muito mais humana, entre áspas, se quiser.

AMF: Só o praticam quando é necessário...

GMT: Sim quando têm fome ou quando têm muito medo ...quando o homem é particularmente extraordinário nisso e por isso é que eu acho que nós devemos substituir o termo "animalesco" por "humanesco".

Mais do que pidescas

No sábado, li na "Tabu" as já tão polémicas palavras do sr. Procurador:

"acho que as escutas em Portugal são feitas exageradamente (...). Penso que tenho um telemóvel sob escuta. Às vezes faz uns barulhos esquisitos"

Nem de propósito, no domingo, abro o Público (P2) e deparo com este sub-título da jornalista São José de Almeida na sua entrevista à investigadora Irene Pimentel (autora de uma tese de doutoramento sobre a PIDE):

"A Pide construiu a imagem de que tinha ouvidos em todo o lado, para afastar da vida cívica os cidadãos"

Eu que ainda sou desse tempo, vou avisando: à Pide ainda se podia enganar, da Pide ainda se podia fugir. Mas destas escutas generalizadas, não. Porque estas escutas não fazem "bluff", nem constroem falsas imagens para reprimir a liberdade. Não precisam. Elas são os "ouvidos em todo o lado": são a própria repressão. Mais do que pidescas, portanto.

20 outubro 2007

O mito de José Rodrigues dos Santos

"É evidente que a objectivi-dade é um mito. Se já nem as ciências sociais ou até as ciências exactas reclamam objectividade no seu traba-lho, como podem os jomalis-tas fazê-lo ou o público exigí-la? Não há objectividade. Mas há honestidade. Nós nunca apresentamos o mundo tal como ele é - apresentamos a-penas visões do mundo como o percepcionamos. O impor-tante é que o façamos com honestidade."

José Rodrigues dos Santos, NS (JN), 20.10.2007


Este famoso jornalista, para quem tudo é subjectivo (desde logo o que ele próprio afirma), continua a defender que a objectividade jornalística é um mito e que o que interessa é que o jornalista seja honesto. Para ser inteiramente sincero, é-me muito difícil conciliar a honestidade com uma afirmação tão falaciosa como a de que "já nem nas ciências sociais ou até as ciências exactas reclamam objectividade no seu trabalho". Mas adiante.

O que tinha a dizer sobre o assunto já o disse,
aqui, ali e também aqui. Falta apenas actualizar a coisa com uma possível explicação para este horror de Santos à objectividade jornalística. É que, realmente, só à luz de um muito desculpante sujectivismo se pode inscrever a sua pirosa e incontinente piscadela no fim de cada telejornal, para já não falar do "chinfrim" mediático de um conflito profissional que, milagrosamente, coincide com a campanha promocional de um novo livro. Para Santos, tudo isto é muito natural, e no caso da naturalidade não se notar, por certo que avançará com o seu argumento predilecto: "isto é subjectivo". Bom. Ninguém gosta que o tomem por parvo e eu também não. Ainda assim, vou escrever: estou plenamente convencido de que a piscadela é honesta. Mas não digo mais nada.

17 outubro 2007

Resignação ou truque?





* Hoje, na Quadratura do Círculo

Jorge Coelho para Pacheco Pereira:

"Eu estava aqui com a maior das atenções a ouvir os comentários deste meus dois amigos ao Congresso do PSD... e até estava um bocado, digamos, a dizer assim...não posso crer: como é que, nomeadamente o meu caro amigo (olhando para Pacheco Pereira), depois do que disse aqui (...) porque é que o meu caro amigo é tão meigo, parece que já se resignou a esta situação (... ) eu fiquei admirado ouça... e até lhe digo uma coisa... eu acho que quem nos está a ouvir ficou admiradíssimo... vc resignou-se, o que é que lhe aconteceu? Uma noite mal dormida? O que é que foi? Quer dizer (...) fiquei admirado, fiquei admirado... eu pensava que vc viria aqui hoje dizer com força aquilo que deveria ter ido dizer lá ao Congresso e não foi dizer, hoje que ia dizer... hoje também não diz!"

Sei que Pacheco Pereira pediu a palavra. Só não sei se chegou a responder. Parece que não. A menos que isto seja resposta:

"(...) a meiguice é daqueles truques que se usam lá na Assembleia da Republica porque o Jorge Coelho sabe muito bem que as pessoas sabem o que eu penso, não preciso é de estar sempre a repetir as mesmas coisas"

14 outubro 2007

O comentário dos comentários

por Pedro Correia do Corta-fitas.

De leitura obrigatória, como bem assinala
Carlos Abreu Amorim.

13 outubro 2007

O incrível Pagagnini Show

Anunciava o Público (P2) do passado domingo na sua secção "Em Palco":

"Para que depois não digam que não avisamos, ok? O que esta noite se vai passar no Grande Forum da Maia não é um concerto - é antes um desconcerto. Porque sempre que eles se juntam para oferecer um repertório de música clássica o resultado é sempre imprevisível. "Pagagnini" é o resultado do trabalho da companhia espanhola Yllana e do maestro libanês Ara Malikian e sobe esta noite ao palco, no âmbito da 13.ª edição do Festival Internacional de Teatro Cómico da Maia."

