31 maio 2007

Música & C.ª na Praça dos Poveiros

José Neves, o conhecido homem da rádio e da produção de espectáculos, abriu hoje ao público o Café-Concerto Música & C.ª, no n.º 72 da invicta Praça dos Poveiros, que se manterá diariamente aberto até às 2 horas. Trata-se de um novo espaço de cultura e lazer muito bem localizado, composto por três pisos e servido por dois parques de estacionamento mesmo à porta.


Nele se poderá tomar uma bebida no rés-do-chão, assistir à animação musical do dia (música de piano, fado, jazz, etc.) na sala de concertos do 1.º andar ou deambular pela exposição de pintura no 2.º.


Hoje actuou o fadista António Pinto Basto que recebeu os aplausos de uma casa cheia. Mas pelo que conheço de José Neves, foi só o começo. Por certo que teremos pela frente uma programação bem cuidada e um lugar de encontro a que apetecerá voltar. Eu volto. Quanto mais não seja para pôr a retórica à conversa.

Quem gosta que lhe lembre as suas dívidas?

"Transforme todos os seus créditos num único" (e poupe não sei quanto) - vejo a Júlia Pinheiro recomendar neste anúncio da televisão. E penso como seria bem mais apropriado que ela dissesse "transforme todos os seus *débitos* num único" pois os créditos esses são, mais exactamente, dos bancos. Mas é natural que a Júlia (e os publicitários) tenham razão: quem gosta que lhe lembre as suas dívidas?

30 maio 2007

Ao que chega o amor de pai

Belmiro de Azevedo insiste e volta a insistir que a escolha do filho para lhe suceder na liderança do Grupo So­nae nada teve a ver com uma questão de linhagem ou de san­gue e que o processo de sucessão foi "transparente e pací­fico" para os quatro candidatos ao lugar: Ângelo Paupério, Álvaro Portela, Nuno Jordão e Paulo Azevedo.

Desta vez desvenda-nos o modelo que seguiu no processo de sucessão o qual terá passado por colocar três questões aos qua­tro candidatos:

1) se queriam e podiam ser o nú­mero um (os quatro responde­ram afirmativamente)

2) se no caso de não serem escolhidos aceitariam um dos quatro indigitados (todos concordaram)

3) "Se não for você quem é que escolhe?" (E o resul­tado levou à escolha de Paulo Azevedo)

(Via Expresso, 26 Maio 2007)


Que o modelo é engenhoso, é. E poderia até ser uma prova da "lealdade e transparência" da própria escolha se os quatro candidatos se encontrassem, à partida, nas mesmas condições. Mas não foi o caso. Por razões acima de óbvias, o filho do patrão não é, nem pode ser, um igual entre iguais, ainda que como tal se procure comportar. Aparentemente, só Belmiro de Azevedo não percebeu que o seu modelo estava inquinado. Daí o murmúrio: ao que chega o amor de pai.

§ - Se Belmiro de Azevedo continuar a "martelar-nos" com a ideia de que o filho foi escolhido apenas por mérito, ainda vai deixar a impressão de que, afinal, não há qualquer evidência disso.

26 maio 2007

A Ota, a política e o conhecimento

Há um poder instituído nesta democracia partidária que está a deformar a cabeça das pessoas, fazendo-as acreditar que, ao serem eleitas, têm capacidade para decidir tudo. Efectivamente, foram legitimadas para decidir, mas têm de o fazer com base num conhecimento.

João Afonso
Secretário do Conselho Directivo Nacional da Ordem dos Arquitectos
(à revista Cubo, 26 de Maio 2007)


Será precisamente isto que o Governo está a esquecer no caso Ota, na medida em que continua a "fechar-se" numa decisão política (com o empenhamento "pessoal" do ministro Mário Lino), decisão essa que passa ao lado do conhecimento disponível e, muito concretamente, das razões já avançadas que levam a classificá-la como má opção. A verdade é que o Governo não deve mostrar-se intransigente quando não consegue fazer suportar a sua decisão numa argumentação clara, consistente e plausível. Tem por isso apenas duas saídas airosas: ou convence os portugueses da bondade da sua escolha ou aceita apreciar as alternativas que lhe têm sido propostas. O que em democracia não pode é pôr em prática um método de decisão ditatorial ou reivindicar para si a certeza divina. Isso era dantes.

À parte: faz algum sentido querer erguer uma obra de tal dimensão e custo, contra a vontade de larga fatia da população portuguesa?

