31 julho 2003

A dita eloquência (13)

"É preciso ter escrito muito, muitíssimo, para só se escrever o suficiente."

Post do P, hoje, no Guerra e Pas

Excertos de um livro não anunciado (27)

(...) Recordemos que o acto para ser injusto tem de ir contra a lei. Aristóteles porém distingue a lei particular, que a polis estabelece para si própria, da lei comum resultante da natureza humana. Dentro da lei particular distingue igualmente a escrita da não escrita (costume). Diz ainda que a equidade vai mais além da lei escrita e que tem mais a ver com a intenção do legislador do que com o espírito da letra. Por isso apela mais a uma arbitragem que a um juízo, porque o árbitro atende ao equitativo, enquanto o juiz atende à lei.(...)

A dupla dúvida

A primeira:

Será que o AINDA A TSF(2), último post de Pedro Mexia sobre o "esquerdismo da TSF" vai acabar com a polémica? Duvido.


A segunda:

Alguém se atreve a desvendar o estranho caso do "Professor Deleuze"? (Consulte aqui a pista 1 e a pista 2).

30 julho 2003

À cautela...

O P, do Guerra e Pas, transcreve hoje o meu post "Surpreendentemente" e faz também suas as minhas palavras. Além do mais, achei muito simpático. O problema é que P resolveu tratar-me por mestre Américo: "Faço minhas as palavras do mestre Américo, do Retorica e Persuasao:". Ora nos últimos dias foi muito (mal?) falado, nos jornais, um tal mestre Américo, de Lisboa. Então, pelo sim, pelo não, o melhor é deixar bem claro que "o mestre Américo, do Retorica e Persuasao" é... do Porto. Cautela e caldos de galinha...

Excertos de um livro não anunciado (26)

(...) Um outro conjunto de premissas para possíveis entimemas referem-se a quem é provável que cometa injustiça e quem é provável que a sofra. Assim, diz-nos que quem pode facilmente cometer injustiça são os que pensam que sairão dela impunes, porque ficarão ocultos ou porque conseguirão esquivar-se do castigo graças a determinadas influências, como acontece, por exemplo, com aqueles que “são amigos das vítimas dos seus delitos ou dos juizes, porque os amigos não se previnem contra as injustiças e preferem chegar a um acordo antes de recorrer aos tribunais, enquanto que os juizes favorecem os seus amigos, absolvendo-os ou impondo-lhes castigos leves” *. Quanto aos que considera que facilmente podem ser vítimas de injustiça, são os que não têm amigos, os estrangeiros e os trabalhadores. (...)

* Aristóteles, (1988), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 117

A dita eloquência (12)

"jamais se apaga completamente o que foi dito uma vez"

Chaim Perelman

in Perelmam, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 389

Surpreendentemente

Aquilo a que poderei chamar o meu núcleo de "blogues de referência", está a aumentar exponencialmente. Ora isto não estava no programa pois, a princí­pio, levado pelo conhecimento que tenho de outras andanças na "net", apenas admitia que, com alguma dose de sorte, talvez viesse a descobrir uma dúzia de blogues merecedores de leitura diária e "link" permanente.

Fui, porém, como se costuma dizer, ultrapassado pelos acontecimentos, pois todos os dias visito novos blogues e a todos ou a quase todos eles sinto necessidade de voltar. Ainda não pude reflectir, seriamente, sobre o que produz em mim tal atracção ou chamamento. O que será? Profundidade analítica? Diversidade temática? Tonalidade confessional? Espírito crí­tico?

É possí­vel que seja um pouco (ou um muito) de tudo isso. Mas seguramente que será também o respeito pela nossa lí­ngua. Porque muitos dos blogues, há que reconhecê-lo, têm sido escritos num irrepreensí­vel português. Surpreendentemente.

29 julho 2003

A polémica: vencer ou convencer?

1.
Sabe-se como toda a prática retórica começa com uma questão (ou problema) a que se torna imperioso responder. No caso da polémica em curso entre Pedro Mexia (PM), do Dicionário do Diabo e Carlos Vaz Marques (CVM), do Outro, Eu, a questão inicial está perfeitamente isolada: o PM “baptizou” a TSF de “incrivelmente esquerdista” e o CVM, que não está nada de acordo, pede-lhe que se justifique, que apresente exemplos do afirmado.

2.
No que respeita ao desenvolvimento da respectiva argumentação, talvez possa dizer-se que “a procissão ainda vai no adro”. Mas, entretanto, Pedro Mexia já adiantou os nomes de três directores e cinco comentadores da TSF que considera conotados com a esquerda, dando ainda como exemplos da influência esquerdista o programa Forum e a recente cobertura na guerra do Iraque.

3.
CVM, porém, não fica convencido. E além de contestar o esquerdismo do Forum e da cobertura da guerra do Iraque, desafia PM a apresentar um único caso em que a direcção da estação alguma vez tenha dado qualquer directriz de natureza político-ideológica. Faz também notar que apesar de se ter reportado apenas à parte dos comentários (e não à das notícias), PM, ainda assim, terá ignorado todos os comentaristas da TSF pertencentes a quadrantes político-ideológicos que nada têm a ver com a esquerda.

4.
Não pretendo (nem devo) pronunciar-me sobre o mérito dos diferentes argumentos em confronto. Mas a julgar pelo vivo contraditório que já se instalou, talvez valha a pena - lá mais para diante – fazer uma breve análise das diferentes estratégias retóricas a que recorreram ambos os intervenientes e, sobretudo, tentar ilustrar com algumas passagens deste debate, o perigo potencial que paira sobre todo e qualquer processo de argumentação: o de se passar da retórica crítica para a retórica erística.

5.
Mas de onde vem esse perigo? Esse perigo vem, a meu ver, do nosso tão comum esquecimento de que, do ponto de vista retórico, nenhuma afirmação pode ser imposta (ainda que bem fundada). Porque sobre o que é evidente ou axiomático não se discute. Logo, tentar persuadir o interlocutor, convencê-lo das nossas razões é tudo aquilo a que dialecticamente podemos aspirar. Sempre na procura da melhor solução consensual possível (retórica crítica). E nunca com o único objectivo de vergar o adversário ao peso dos nossos argumentos, numa palavra, de o vencer (retórica erística).

Excertos de um livro não anunciado (25)

(...) Por sua vez, o acto é intencional quando é praticado sem estar forçado ou submetido a uma violência ou a uma necessidade exterior. Considerando que tudo o que se faz voluntariamente, será agradável ou dirigido ao prazer, Aristóteles define este último como "um processo de alma e um retorno total e sensível à sua forma natural de ser”* e descreve os diversos tipos de prazeres tais como prazeres naturais do corpo, prazeres da imaginação e recordação, prazer de se vingar, prazer de vencer, prazer da honra, prazer do amor, prazer de aprender, prazer de mandar, etc., ao mesmo tempo que fornece as opiniões geralmente aceites e utilizáveis como premissas ao falar sobre se o acto foi realizado voluntariamente ou não e o que com ele poderia ter querido obter o agente.(...)

*Aristóteles,(1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 108

A dita eloquência (11)

"Desde miúda gostava de ouvir as pessoas a falar. Era a música."

Actriz Carmen Dolores, em entrevista à revista Pública de 27.07.2003

28 julho 2003

O mais e o menos

No segundo livro da sua Retórica, Aristóteles refere o mais e o menos como um dos lugares comuns a partir dos quais o orador pode construir cada argumentação particular. Lugares comuns serão, então, aquelas ideias gerais que se podem adaptar a qualquer discurso e nele desempenhar, como agora se diz, uma função estruturante. Bem vistas as coisas, acabam por funcionar como uma "matriz de múltiplas palavras e expressões possíveis, que adaptam a genericidade do lugar-comum à especificidade do texto" (1).

Modernamente Chaim Perelman atribui aos lugares-comuns um papel análogo ao das presunções: "Os lugares comuns são afirmações muito gerais respeitantes ao que se presume valer mais seja em que domínio for" (2). Enquanto lugar comum, o mais e o menos recebe a designação de lugar de quantidade que é, a par do lugar de qualidade (quando se valoriza mais o excepcional que o normal), um dos lugares mais utilizados na argumentação em geral. Mas vamos aos exemplos:

- aquilo que é mais vantajoso para a maioria (o mais), é preferível ao que só tem utilidade para alguns (o menos);

- o que é mais duradouro e mais estável é preferível ao que o é menos.

- o que não é posto em causa por quem tem muitos estudos menos o será, ainda, por quem pouco lê.