Fiquei imediatamente "agarrado", tanto mais que o "boneco" com os músicos de violino em riste que acompanhava o anúncio, prometia uma noite divertida. O meu entusiasmo esmoreceu, porém, quando li o preço dos bilhetes: 2,5 Eur. Como? Dois euros e meio? Ora, ora. Só podia ser gralha ou anúncio enganoso. Mesmo assim, não resisti ao apelo do registo cómico-musical e meti pés a caminho. Chegado à bilheteira, confirmei imediatamente o preço "populista" ao pagar apenas doze euros e meio por cinco entradas. Reduzi drasticamente as minhas expectativas e preparei-me para o pior. Entrei.

Auditório cheio como um ovo. Ambiente festivo. Uma rapsódia de musica clássica espanhola, em cravo, muito selecta, preparava os espíritos para o (des)concerto da noite. Até que entraram os músicos, os cómicos, os executantes, os actores, os cantores, os bailarinos, eu sei lá que mais. Só sei que eram apenas quatro. Geniais. Soberbos. Sublimes. E que me proporcionaram o melhor espectáculo de sempre, no género. Tudo isto por dois euros e meio. Ainda penso que estou a sonhar. Parabéns Câmara Municipal da Maia.

Um quarteto exímio, hilariante, convincente

12 outubro 2007

A contabilidade dos socos e das escapadelas

Manuel António Pina, no JN de ontem, comentando a desastrada entrevista que monsenhor Luciano Guerra, reitor do Santuário de Fátima, deu à revista Pública do passado sábado:
Estando eu casado vai para 40 anos, estarei a dever, pelas contas de monsenhor Luciano Guerra, reitor do Santuário de Fátima, 13 socos à minha mulher. Em bom rigor talvez não seja bem uma dívida, pois parece que, teologicamente, não serei obrigado a bater-lhe; é antes aquilo que em Direito se chama de "obrigação natural". As contas vêm numa entrevista que monsenhor dá à última NS: “Há o individuo que bate na mulher todas as semanas e há o indivíduo que dá um soco na mulher de três em três anos". O problema da mulher que leva todas as semanas fica a aguardar melhor prova. Já quanto a saber se socos de três em três anos, ou "agressões pontuais", justificarão o divórcio, o piedoso sacerdote não tem dúvidas: "Eu, pelo menos, se estivesse na parte da mulher que tivesse um marido que a amava verdadeiramente no resto do tempo, achava que não". O problema não está, pois, em o marido dar uns socos ou uns pontapés à mulher (ou a mulher ao marido), está "no resto do tempo". E o mesmo se poderá provavelmente dizer de outras violações dos deveres conjugais. Uma escapadela de três em três anos ficará assim ressalvada se o marido (ou a mulher) "amar verdadeiramente" o cônjuge no "resto do tempo", ou, pelo menos, quando não está no motel com a (ou com o) amante.

10 outubro 2007

O Jornal2 e a racionalidade mediática

"Muitos conside­ram a RTP2 um canal mais inte­lectual, mas creio que se confunde inte­lectual com ra­cional. Veja-se o Jornal 2, apre­sentado por Alberta Marques Fernan­des. Em metade do tempo dos outros telejornais, é dada toda a informação relevante do dia, sendo aprofundadas duas ou três dessas notícias com o re­curso à entrevista a um convidado em estúdio. E o Jornal 2 até traz mais notí­cias de internacional do que nos tele­jornais dos três "grandes" canais. Não bastasse, no fim ainda há uma aceitável agenda cultural e, pasme-se, tempo para ouvir em estúdio (como na se­gunda-feira passada) um conjunto de violinistas. Tudo em pouco mais de 30 minutos. Não parece ser tudo isto mais racional?"

Ricardo Paz Barroso
in VIVA+ (JN), 05 Outubro 2007

Para ler em voz alta

No seu artigo no Público do passado domingo, António Barreto transcreve parte de um despacho normativo do secretário de estado Walter Lemos (Educação) que, lido em voz alta - como o próprio António Barreto sugere - pode até competir com os melhores textos do “Gato Fedorento”. Mesmo numa versão ainda mais reduzida, façam a experiência e digam depois qualquer coisa, isto, bem entendido, se tiverem fôlego para chegar ao final. Ora aqui vai:

“A existência de constrangimentos na operacionalização do regime de permeabilidade estabelecido pelo Despacho n. 014387/2004 (2.ª Série), de 20 de Julho, bem como os ajustamentos de natureza curricular efectuados nos cursos científico-humanísticos criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, implicaram a necessidade de se proceder ao reajuste do processo de reorientação do percurso escolar do aluno no âmbito dos cursos criados ao abrigo do mencionado Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março.
Desta forma, o presente diploma regulamenta o processo de reorientação do percurso formativo dos alunos entre os cursos científico-humanísticos, tecnológicos, artísticos especializados no domínio das artes visuais e dos audiovisuais, incluindo os do ensino recorrente, profissionais e ainda os cursos de educação e formação, quer os cursos conferentes de uma certificação de nível secundário de educação, quer os que actualmente constituem uma via de acesso aos primeiros, criados ao abrigo do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 44/2004, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 24/2006, de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 23/2006, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 0272/2007, de 26 de Julho, e regulamentados, respectivamente, pelas Portarias n.º 550-D/2004, de 22 de Maio, alterada pela Portaria n.º 259/2006, de 14 de Março, n.º 550-A/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 260/2006, de 14 de Março, n.º 550-B/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 780/2006, de 9 de Agosto, n.o 550-E/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 781/2006, de 9 de Agosto, n.º 550-C/2004, de 21 de Maio, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 0797/2006, de 10 de Agosto, e pelo Despacho Conjunto n.º 0453/2004, de 27 de Julho, rectificado pela Rectificação n.º 1673/2004, de 7 de Setembro.

Assim, nos termos da alínea c) do artigo 4.º e do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 74/2004, de 26 de Março, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 44/2004, de 25 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 24/2006, de 6 de Fevereiro, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 23/2006, de 7 de Abril, e pelo Decreto-Lei n.º 272/2007, de 26 de Julho, determino (…)”

Do ponto de vista retórico, a invocação de um tal chorrilho de decretos, portarias, despachos, rectificações e mais rectificações de rectificações indicia, desde logo, um total desrespeito pelos legítimos interesses e expectativas do respectivo auditório (professores, alunos, pais dos alunos e, enquanto cidadãos, todos nós, afinal), o que, só por si, já suportaria veemente censura. Mas é ainda Barreto que vai ao fundo da questão quando nos convida a meditar "na forma mental, na ideologia e no pensamento que inspiram este despacho" para compreendermos "as razões pelas quais chegámos aonde chegamos". Nisso sim, valerá a pena pensar seriamente. Antes que seja tarde.

09 outubro 2007

Encorajar o espírito crítico

Torno à minha regular prosa bloguística para assinalar, antes de mais, o excelente "post" com que António Fidalgo honrou o Retórica no passado dia 1. Meu notabilíssimo Mestre e amigo, o Prof. Fidalgo, como é mais conhecido no meio académico, nele emite opinião contrária à minha sobre as razões que, no entender de Pacheco Pereira, terão levado Filipe Menezes à vitória. Ainda bem, pelo blogue, que se enriquece e pluraliza, mas também por mim, que sou o primeiro beneficiário de tão alta e qualificada reacção. Posso, talvez, lamentar – com alguma surpresa - que o registo irónico do que disse aqui tenha passado despercebido. Mas até nisso terei de assumir a inteira responsabilidade pelo recurso a uma opção estilística que não pode, em caso algum, prescindir de certa dose de laconismo e de ambiguidade. Seja como for, não há problema: “quem anda à chuva, molha-se”, como bem diria Pacheco Pereira. Será pois de “guarda-chuva” aberto que voltarei ao assunto em próximos "posts", para melhor clarificar a minha posição. Por agora, o que mais quero é enaltecer o que não pode deixar de ser enaltecido: o exemplo de um Mestre que não pára de encorajar o espírito crítico deste seu honrado mas humilde discípulo.

07 outubro 2007

Novidades em exclusivo


Estou de volta. Uma semana sem notícias do país, foi o suficiente para fazer de mim a pessoa mais desactualizada do planeta. Valeu-me a prudência de não ter suspendido a reserva dos habituais jornais e revistas. De certa forma, isso garantiu-me até um acesso às novidades em rigoroso exclusivo, pois já não serão novidades para mais ninguém. Quem disse que o perspectivismo não tem coisas boas?

01 outubro 2007

Razões várias ou apenas a verdadeira ?

Ganhar eleições tem certamente razões múltiplas. E nisso Pacheco Pereira está certo, contra a opinião de Américo de Sousa.
Com efeito, não se pode dizer que "a verdadeira razão por que ganhou Menezes é apenas porque foi o candidato mais votado", ou melhor, pode dizer-se, mas é tão só uma redundância. É óbvio que ganha eleições quem tem mais votos (está na própria definição de eleição democrática). Por isso mesmo, as razões da vitória de Filipe Menezes são as mesmas razões porque a maioria votou nele. Logo, as razões apontadas por Pacheco Pereira são pertinentes já que explicam o comportamento eleitoral da maioria dos eleitores.
Se alguém aponta o stress, o tipo de trabalho, o tipo de alimentação, etc. como as razões para a obesidade real de uma pessoa, não tem sentido dizer que não vale a pena indagar dessas razões, porque a verdadeira razão é o comer demasiado. Trata-se justamente de saber porque é que essa pessoa come tanto, e aí surgem as razões indicadas, stress, etc.