O mais e o menos
não é, pois, aquele mais ou menos displicente com que, por vezes, expressamos certa dificuldade em quantificar ou definir algo (tipo: "como tens passado? - mais ou menos, obrigado"). Antes corresponde a um prévio critério de preferência que valerá argumentativamente enquanto não for posto em causa. Do mesmo modo, o termo lugar-comum, no seu sentido técnico, nada tem a ver com a acepção de vulgaridade que frequentemente lhe é conferida. Mas ainda que não signifique vulgaridade, pode surpreender o recorrente uso que dele fazemos na nossa intercomunicação. Nos blogues e fora deles.

(1) Plebe, A. e Emanuele, P., (1992), Manual de Retórica, S. Paulo:Martins Fontes, p. 142
(2) Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 49

A dita eloquência (10)

"Não dê nada a Nossa Senhora que já tem muito!Eu é que preciso!"

Miúdo pedinte interpelando Frei Bento Domingues, no recinto do Santuário de Fátima, no passado dia 17.

(Conf. notícia do Público de 27.07.2003)

Excertos de um livro não anunciado (24)

(...) Na oratória forense, que tem lugar no tribunal, o tema básico é saber se se cometeu ou não injustiça num caso determinado. E também ao orador forense a técnica retórica deve oferecer um vasto conjunto de definições, classificações, critérios e dados que ele possa utilizar como premissas dos seus entimemas. Aqui a noção fundamental que está em jogo é a de acto injusto que Aristóteles define como equivalente a “causar voluntariamente um dano contrário à lei” *. Ou seja, para que haja injustiça são necessários três requisitos: a produção de um dano, intenção de o provocar e violação da lei. (...)

*Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 104

27 julho 2003

Cortesia & Afinidade

Tenho recebido mais algumas manifestações de apreço, também por email, a que nem sempre pude responder com a devida brevidade. À cautela, registo por isso, desde já, a cortesia do Socio[B]logue, do avatares de um desejo e do opiniondesmaker, que, além do mais, parece traduzir também uma apreciável afinidade quanto à forma de encarar os blogues. Obrigado.

Cartas diferentes

É sempre muito agradável receber correio. Mas também, até certo ponto, trivial. O que não me parece nada trivial é este prazer acrescentado que experimento quando leio cartas (ou emails) de pessoas que me escrevem pela primeira vez. É uma sensação diferente, que não sendo fácil definir, invariavelmente me remete para uma pequena mas nem por isso menos ambiciosa aventura do pensamento. Sobretudo, porque para além da mensagem explícita que em si mesma se oferece a uma leitura imediata, a primeira carta é sempre portadora de uma particular intenção ou motivo. Logo, também de um significado supra-textual que procuro, a todo o custo, desvendar. Sim, eu sei o que a carta diz. Diz, muito provavelmente, o que o seu autor quis dizer. Mas isso todas as cartas dizem. O que verdadeiramente me prende numa primeira carta é aquilo que ela não diz e que, apesar de tudo, pode ter ficado dito. E, nesse sentido - também nesse sentido - a primeira carta é... irrepetí­vel. Ontem mesmo citei aqui Fernando Pessoa: "vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la, porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez". Será que o nosso grande poeta tem mais razão do que se imagina?

Excertos de um livro não anunciado (23)

(...) Quando o orador recomenda algumas coisas à assembleia, apresenta-as como proveitosas ou convenientes, ou seja, como bens ou como permitindo a obtenção de bens. Necessita por isso de dispor também de premissas sobre os bens, a começar pela sua própria definição e classes em que se podem agrupar. Esses bens são, em primeiro lugar, a felicidade, depois, a riqueza, a amizade, a glória, a eloquência, a memória, a perspicácia, os saberes, as técnicas e a justiça. Aristóteles preocupa-se em oferecer sobre todos esses bens pontos de vista que podem ser utilizados como premissas, por exemplo aquilo cujo contrário é um mal é ele mesmo um bem. Nas situações em que todos estão de acordo em que duas propostas convêm ou são boas, o que se torna necessário é dizer qual delas convém mais ou é melhor. Por isso Aristóteles fornece uma bateria de critérios de comparação que podem ser usados pelo orador para apresentar um bem como preferível a outro.(...)

26 julho 2003

A dita eloquência (9)

"Isto é uma indecência"

João Pedroso, hoje à "NTV", a propósito das sucessivas violações do segredo de justiça.

Valor da racionalidade versus racionalidade do valor

Vale mais a pena ver uma coisa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.

Fernando Pessoa - Poemas inconjuntos

Filosofia & Retórica

"Uma filosofia considerada como arte - mais em concreto: como acção retórica, teatral - está em melhores condições que a elucubração monológica para compreender a vida donde ela surge e à qual deve ajudar a clarificar-se"

Innerarity, Daniel, A FILOSOFIA COMO UMA DAS BELAS ARTES, Lisboa: Teorema, 1996, p. 13

Excertos de um livro não anunciado (22)

(...) A técnica retórica deverá então proporcionar ao orador premissas sobre a felicidade, que começarão pela sua própria definição e a dos seus elementos, pois é apelando à felicidade que esse orador conseguirá convencer os membros da assembleia. Aristóteles dá uma definição da felicidade que pode ser facilmente aceite por todos: "Seja pois felicidade a prosperidade unida à excelência ou suficiência dos meios de vida, ou a vida mais agradável, acompanhada de segurança ou plenitude de propriedades e do corpo, bem como a capacidade de os salvaguardar e usar, pois pode dizer-se que todos coincidem em que a felicidade consiste numa ou mais destas coisas” *. Mas como por vezes se apela não à felicidade plena mas somente a uma das suas partes, o orador deve dispor também de premissas sobre essas partes da felicidade que são, nomeadamente, a nobreza, a riqueza, a boa fama, as honras, a saúde, a beleza, o vigor e a força, o ter muitos e bons amigos, a boa sorte e a excelência ou virtude.(...)

*Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 71

25 julho 2003

Reconhecimento ou orientação?

De ontem para hoje, não me posso queixar de falta de reacções. O metablogue transcreve na íntegra, o meu post "Blogues: Poder, Retórica e Sedução". O Abrupto coloca o "Retórica e Persuasão" no grupo dos blogues que "fizeram a diferença". E o Terras do Nunca vai ao ponto de considerar que lhe "tira o sono". São três referências que não posso deixar de assinalar. Em primeiro lugar, porque de tão simpáticas, reconfortam e incentivam. Depois, porque me orientam quanto ao caminho que aqui tenciono prosseguir. Sinceramente, não sei o que mais devo agradecer: se o reconhecimento, se a orientação. Só sei dizer... obrigado.

Excertos de um livro não anunciado (21)

(...) Os temas mais frequentes na oratória deliberativa, perante a assembleia popular, são por excelência, os temas políticos, nomeadamente, impostos, guerra e paz, defesa, comércio exterior e legislação e é também sobre eles que Aristóteles faz uma série de considerações da maior utilidade para o orador, após o que chama a atenção para o facto de, em última instância, toda a gente decidir tendo em vista a sua própria felicidade, coisa que o orador polí­tico ou deliberativo deveria ter em conta. (...)

A dita eloquência (8)

"o golpe não foi contra o Governo, nem contra o Presidente, foi contra o estado de coisas"

Major Fernando Pereira, lider da revolta em S. Tomé e Príncipe, no "Público" de hoje

24 julho 2003

A retórica de uma notícia em dois tempos

Ontem, no Abrupto:

"Um grande abraço mais que público para o Carlos Andrade que é um homem bom, primeiro, e um bom jornalista, depois." (Pacheco Pereira)


Hoje, no Publico:

"Carlos Andrade demitiu-se ontem das funções de director da TSF por divergências com a administração relacionadas, sobretudo, com uma projectada redução de pessoal." toda a notícia aqui

Excertos de um livro não anunciado (20)

(...) O orador fará uso abundante dos entimemas que são o principal instrumento de persuasão de que dispõe. O entimema é uma inferência ou dedução (um silogismo, segundo a terminologia aristotélica) parecido na forma com a demonstração científica mas menos rigoroso, ainda que tanto ou mais convincente quando usado perante um público menos culto.

No entimema “comem-se” com frequência as premissas, aparecendo só algumas e subentendendo-se as outras. Além disso, as premissas não precisam de ser verdadeiras, basta que sejam verosímeis. Nem o que as premissas do entimema formulam em geral necessita cumprir-se sempre, basta que se cumpra com frequência.

A técnica retórica deve proporcionar um amplo repertório de premissas verdadeiras ou verosímeis ou geralmente aceites acerca de cada tema, de tal modo que a partir delas se possa construir os entimemas (...)

23 julho 2003

Blogues: poder, retórica e sedução

A expressão é livre. O espaço é gratuito. Mas nem por isso a Blogosfera fica imune às estratégias de poder, como bem salientou José Bragança de Miranda. Quem lê os blogues com alguma atenção percebe que, do ponto de vista relacional, a Blogosfera não é, afinal, um mundo muito diferente dos outros mundos da vida. Aqui, como "lá fora", nascemos todos iguais, mas acabamos por ser todos diferentes. E, como se sabe, são inúmeros os factores que originam essa diferença.

A afinidade de interesses, valores ou ideias, a existência de uma rede comum de ligações pessoais e desde logo, um mínimo de prévio conhecimento pessoal, estão seguramente por detrás da discriminação (positiva?) a que aqui se assiste, não só em termos de "blog-etiqueta" (boas vindas, etc.), como na atenção e insistência com que se elogia ou polemiza quase sempre com os mesmos blogues. Mas é natural que assim seja. Porque compartilhar este "espaço electrónico" não significa, obviamente, o anular das respectivas diferenças ou distâncias pessoais.

Logo, quem não se conforme com tais distâncias deve tomar a iniciativa de formular a questão e propor o debate. O que significa... fazer retórica. Porque a retórica, segundo Michel Meyer, traduz-se, precisamente, na negociação da distância entre os homens, pelo recurso a "(...) uma lógica da identidade e da diferença, identidade entre eles ou identidade de uma resposta para eles, apesar da diferença entre eles e entre as suas múltiplas opiniões e saberes" *. É certo que nem a melhor argumentação garante o êxito. Mas é justamente esse o registo mais democrático da retórica: liberdade de opinião, respeito pelo outro, aprovação consensual. Nem os argumentos aprovados são tidos como racionalmente definitivos ou evidentes, nem os rejeitados perdem o seu valor só porque não foram reconhecidos. O saldo retórico é sempre positivo. Nuns casos, porque leva à  deliberação ou soluçao pretendida. Noutros, porque permite aprofundar a compreensão da própria questão ou do conflito em aberto.

Não se pode esquecer, porém, que numa boa retórica (ou argumentação) é necessário, antes de mais, captar a atenção do auditório (mesmo que eventualmente representado por uma só pessoa). O que, naturalmente, pode ser favorecido por um certo "quid" de sedução. De sedução entendida aqui como figura do agrado, do prazer, do bem estar, ou seja, como pertencendo mais à  esfera do gosto do que à  da fria e etimológica racionalidade com que, de uma penada, se pretende muitas vezes remetê-la para o puro engano. Não admira por isso que alguns dos blogues mais "notáveis" apostem igualmente numa estratégia de sedução, em ordem a alargar os seus "centros de influência" (blogues a que se referem ou que publicitam) e, ao mesmo tempo, a exponenciar a receptividade do seu auditório geral. Pensando bem...que mal há nisso? Não é assim que vivemos "lá fora", também? Tem a palavra o Socio[B]logue...


*Meyer, M., Questões de Retórica : Linguagem, Razão e Sedução. Lisboa: Edições 70, Lda., 1998, p. 33



Excertos de um livro não anunciado (19)

(...) Cada um destes três géneros de oratória, possui uma especial relação com o tempo, conforme o efeito da persuasão se manifeste no passado, no presente ou no futuro. Na oratória deliberativa, por exemplo, está em causa o futuro, pois os membros da assembleia são chamados a deliberar sobre o modo como as coisas irão decorrer. A oratória forense, remete-nos para o passado pois os juizes ou jurados do tribunal decidem sobre actos que já decorreram. Por último, na oratória de exibição (ou epidíctica) é o presente que se assume como dimensão temporal, pois aí os ouvintes analisam e julgam a habilidade que o orador manifesta no preciso momento em que usa da palavra. Evidentemente que cada um destes três géneros de oratória tem também o seu específico objectivo: a oratória deliberativa procura obter uma certa utilidade ou proveito, a oratória forense visa a justiça e a oratória de exibição serve ao enaltecimento do orador, ainda que à custa do elogio de alguém. No que respeita aos meios de persuasão propriamente ditos, os exemplos são mais adequados à oratória deliberativa e os entimemas à oratória forense, ainda que ambos se utilizem numa e outra. Quanto ao encarecimento ou elogio, esse é mais frequente na oratória de exibição. (...)

22 julho 2003

Cor e luz

É azul (eléctrico).
Mas podia ser de uma outra cor qualquer.
Fosse qual fosse, iluminaria.
Fosse qual fosse, seria de ler.
Obrigatoriamente.
Tal a escrita.
E, sobretudo, tal o pensar.
O azul é do blogue.
Mas o pensamento,
é o de José Bragança de Miranda
"Link" permanente com ele... já.

A dita eloquência (7)

"A diferença entre a blogosfera e a vida é que as estratégias de poder são as mesmas, mas o espaço é gratuito".

José Bragança de Miranda, no seu post de hoje, em reflexos de azul electrico

A dita eloquência (6)

"O segredo de justiça tem mais buracos que um campo de golfe"

João Paulo Menezes
(Cit. in "Publico" de hoje)

Excertos de um livro não anunciado (18)

(...) Aristóteles concebe três géneros de oratória: a deliberativa, a forense e a de exibição *. A oratória deliberativa é a que tem lugar na assembleia e visa persuadir a que se adopte a política que o orador considera mais adequada. É a mais importante, a mais prestigiada, própria de homens públicos e aquela para a qual preferentemente se orientava o ensino de Isócrates e Aristóteles. A oratória forense, como o seu nome indica, é a utilizada perante os juízes ou jurados do tribunal, para os persuadir a pronunciarem-se a favor ou contra o acusado. Embora útil, não é muito valorizada. Finalmente, a oratória de exibição, também chamada de epidíctica, é a que tem lugar na praça ou outro local similar, perante o público em geral, que o orador procura impressionar exibindo os seus dotes de oratória, normalmente fazendo o elogio de alguém ou de algo, ainda que isso seja um mero pretexto para o orador brilhar.(...)


*Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 64

21 julho 2003

A dita eloquência (5)

A propósito dos blogues:

"A verdade é que, pela primeira vez, encontro um media onde posso opinar, polemizar, irritar-me, maravilhar-me. Sem que me mandem calar"

jmf, do Terras do Nunca, post de 18.07.2003

A dita eloquência (4)

"Ninguém pode ter opiniões interessantes e válidas sobre tudo"

Miguel Sousa Tavares, em entrevista ao Jornal de Notícias, hoje.

Excertos de um livro não anunciado (17)

(...) Por último, o logos, constituindo o discurso argumentativo é a parte mais importante da oratória, aquela a que se aplicam as principais regras e princípios da técnica retórica. E os recursos argumentativos são fundamentalmente dois: o entimema e o exemplo *. O entimema é o tipo de dedução próprio da oratória. Parece um silogismo mas não é, pois só do ponto de vista formal mantém semelhanças com o silogismo científico ou demonstração. A grande diferença reside nas suas premissas que, contrariamente ao que acontece no silogismo científico, não são nem necessárias, nem universais, nem verdadeiras. O entimema parte de premissas apenas verosímeis, que se verificam em muitos casos e são aceites pela maioria das pessoas, particularmente, pela maioria dos respectivos auditórios. Quanto ao exemplo, ele é o tipo de indução característico da oratória e consiste em citar oportunamente um caso particular, para persuadir o auditório de que assim é em geral. (...)

20 julho 2003

O grande Millôr Fernandes

No “Independente” deste fim de semana, João Pereira Coutinho põe Millôr Fernandes “Acima de cão” e explica porque o considera o maior humorista do mundo, um dos maiores escritores brasileiros de sempre: “Millôr estica. Corta. Deturpa. Modela. E no fim, em duas linhas plenas de elegância e delírio, Millôr resume cinco iluminismos, duas bibliotecas de Alexandria, a sabedoria de Montaigne, a elegância de Kraus, a violência de Mencken, o cinismo de Bierce – tudo temperado pela doce melancolia de Pixinguinha.”

Há, por certo, nesta descrição de João Pereira Coutinho, alguma retórica epidíctica. Mas o desmedido talento de Millôr Fernandes tudo parece consentir e merecer. Porque Millôr é, como se sabe, absolutamente único.

(Pode-se imaginar a honra que é, para mim, ter actualmente um livro meu publicado no Brasil pela editora que mais obras de Millôr Fernandes publicou: a Editorial Nórdica. Pena é que o talento não seja contagioso...)

Excertos de um livro não anunciado (16)

(...) Quanto ao pathos, tem de se reconhecer que a emoção que o orador consiga produzir nos seus ouvintes pode ser determinante na decisão de serem a favor ou contra a causa defendida. Se o orador suscita nos juizes sentimentos de alegria ou tristeza, amor ou ódio, compaixão ou irritação, estes poderão decidir num sentido ou no outro. Foi aliás este o ponto mais estudado nos anteriores tratadistas da retórica.(...)

19 julho 2003

A dita eloquência (3)

"...quem não é de esquerda aos dezoito não tem coração, quem ainda é de esquerda aos trinta não tem cabeça."

Professor de Coimbra hoje citado (mas não nomeado) pelo Neptuno, no MarSalgado

Errar é humano...

" A retórica e a oratória são hoje em dia consideradas artes menores"

Mota Amaral, Presidente da Assembleia da Republica, na entrevista de hoje ao Canal 2 da RTP, Programa "Parlamento", 14h15 (a propósito da actividade desenvolvida pelos senhores deputados)

Excertos de um livro não anunciado (15)

(...) Impõe-se, contudo, precisar um pouco melhor cada uma destas instâncias. Em primeiro lugar, o ethos. Sem dúvida que o carácter do orador é fundamental, pois uma pessoa í­ntegra ganha mais facilmente a confiança do auditório, despertando nele maior predisposição para ser persuadido. Mas trata-se aqui da impressão que o orador dá de si mesmo, mediante o seu discurso e não do seu carácter real ou a opinião que previamente sobre ele têm os ouvintes, pois estes dois últimos aspectos, não são técnicos. (...)

A dita eloquência (2)

"Eu levantei-me ligeiramente, porque tenho liberdade de movimentos, ao contrário de vós"

Bagão Félix, ministro da Segurança Social e do Trabalho, para Honório Novo, deputado do PCP, na Assembleia da Republica - segundo o "Independente" de ontem (p. 15)

18 julho 2003

Excertos de um livro não anunciado (14)

(...) A técnica retórica de Aristóteles consiste nos principais meios ou recursos persuasivos de que se vale o orador para convencer o auditório. Esses meios de persuasão podem classificar-se antes de mais em técnicos e não-técnicos. Os meios de persuasão não-técnicos são os que existem independentemente do orador: leis, tratados, testemunhos, documentos, etc. Os meios de persuasão técnicos são aqueles que o próprio orador inventa para incorporar a sua própria argumentação ou discurso e que se repartem por três grupos, tantos quantas as instâncias da relação retórica: ethos, carácter do orador; pathos, a emoção do auditório e logos, a argumentação. (...)

Mourinho joga de cabeça

Há muito que venho notando o importante papel que o treinador de futebol José Mourinho reserva à retórica quer no relacionamento com os jogadores e dirigentes do seu clube quer no contacto com os jornalistas. Ainda assim, confesso a minha surpresa ao saber que Mourinho, numa atitude que tudo leva a crer seja inédita no futebol português, acaba de enviar uma carta a cada jogador. Isso mesmo: uma carta. O ponto é que, neste caso, remetente e destinatário não estão separados nem pelo espaço nem pelo tempo. Antes se encontram diariamente no campo de treinos, onde o treinador não teria qualquer dificuldade em chamar os atletas um a um e comunicar-lhes a mesma mensagem, de olhos nos olhos. Mas Mourinho terá pretendido que a dita mensagem permaneça no tempo, pelo menos, por toda a época em curso e decidiu-se pela carta. Não se conhece exactamente o seu teor, mas seguramente que visa efeitos persuasivos ou retóricos. Simplesmente a retórica, como se sabe, obriga a uma prévia sintonia ou adaptação ao auditório (neste caso, aos atletas) sob pena do discurso, ainda que bem fundamentado, vir a revelar-se totalmente ineficaz. Terá Mourinho observado esta regra funfamental da retórica? Vejamos. A primeira reacção conhecida, vem hoje no Público e não é nada encorajante: "Ainda não li a carta toda; é muito grande." - desabafa o jogador Ricardo Carvalho. Uma interrogação fica, por isso, no ar: não estará Mourinho a insistir demais no jogo de cabeça?

17 julho 2003

Condomínio

Hoje tenho reunião de condomínio (2ª. sessão). Eu sei, o programa não é agradável. Mas é necessário já que a votação do Regulamento tem que representar, no mínimo, 2/3 do capital investido (dica para o Pedro Mexia, nas suas novas funções de Administrador de Condomínio). E depois, tem mais uma coisa. Não há nada como assistir a uma reunião de condomínio para perceber como vai a retórica em Portugal...

Excertos de um livro não anunciado (13)

(...) É certo que uma das maiores acusações que Platão fizera à retórica tinha sido a de que esta poderia trazer graves consequências quando alguém dela se servisse para fazer o mal, mas Aristóteles riposta categoricamente, lembrando que "se é certo que aquele que usa injustamente desta capacidade para expor razões poderia causar graves danos, não é menos certo que isso ocorre com todos os bens, à excepção da virtude, sobretudo com os mais úteis, como o vigor, a saúde, a riqueza ou a capacidade militar, pois com eles tanto pode obter-se os maiores benefícios, se usados com justiça, como os maiores custos, se injustamente utilizados”*(...)

* Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 51

16 julho 2003

Mãe: apareci no Blog dos Marretas...

Estou encantado com o acolhimento da Blogosfera. Hoje foi o Blogue dos Marretas - um blogue de referência - a tecer simpáticas palavras ao Retórica e Persuasão. Obrigado... pela martelada.

O “iluminismo” do sr. Bastonário - II

Os portugueses acham que os juízes merecem confiança e são competentes? - José Miguel Júdice aprova.

***

Os portugueses, na sua maioria dircordam de que os advogados “exercem a função de forma íntegra e honesta"? - José Miguel Júdice não aprova mas desculpa: “não estou de acordo, talvez porque conheço melhor os Advogados do que a generalidade dos Cidadãos”

***

Os portugueses acham que o sistema judicial funciona mal e não consideram que tenha melhorado ultimamente? – José Miguel Júdice, em "grande parte", aprova: “Se assim for, e em grande parte assim é...”

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O que é que Júdice não aprova nem tolera? Não tolera e acha até assustador e muito perigoso para o Estado de Direito que dos inquiridos na sondagem do Publico,


71% achem que se as leis não forem "justas e lógicas" não são para cumprir - Defenderia Júdice a aplicação de leis injustas e ilógicas?

84% achem que os "ricos e poderosos" são beneficiados pelos e nos tribunais (apesar do que pensam dos Juízes...) – Sugere Júdice uma relação de sinonímia entre os “tribunais” e “os Juizes”?

79% achem que quem abuse sexualmente de menores deve ter penas superiores ao máximo legal (entre os quais 53% querem pena de morte ou prisão perpétua!) e 81% também querem mais de 25 anos de prisão para homicídios. - Ainda se surpreenderá Júdice com estes testemunhos do actual clima de insegurança e impunidade em que vive o cidadão comum?

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O fundamental, porém, não é saber se as penas aqui preconizadas (ou outras medidas tributárias de alguma tecnicidade) são adequadas ou não, pois o cidadão vulgar não é perito em Direito. O que seria urgente descobrir é o que leva tanta gente, hoje em dia, a querer o drástico agravamento das actuais penas por crimes praticados sobre pessoas? Mas sobre isso, o sr. Bastonário, nada disse, no seu contundente artigo. Limita-se a afirmar que “estas respostas são realmente inconcebíveis” porque podem levar à lógica do “olho por olho”. Ora, com o devido respeito, não é isso que pode inferir-se de tais respostas. Porque nenhuma delas está a favor do “olho por olho”. Estão todas é, isso sim, contra a política de “fechar os olhos”. Não é pois de “um redobrado esforço iluminista que estamos precisados” - como sustenta o sr. Bastonário. Pelo contrário, em matéria de Justiça, tudo leva a crer que temos tido luz a mais e visão de menos. O que é preciso é atacar as causas da criminalidade e da insegurança em vez de se reduzir artificialmente ou fechar os olhos às suas graves consequências. Tudo isto, em nome de um príncípio muito simples: o criminoso não pode ser mais protegido do que a vítima.

Confira aqui o artigo Defesa do Iluminismo, de José Miguel Júdice, no Público de 11.07.2003

Excertos de um livro não anunciado (12)

(...) Ao assumir essa posição, Aristóteles vai afastar-se de toda a concepção negativista da retórica, reconhecendo-lhe finalmente a dignidade de fundamento e de uso que até aí tanto fora questionada, especialmente por Platão e seus seguidores. Agora a técnica retórica é considerada útil para todos os cidadãos e até para os filósofos, pois perante os auditórios populares que formam as assembleias e os tribunais, de nada servem as demonstrações puramente científicas, sendo imprescindível recorrer à retórica, para obter o entendimento e convencer os restantes co-participantes. De contrário, corre-se o risco de ser vencido e ver a verdade e a justiça escamoteadas. Definitivamente, o saber defender-se com a palavra, passou a ser uma parte essencial da educação e cultura geral grega. E Aristóteles explica porquê: "se é vergonhoso que alguém não possa servir-se de seu próprio corpo [para se defender], seria absurdo que não o fosse no que respeita à razão, que é mais própria do homem do que o uso do corpo” * . (...)

* Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 51

O “iluminismo” do sr. Bastonário - I

Há pouco mais de oito dias o Público divulgou os resultados de uma sondagem sobre o que pensam os portugueses quanto ao modo como funciona a justiça no nosso país. E a avaliar pelo silêncio crítico ou opinativo que se seguiu, ninguém terá ficado muito surpreendido ou indignado com a natureza das respostas obtidas. Ninguém, não. Minto. O sr. Bastonário da Ordem dos Advogados não gostou nada do que leu e, por isso, veio na passada sexta-feira, ao mesmo jornal, taxar de arcaismo regressivo o teor de tais respostas. Sinceramente: até eu, que a nenhum título participei nessa sondagem, me senti incomodado. É que se não me identifico com as elites a que o sr. Bastonário alude, só poderei rever-me, ao menos em parte, nas respostas que, imagine-se, foram dadas por mais de 70% dos inquiridos. Terá sido um mero abuso de linguagem ou uma expressão menos feliz? É provável que sim. Passemos à frente, então. Mas não sem antes reconhecer (ou lembrar?) que não é a especial formação jurídica, por mais brilhante que seja, que confere superioridade ética ou cognitiva seja a quem for.

Confira aqui o artigo Defesa do Iluminismo, de José Miguel Júdice, no Público de 11.07.2003

15 julho 2003

Excertos de um livro não anunciado (11)

(...) Aristóteles insurge-se contra os retóricos que o precederam, acusando-os de se terem contentado com o compilar de algumas receitas e um sem número de subterfúgios ou evasivas aplicáveis à oratória, que visam apenas a compaixão dos juízes. E isto, quando há outros tipos de oratória para além da forense, tornando-se necessário proceder à sua distinção. Além do mais, os especialistas da oratória tinham até ali passado ao lado do recurso técnico mais importante a que pode deitar mão o orador: a argumentação, em especial, o entimema. São essas lacunas que Aristóteles se propõe suprir. Haveria que estudar as razões porque os oradores que pronunciam os seus discursos, umas vezes têm êxito e outras não. Sistematizar e explicitar essas razões é a grande tarefa da técnica, no caso, da técnica retórica.(...)

14 julho 2003

Hummmm... poderia repetir?

"Nós somos todos clonados uns dos outros"

"Nòs somos todos iguais, o termo de comparação é que pode ser diferente"

"enquanto houver chineses a clonagem não tem interesse! Eles são tantos!"


*Prof. Pinto da Costa, Especialista de Medicina Legal- Notícias Magazine - 13.07.2003


A dita eloquência (1)

“O melhor político é o que sabe fazer e o que sabe dizer o que é feito ou o que deve ser feito”

*Duarte Lima - Expresso - 12.07.2003

Excertos de um livro não anunciado (10)

(...) Isócrates, por certo, não comungava de tão exaltado moralismo, pois a sua retórica estava orientada basicamente para a defesa de qualquer postura, para ganhar os pleitos, para persuadir a assembleia. Foi, porém, o mais moralista e comedido de todos os retóricos, em grande parte, devido às suas reais preocupações políticas, mas também por estar convencido que o virtuoso acaba sempre por ter mais êxito do que o depravado. Por isso se insurgia, tal como Platão, contra os sofistas mais cínicos e amorais. Compreende-se assim que Platão, com o decorrer dos tempos, tenha temperado a veemência das suas iniciais críticas à retórica, chegando mesmo a elogiar Isócrates, embora sem reconhecer à oratória outro mérito que não fosse o meramente literário. Na sua obra Fedro viria inclusivamente a admitir a possibilidade de uma retórica distinta, verdadeira e boa, que se confundiria quase com a filosofia platónica. (...)

13 julho 2003

O Retórica e Persuasão também no Socio[B]logue

Pacheco Pereira afirma hoje, no seu Abrupto, que saudou o Socio[B]logue desde o início. Atraído por essa referência tão positiva, fui lá espreitar e não me arrependi (por muito que os meus amigos logico-filosóficos insistam que o argumento da autoridade é uma falácia, ainda funciona... ). Efeito imediato: o Socio[B]logue entrou para o meu roteiro diário. Surpresa muito agradável, confesso, foi também a de ver que o Retórica e Persuasão já faz parte dos seus links permanentes. Obrigado, João Nogueira.

A filosofia como lugar crítico da razão

Quero sublinhar aqui o contributo que vem sendo dado pelo filósofo Desidério Murcho para a renovação da prática filosófica no nosso país. Além de ter partilhado com João Branquinho a autoria da Enciclopédia de Termos Lógicos-Filosóficos (Gradiva, 2001), é o fundador da Crítica, a maior publicação portuguesa de filosofia na internet, e do “Argumentos”, grupo de discussão científica que veio dar nova vida ao pensamento filosófico de expressão portuguesa. Membro da Sociedade Portuguesa de Filosofia, membro-fundador do Centro para o Ensino da Filosofia e actualmente bolseiro no King’s College de Londres, onde prepara o seu doutoramento, Desidério Murcho publicou ainda muito recentemente o Essencialismo Naturalizado, (Angelus Novus, 2002) e O Lugar da Lógica na Filosofia, (Plátano, 2003). Surge-nos agora como organizador e um dos autores deste Para renovar o ensino de Filosofia na escola (Gradiva, 2003) onde justificadamente se propõe uma nova via programática. Um livro que não pode deixar de ser lido, porque, como Desidério bem lembra, a filosofia é o lugar crítico da razão.

Excertos de um livro não anunciado (9)

(...) Contra essa concepção se pronunciou Platão por achar que o ensino de Isócrates, para além de frívolo e superficial, era dirigido unicamente ao êxito social, ficando à margem de todo o questionamento filosófico ou científico sobre a natureza da realidade. (...) No seu diálogo Górgias, podemos ver como ele confronta a retórica e a filosofia, defendendo claramente uma espécie de tecnocracia moral, em que os verdadeiros especialistas (os filósofos) conduzam os cidadãos àquilo que é o seu interesse, isto é, a serem cada vez melhores. Condena a democracia onde os políticos oradores bajulam o povo e seguem servilmente os seus caprichos, o que só pode tornar os cidadãos cada vez piores. E esgrime os seus contundentes argumentos contra a retórica, negando-lhe o carácter de uma verdadeira técnica, por não se basear em conhecimento algum. Para ele, a retórica não passa de uma mera rotina concebida para agradar ou adular. É apenas um artifício de persuasão. Não da persuasão do bom ou do verdadeiro, mas sim da persuasão de qualquer coisa. Lembra que é graças à retórica que o injusto se livra do castigo, quando segundo ele, valeria mais ser castigado, pois a injustiça é o maior mal da alma. Platão conclui que a retórica não tem mesmo qualquer utilidade a não ser que se recorra a ela justamente para o contrário: para que o faltoso ou delinquente seja o primeiro acusador de si mesmo e de seus familiares, servindo-se da retórica para esse fim, para tornar patentes os seus delitos e se livrar desse modo do maior dos males, a injustiça. (...)

12 julho 2003

De blogue para blogue: obrigado ao "VISÕES" e ao "SEBENTA"

Só hoje reparei que o Retórica e Persuasão, apesar de neófito, já pode ser lido também a partir dos blogues SEBENTA e VISÕES onde passou a dispor de um "link" permanente. Agradeço a gentileza. Sinceramente, gostei da visita que fiz a ambos. Voltarei.

Quem fala assim não é gago

Esclarecendo aos microfones da TSF as suas declarações no Expresso de hoje, Filipe de Menezes recorre a uma conhecida técnica de argumentação, a hierarquia das probabilidades, para tornar público que o seu futuro político passa por quatro hipóteses:

. 1 - A maior probabilidade é abandonar a política activa, daqui a dois anos
. 2 - Mas se alguns cenários se alterarem pode mudar de ideias
. 3 - Se mudar de ideias a maior probabilidade é recandidatar-se à Câmara de Gaia
. 4 - É pouco provável candidatar-se à Câmara do Porto, mas não é impossível

Disse tudo? Disse nada? Só mais tarde se saberá. Uma coisa parece certa: disse tudo o que, por agora, pretendia dizer. Com a certeza de que nenhum adversário político (fora e dentro do seu partido) lhe poderá ficar indiferente. Começou a corrida...

Excertos de um livro não anunciado (8)

(...) Quando Aristóteles chegou a Atenas, Isócrates era o mais famoso e influente Mestre de retórica e possuía uma escola mais bem sucedida que a Academia de Platão, com a qual de resto rivalizava, na formação dos futuros homens políticos da cidade. Logo por altura da fundação da sua escola, Isócrates escreveu uma obra com o muito elucidativo título de Contra os sofistas, na qual acusava estes últimos de perderem o seu tempo e fazerem perder o dos demais com subtilezas intelectuais sem qualquer relevância para a vida, para a política ou para a acção. Igualmente condenava os retóricos formalistas por inculcarem nos seus alunos a falsa ideia de que a aplicação mecânica de um receituário de regras ou truques pode levar ao êxito. Demarcando-se do que até aí tinha sido a orientação dominante dos grandes mestres da retórica, Isócrates proclama a necessidade de uma formação integral, que partindo de um carácter adequado, inclua o estudo tanto da temática política como da técnica retórica em toda a sua dimensão. Só assim se poderia formar cidadãos virtuosos e preparados para o êxito político e social. Assinale-se que era a esta formação integral, onde a retórica assumia um papel de relevo, que Isócrates chamava de Filosofia. Os demais filósofos, incluindo Platão, não passariam de sofistas pouco sérios. (...)

11 julho 2003

Os perigosos semáforos

Foi ontem na Av. da República, a avenida principal de V. N. Gaia. Em plena luz do dia (12h30), uma mulher de 37 anos parou o automóvel nos semáforos, mesmo em frente ao conhecido Restaurante Carpa. De imediato dois indivíduos entraram-lhe pelo carro dentro e obrigaram-na a seguir para Canelas. Apesar de ter acatado todas as instruções, os assaltantes - "dois rapazes novos e com luvas brancas" - roubaram-lhe 1000 euros em dinheiro e com uma violência pouco habitual neste tipo de crime, vibraram-lhe 22 facadas! Em seguida abandonaram a ví­tima à sua sorte e puseram-se em fuga no próprio carro. A notícia vem aqui, no Jornal de Notícias de hoje.

Imagino que para os mais altos responsáveis pela segurança do nosso paí­s, este tenha sido apenas mais um crime. E é isso que acho grave: a rotina, a banalização, o conformismo de um sucessivo encolher-de-ombros. Porque é bom de ver que não há maior ofensa do que atentar contra a vida ou integridade fí­sica de alguém. Como é então possível defender que a vida não tem preço e, ao mesmo tempo, assistir impassí­vel (ou quase) ao infortunado desbaratamento dessa suprema riqueza? É claro que a retórica da segurança irá continuar porque, mais do que combater o flagelo, à  política de curto-prazo (a dos votos...) interessa isso sim evitar a todo o custo o empolamento ou alarme junto dos cidadãos. Nem me surpreende, pois, que, nos últimos tempos, tenha sido posta a circular a ideia de que temos polícias a mais. Digam lá... não é tão persuasiva esta ideia? Polícias a mais?... esta é boa. Será por isso que andam pelas ruas aos pares?

A dança do sexo

"As danças são, é sabido, antecâmas do sexo, e quem gosta muito de dançar gosta em geral muito de sexar"

*Pedro Mexia post de 11.07.2003


Ó diabo... esta afirmação do Pedro Mexia pode ser muito persuasiva, mas não deixa de ser preocupante. É que que já gostei mais de dançar do que gosto actualmente...

Excertos de um livro não anunciado (7)

(...) Aristóteles estudou os tratados de retórica deixados por Górgias e seus seguidores, chegando mesmo a resumi-los numa só obra em que procedeu à compilação das técnicas retóricas. Considerou, porém, tais tratados pouco satisfatórios, por não irem além do recurso aos truques legais e às maneiras mais absurdas de suscitar a compaixão dos jurados. Faltava uma apresentação séria e mais abrangente das regras e dos métodos da retórica, especialmente, os mais técnicos e eficazes, aqueles que se baseiam na argumentação. (...)

10 julho 2003

Berlusconi ví­tima de um ataque cibernético

É quase anedótico mas a verdade é que alguém se esqueceu de confirmar a aquisição do domí­nio "www.eu2003.it" que já se encontrava reservado para a presidência italiana à União Europeia há cerca de ano e meio. Resultado: no passado dia 2, um estudante belga de 23 anos antecipou-se na compra desse mesmo domí­nio e colocou lá um site provocador intitulado: Um ponto de vista independente sobre a presidencia italiana. E foi tal o sucesso que, no dia seguinte já registava mais de 15.000 "page views"! Silvio Berlusconi, esse viu-se obrigado a alojar o seu site presidencial num endereço um pouco mais difícil de memorizar: www.ueitalia2003.it/ITA/ . Resta saber qual dos dois se mostrará mais persuasivo...

->>> Confira a notícia no Le Monde

A retórica vazia

Um exemplo de retórica vazia (ou de falar sem nada dizer...):

---- > "A sua chamada será atendida logo que possível..."

---- > "A sua chamada será atendida logo que possível..."

---- > "A sua chamada será atendida logo que possível..."


(Atendedor de chamadas dos Serviços da Telepac-ADSL - 14h32)

Será que esta mensagem tranquiliza ou satisfaz alguém? Eu desliguei.

Excertos de um livro não anunciado (6)

(...) O verdadeiro fundador da técnica retórica, porém, foi um outro siciliano, Górgias Leontinos que surgiu em Atenas, no ano de 427 a. C., como embaixador da sua cidade natal e desde logo causou a maior sensação, devido aos brilhantes e floreados discursos com que se dirigia aos Atenienses, a solicitar a sua ajuda. Muitos deles, fascinados pela sua oratória, tornaram-se seus discípulos, fazendo de Górgias o primeiro professor de retórica de que há conhecimento. Para Górgias, a oratória deveria excitar o auditório até o deixar completamente persuadido. Não lhe interessava uma eventual verdade objectiva, mas tão somente o convencimento dos ouvintes. Para o efeito, o orador deveria ter em conta a oportunidade do lugar e do momento, para além de saber adaptar-se ao carácter dos que o escutassem. Mas sobretudo, teria de usar uma linguagem brilhante e poética, cheia de efeitos, figuras e ritmos. Ele foi, pode dizer-se, o introdutor de uma oratória de exibição ou de aparato, sem obediência a qualquer finalidade política ou forense e orientada fundamentalmente para fazer realçar o próprio orador. Neste aspecto, em nada se afastava de muitos outros sofistas do seu tempo.(...)

09 julho 2003

Adeus acentos...

Ufa! Estou farto de corrigir os acentos no título. A partir de hoje e enquanto o Blogger não resolver o problema da desconfiguração dos caracteres acentuados, este blogue chamar-se-á... Retorica e Persuasao. Que lindo...

Eduardo Prado Coelho e os blogues

Na sua coluna "Fio do Horizonte", no Público de hoje, Eduardo Prado Coelho anuncia (creio que pela primeira vez) o seu posicionamento face aos blogues:

"Segundo um determinado jornal, eu estaria entre os suspeitos de poderem ser os autores de um famoso blogue. Vasco Graça Moura já veio desmentir em verso que o culpado seja ele. Pela minha parte, resta-me a prosa: jamais me passaria pela cabeça ter um blogue (...). O meu blogue tem sido esta crónica, onde falo de quase tudo, de um modo explícito ou algo encoberto. Às vezes no estilo do queixume, outras no da confidência. Mas partilho experiências, leituras, encontros, indignações, espantos."


Três comentários:

1. Vários nomes foram já associados a uma possível autoria do tal "famoso blogue" e várias são também as personalidades do mundo político-cultural que entretanto vieram a terreiro público desmentir qualquer ligação pessoal ao dito. Mas o que acho deveras interessante é que, tanto quanto sei, para refutar tal autoria, nenhuma dessas personalidades apresentou como principal justificação, por exemplo, que nunca seria capaz de produzir conteúdos semelhantes aos que são habitualmente publicados em tal blogue. A ver se nos entendemos...

2. Ao afirmar que jamais lhe passaria pela cabeça ter um blogue, E.P.C. lança a maior dúvida sobre a credibiidade do anúncio ao novo Causa Nossa , no qual surge como um dos seus futuros participantes. A conferir...

3. Finalmente, se E.P.C. diz "o meu blogue tem sido esta crónica, onde falo de quase tudo, de um modo explícito ou algo encoberto. Às vezes no estilo do queixume, outras no da confidência. Mas partilho experiências, leituras, encontros, indignações, espantos." então as motivações do autor de um blogue não têm que ser muito diferentes das razões que levam alguém a escrever nos "media" tradicionais. Nesse sentido, como sugeri no meu post anterior, a especificidade dos blogues residirá, muito provavelmente, na novidade e no valor acrescentado que vieram trazer ao mundo da edição-publicação. O resto, é euforia...

A função dos blogues, segundo Pedro Lomba

"(...) a função dos blogues é pôr-nos a escrever e a alimentar um diário público (como é evidente, muitos de nós não escreveríamos não soubéssemos que estamos a ser lidos e, por isso e só por isso, creio que os blogues não-individuais, ligados a projectos científicos, de investigação não são verdadeiros blogues)"

*Pedro Lomba - post de 08.07.2003

Para ser franco, não vejo os blogues com uma função, uma única função, que nos permita afirmar "a função dos blogues é" (seja lá o que for...). Pelo contrário, encaro o blogue mais como uma ferramenta multi-funcional, cuja configuração, uso e objectivo muito dependem do respectivo autor-editor. Como se sabe, um blogue não tem que assumir a forma de um diário. A sua edição pode ser semanal, mensal ou de qualquer outra periocidade ou ficar até ao sabor da maré, conforme haja ou não assunto que justifique mais um "post". Pode também servir tanto para a mera exposição pública de vaidades pessoais como para garantir aos membros de um equipa de investigadores um poderoso meio de intercomunicação e discussão cientí­fica. Não cabe aqui discriminar o leque de actividades ou usos possí­veis de um blogue, mas certamente que o debate polí­tico, a crítica literária e cultural, a notícia, a opinião ou comentário, a poesia e o humor, nele têm também o seu lugar. Talvez que, por isso, a caracterização dos blogues deva fazer-se mais ao ní­vel das suas novas potencialidades técnicas e vivenciais e não tanto no plano das satisfações subjectivas que proporcionam (o gostarmos de ser lidos, por exemplo) ou intenção com que foram criados.

Excertos de um livro não anunciado (5)

(...) Nem toda a gente porém era capaz de falar em público com brilho e eficácia. Os menos hábeis na oratória tinham de pedir a ajuda dos mais preparados. Daí ao florescimento de uma classe profissional de especialistas na arte de bem falar e escrever, foi um passo. Esses especialistas, ora transmitiam ensinamentos de retórica, ora representavam pessoalmente os seus clientes nos pleitos ou cediam-lhes discursos já feitos que aqueles pronunciariam como se fossem escritos por eles próprios. Com o passar do tempo a experiência oratória foi sendo reunida em máximas e preceitos tendentes à obtenção do êxito no tribunal ou na assembleia. A oratória tornava-se desse modo uma técnica e por meados do séc. V a. C. surgiam na Sicília os primeiros tratados de retórica, atribuídos a Kórax e Tísias, embora confinados praticamente à oratória forense e dando especial relevo aos truques a que o advogado poderia recorrer para vencer em juízo. (...)

08 julho 2003

O erro de José Rodrigues dos Santos

Quer ler uma severa crítica ao primado da subjectividade defendido pelo jornalista doutorado José Rodrigues dos Santos, no seu recente livro "A Verdade da Guerra"? Veja aqui . A crítica aparece no artigo denominado "O Estatuto da Subjectividade no Campo Jornalístico", * a partir da página 4.

* Comunicação apresentada no I Congresso Luso-Brasileiro de Estudos Jornalísticos, em Abril 2003, na Universidade Fernando Pessoa-Porto

Excertos de um livro não anunciado (4)

(...) Desde sempre os gregos foram inveterados amantes da palavra, apreciando a eloquência natural mais do que qualquer outro povo antigo. A comprová-lo estão os brilhantes discursos que enchem as páginas da Ilíada e as fervorosas palavras que os comandantes militares dirigiam às suas tropas antes de entrar em combate. (...) Mas foi com o advento da democracia que esse interesse pela eloquência e oratória cresceu de uma maneira explosiva. Compreende-se porquê: o povo - onde não se incluíam, nem as mulheres, nem os escravos, nem os forasteiros - passou a poder reunir-se em assembleia geral para tratar e decidir de todo o tipo de questões. (...) Tratava-se de reuniões públicas e livres, pois todos os cidadãos podiam assistir, participar e votar. Logicamente, os que melhor falavam eram também os mais influentes pelo que, quem aspirasse a ter alguma influência nessas assembleias, forçosamente teria de possuir assinaláveis dotes oratórios. Além do mais, os conflitos entre cidadãos dirimiam-se perante tribunais constituídos por jurados eleitos por sorteio. Aquele que com suas palavras persuasivas lograsse prender a atenção dos jurados e convencê-los da sua posição, sairia vencedor do pleito. A oratória passou assim a ser fundamental, já não apenas para aqueles que aspiravam à política - que era a ambição ou carreira mais normal para os cidadãos livres daquele tempo - mas também para os cidadãos em geral que, dedicados aos seus negócios e ocupações agrícolas ou artesanais, com alguma frequência se viam envoltos em acusações e julgamentos no âmbito de infracções ou delitos, contratos, impostos, etc. (...)

07 julho 2003

Actualidade em Jornalismo e Comunicação

É incontestável o interesse e a actualidade do Jornalismo e Comunicação. Destaque especial para os qualificados “posts” do investigador Manuel Pinto. A partir de hoje pode consultá-lo também a partir dos “Blogs que eu leio”.

Excertos de um livro não anunciado (3)

(...) Como objectivo geral deste trabalho, propusemo-nos investigar os diferentes modos pelos quais a persuasão se manifesta no processo comunicacional, quais as estratégias, técnicas e procedimentos mais adequados a uma comunicação influente (ou deliberada) e até que ponto, a retórica - enquanto instrumento de persuasão crítica - pode favorecer a afirmação das subjectividades numa sociedade pluralista. A hipótese de que partimos e que intentamos confirmar neste nosso estudo, é a de que a persuasão, ao promover o confronto de opiniões e a afirmação de subjectividades, potencia o exercício da própria cidadania. Para a sua formulação muito pesou a constatação de que nos diferentes planos do nosso quotidiano, são numerosas as situações de comunicação que têm como objectivo conseguir que uma pessoa, um auditório ou um público, adoptem um certo comportamento ou partilhem determinada opinião. E estando a persuasão assim tão estreitamente ligada ao acto de convencer, ocorria perguntar: não poderá ela funcionar como alternativa ao sempre possível uso do poder ou até da violência física, para se conseguir de outrem um comportamento por si inicialmente não desejado? Será que ao traduzir-se pela renúncia ao uso da força, a persuasão retórica pode contribuir decisivamente para assegurar uma ligação social partilhada em vez de autoritariamente imposta? Foi com a expectativa de poder vir a responder a este conjunto de questões que iniciamos a nossa pesquisa e reflexão. (...)

06 julho 2003

Não há boa retórica sem razões (justificação)

“O senhor sabe melhor que ninguém que quando finalmente não houver segredo de justiça no processo da Casa Pia também não haverá Ferro Rodrigues no Largo do Rato”

Inês Serra Lopes-Independente-04.07.2003


Note-se o clima de suspeita que esta afirmação de Inês Serra Lopes pode criar. Não tanto pela hipótese de Ferro Rodrigues vir a deixar a liderança do PS mas, principalmente, pela interrogação que deixa no ar quanto aos eventuais motivos dessa saída. Porque se Inês Serra Lopes “sabe” que Ferro Rodrigues “sabe” (que deixará de ser líder do PS quando não houver segredo de justiça no processo Casa Pia), é porque não está a dar apenas mais um palpite. Logo, já conhece os motivos ou razões que levarão ao afastamento de Ferro Rodrigues. Sobre isso, porém, nada diz. Não sei se o seu silêncio se fica a dever ao dito segredo de justiça. Sei, no entanto, que, nos tempos que correm, é talvez menos ofensivo publicitar a conduta incriminatória com todo o pormenor do que dela nada dizer mas associá-la ao processo da Casa Pia. Eis porque entendo que se Inês Serra Lopes não queria ou não podia, desde logo, justificar a acusação que acabou por fazer... melhor seria que tivesse ficado calada.

Excertos de um livro não anunciado (2)

(...) Mas se, desde Aristóteles, a retórica tem por objectivo produzir em alguém uma crença firme que leve à anuência da vontade e correspondente acção, então, no âmbito deste estudo, fará todo o sentido admitir uma aproximação conceptual entre a retórica e a persuasão. Aliás, num momento em que a evolução histórica da retórica vem sendo analisada em função de três importantes períodos, cronologicamente denominados de Retórica Antiga, Retórica Clássica e Nova Retórica, deve notar-se que, em qualquer delas, foi a persuasão que permaneceu como seu principal elemento distintivo, independentemente das particulares técnicas e procedimentos discursivos nelas utilizados. Podemos por isso considerar a retórica como o principal instrumento de comunicação persuasiva, tanto mais que tendo surgido na antiguidade como técnica de persuasão, é ainda dessa forma que continua a ser encarada por Perelman e pela generalidade dos autores contemporâneos. A retórica parece, pois, estar para o acto de comunicar assim como a persuasão está para o efeito da comunicação. (...)

05 julho 2003

Consagração: os blogs chegam à Assembleia da República

Na sequência de uma proposta elaborada em conjunto pelos deputados Marques Guedes (PSD) e José Magalhães (PS), "a partir da próxima legislatura os deputados parlamentares podem usufruir da possibilidade de criar blogues numa área reservada para esse mesmo efeito instalada no servidor da AR". A ideia é a que o blogue, para além da função que irá desempenhar no tratamento da informação relativa ao exercício de cada mandato, venha também permitir ao deputado uma mais fácil interacção com os respectivos eleitores. Parece-me bem. O que me deixou curioso foi saber que o deputado José Magalhães prevê a elaboração de um Livro de Estilo para os blogues, de forma a ditar "regras sobre os níveis de interacção". Vale a pena esperar para ver. (A notícia é do Público OnLine de hoje e está aqui mas tomei conhecimento dela, em primeira mão, pela Sara Moutinho, no Jornalismo e Comunicação)

Excertos de um livro não anunciado (1)

O estudo da persuasão pressupõe uma viagem pelos territórios teóricos que a sustentam: a retórica, a argumentação e a sedução. A retórica, porque originariamente concebida como a faculdade de considerar para cada caso o que pode ser mais convincente (1); a argumentação, na medida em que visa provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se apresentam ao seu assentimento (2) e, finalmente, a sedução, porque a resposta do auditório pode também nascer dos efeitos de estilo, que produzem sentimentos de prazer ou de adesão (3). É este contexto teórico de solidária vizinhança e interdependência funcional que Roland Barthes alarga ainda mais quando propõe que a retórica deve ser sempre lida no jogo estrutural das suas vizinhas (Gramática, Lógica, Poética, Filosofia). O mesmo se diga de Chaim Perelman ao defender que, para bem situar e definir a retórica, é igualmente necessário precisar as suas relações com a Dialéctica (4). Já se antevê por isso a extrema dificuldade que aguarda quem ouse meter ombros a uma rigorosa delimitação de fronteiras entre os diferentes domínios teóricos presentes num processo de comunicação persuasiva. Mas se, desde Aristóteles, a retórica tem por objectivo produzir em alguém uma crença firme que leve à anuência da vontade e correspondente acção, então, no âmbito deste estudo, fará todo o sentido admitir uma aproximação conceptual entre a retórica e a persuasão. (...)

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(1) Aristóteles, Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 52
(2) Perelman, C., O Império Retórico, Porto: Edições ASA, 1993, p. 29
(3) Meyer, M., Questões de Retórica: Linguagem, Razão e Sedução, Lisboa: Edições 70, 1998, p. 20
(4) Cit. in Perelman, C., O Império Retórico, Porto: Edições ASA, 1993, p. 21

04 julho 2003

Se a agressividade é uma forma de respeito eu vou ali e já venho...

A agressividade pode aparecer associada à timidez, ser até uma sua consequência, um explodir de emoções e sentimentos que, por esta ou aquela razão, não foi possível manifestar na altura certa. Mas não é a única maneira de desabafar, de libertar pensamentos, afectos ou energias recalcadas. Se excluirmos os estados de consciência alterada (patológicos ou não...) pode dizer-ser que a agressividade é racionalmente controlável e o seu controlo pertence à esfera da vontade de cada sujeito. Tímido ou não. Logo, é passível de censura. Por isso, se Pedro Lomba considera que a agressividade é uma forma de respeito... eu vou ali e já venho. Para ironia não esteve nada mal...

03 julho 2003

"...a agressividade é, quase sempre, uma forma de timidez, uma forma de respeito" (Pedro Lomba)

Pedro Lomba, do blog Flor de Obsessão, revelou ontem como costuma enfrentar os mais agressivos mails que recebe: responde com delicadeza, agradece o tempo que lhe dedicaram e rebate as críticas. Resultado: o "agressor" manda-lhe um novo mail mas já sem qualquer azedume, de tal modo que nem parece tratar-se do mesmo remetente. É de enaltecer tal método que, independentemente de ser mais ou menos eficaz, traduz o carácter civilizado, cordial e paciente de quem o usa. Bom exemplo para quem teima em não fazer do seu blog uma tribuna de má criação e de gratuitas ofensas pessoais. Só uma coisa me deixou cá a magicar. Refiro-me à conclusão a que o Pedro Lombra chegou, ou seja, a de que "... a agressividade é, quase sempre, uma forma de timidez, uma forma de respeito". Não...não...e não. A minha primeira reacção é esta: não, isso não pode ser verdade. Tentarei mais tarde dizer porquê já que agora tenho mesmo que sair para mais uma Assembleia de Condomínio. Diversão que não recomendo a ninguém...

Menção & Agradecimento

Agradeço a menção feita a este blog pelo investigador Manuel Pinto, no prestigiado "Jornalismo e Comunicação"

02 julho 2003

O que é a falta de seriedade polí­tica?

Com isto é que eu embirro. Acabo de ouvir, na TSF, o deputado Jorge Lacão acusar o actual Governo de falta de seriedade política (a propósito da elevação a concelho de umas localidades e não de outras). E não pude deixar de lembrar tantas outras ocasiões em que já li ou ouvi a mesma retoriquice por parte de muitos outros protagonistas políticos da nossa praça, sejam eles da Oposição ou do Governo. Parece que virou moda: por dá cá aquela palha, no Parlamento ou fora dele - e com uma frequência que começa a ser preocupante - os deputados (ou alguns deputados) viram as costas aos argumentos e preferem acusar os seus interlocutores de desonestidade política. Repare-se que não se trata de uma verdadeira acusação pública de desonestidade. Nem pensar. Com o uso de tal expressão - defender-se-á o acusador - pretende-se tão somente exprimir a ideia de que o destinatário desse rótulo ou não cumpre o que prometeu, ou não é coerente com as convicções que publicamente defende ou não interpreta correctamente os anseios do povo, ou...ou...ou... qualquer outra coisa, que no fundo, se situará sempre no restrito âmbito da competência ou performance política e nunca na esfera da ética ou da moral. Ou seja, no vale-tudo em que está a transformar-se o combate políco-partidário no nosso país, recorre-se à acusação de desonestidade política para desse modo achincalhar o interlocutor e ferir a sua dignidade pessoal sem ter que prestar contas por tal ofensa. Porque, diga-se o que se disser, a qualificação da desonestidade como (apenas) política será sempre um mero artifício para fugir às responsabilidades do insulto, sem perder o impacto e a força persuasiva do mesmo. O resto é poeira para os nossos olhos. É que não há desonestidade política. Há apenas... desonestidade. A política não é uma gaveta à parte no armário da vida. Nenhum homem é um, fora da política, e outro, quando a ela recorre ou nela se envolve. E isto porque a atitude moral é uma das atitudes mais estáveis no ser humano. Nem surge de repente, como que por insight, nem se dá bem com sucessivas oscilações: constrói-se paulatina e duradouramente na convivência social, no reconhecimento do outro e ao situar-se na esfera do íntimo, constitui porventura o principal traço da nossa identidade. É neste quadro de permanência que podemos buscar o suporte e a ligação possível entre os actos e a pessoa que os pratica(*) . Que não haja, portanto, ilusões neste domínio: um sujeito que é desonesto na política é porque já o era antes, fora dela. Logo, a desonestidade política poderia ser tudo. Mas bem vistas as coisas e atento o seu uso corrente por parte de alguns dos nossos políticos, não é nada, afinal. Apenas mais uma retoriquice...

* Sousa, A., (2001), A Persuasão, Covilhã: Editora Universidade da Beira Interior

01 julho 2003

A retórica negra da "confiança política"

Ficou claro no meu post de anteontem (e se não ficou deveria ter ficado) que não concordo com o facto da chamada confiança política servir de critério e e de único fundamento para os sucessivos governos demitirem e nomearem uns tantos (no caso, uns muitos...) altos funcionários da administração. Porque está-se mesmo a ver que esta alegada confiança política cheira a esturro. Do que se trata, regra geral é de preferir a carneirice - desculpas pelo termo - o yes man ou, de modo mais abrangente, o seguidismo ideológico-partidário em desfavor das verdadeiras qualidades de carácter, de competência e desempenho profissional. Estas sim, deveriam presidir à escolha de quem tem por missão pôr em prática as medidas e orientações políticas deliberadas pelo Governo. O que, por norma, não acontece, como já ficou dito. Lamentavelmente. Está na hora, portanto, de manter a confiança pessoal e institucional como valor funfamental no relacionamento Governo-administração, mas de uma confiança que tenha a ver com o carácter e as qualidades pessoais e não com a antecipada submissão ao credo político de quem detenha o poder. Porque isso da confiança política, em boa verdade, não passa de uma subtil manifestação daquilo a que Barthes e Meyer chamam de retórica negra .

O gato comeu...

Não foi o gato. Foi o editor do Blogger. Escrevi, escrevi, escrevi... e no final, quando pretendi "postar" ... o texto foi-se. Uffff! Vou tentar de novo amanhã...