25 maio 2007

A retórica da conversa sentada

Mohamed ElBaradei, director-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), terá pedido ontem à comunidade internacional que busque o diálogo com Teerão, em favor da não proliferação das armas nucleares. Até aqui, tudo bem. Mas, como tantas vezes acontece ao mais comum dos mortais, o director-geral da AIEA quis ir mais longe e acabou por borrar a pintura toda com uma sugestão destas:

"Uma forma de fazer isso, ao invés de continuar com a retórica, é sentar e conversar"

Mas não é a conversa um verdadeiro acto retórico? Então porque é que o director-geral da AIEA refere a conversa a uma coisa boa e a retórica a uma coisa má? Desconhecerá tão esclarecida figura que se nem toda a retórica é conversa, toda a conversa é necessariamente retórica? "Sentar e conversar" em vez de retórica, diz, parecendo com isso ignorar que, mesmo na conversa sentada, é ainda a retórica que fica de pé.

Excerto de um livro não anunciado (376)

A distinção entre retórica e indução hipnótica não se centra, por isso, numa diferença de natureza do respectivo processo de comunicação que, em muitos casos, é igualmente verbal, persuasivo, metafórico, analógico, repetitivo e redutor do campo de consciência do ouvinte. Notemos, aliás, que a própria argumentatividade retórica está sempre mais ou menos presente na indução hipnótica quer quando o hipnoterapeuta justifica e debate com o paciente (ainda no estado de vigília) as razões ou motivos porque este deve submeter-se à hipnose (fase da argumentação propriamente dita), quer quando o seu discurso persuasivo não obtém a resposta pretendida ao nível da respectiva somatização ou ainda, quando se expõe à recusa do paciente em aceitar algum dos seus comandos (no limite, quando estes violem o seu código moral). Em qualquer destas situações, o hipnoterapeuta pode ser confrontado com os contra-argumentos do paciente, com a sua resistência à modificação de atitude e comportamento visados pela indução. O mesmo se diga quanto ao predomínio do carácter monológico na comunicação hipnótica, pois se, por um lado, o paciente mergulha num estado de cada vez maior passividade, por outro, mantém e desenvolve uma espécie de comunicação interna (*) que ditará a sua reacção última às instruções hipnóticas, ainda que no domínio não verbal. Algo de semelhante se passa na retórica, como, por exemplo, no caso de um discurso epidíctico ou numa palestra pública: o auditório escuta muito mais do que fala mas sem que deixe alguma vez de reagir (comunicar), quer mentalmente, quer também exteriormente, ao nível da postura física, do gesto ou da expressão facial.

(*) Jean Adrian sustenta que a hipnose permite uma comunicação interna, entre o consciente e o inconsciente (Adrian, J. "L’hypnose, outil de communication interne", in Michaux, D. (Org.), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 128). Pela nossa parte, contudo, utilizamos aqui a mesma expressão mais no sentido perelmaniano de uma comunicação do sujeito consigo próprio assente no diálogo interior que, regra geral, antecede a deliberação íntima.

22 maio 2007

Maquiavel em Democracia (3)

Democracia ou ditadura, o objectivo é o mesmo: a conquista e a conservação do poder, sejam quais forem os meios e enquanto for possível. Quanto ao recurso à mentira, quase não há diferença entre o que se passa em democracia e em ditadura, a não ser quanto à eficácia: a mentira é ainda mais eficaz na democracia porque permite captar os votos de um maior número de pessoas, enquanto na ditadura basta impor-se pela força e dominar em vez de convencer.

Edouard Balladur, (2006), Maquiavel em Democracia, Cruz Quebrada: Casa das Letras/Editorial Notícias, p. 9


20 maio 2007

Lisboa: más razões para um bom título

A Câmara caiu há uma semana. A cidade está a cair há anos.

Expresso (1.º Caderno), 19 de Maio 2007

14 maio 2007

Excerto de um livro não anunciado (375)

É neste regime de totalidade em que inteligência, espírito, liberdade, movimento, sensibilidade, afecto e emoção permanecem como registos inseparáveis no ser humano que poderemos olhar, quer a indução hipnótica quer a persuasão pelo discurso, como passagem de um desses registos a outro. De resto, no caso especial da retórica, sabemos como esta nunca é nem a expressão de uma verdade pura, nem sequer o domínio do certo ou incerto, do correcto ou do incorrecto, mas sim do plausível e consensual. Que sentido teria, então, valorizar as premissas de uma argumentação à luz deste último critério (consenso) se ao mesmo tempo se desvalorizassem os usos e efeitos da sugestão ou sedução, mesmo quando do agrado geral do auditório? “A racionalidade mergulha as suas raízes naquilo a que os fenomenólogos chamam o mundo da vida” (*). Não há propriamente uma ruptura entre o intelecto e a emoção. Seguindo de perto a feliz expressão de Innerarity, nem a paixão e o prazer estão fora da razão, nem o exercício da inteligência é uma disciplina insuportável (**). Parece-nos, pois, que a desejável dimensão crítica da retórica em nenhum caso deve degenerar numa discutibilidade estritamente intelectualizada, sob pena de se cair numa logicização do homem em muito idêntica à mera categorização das coisas. E, no entanto, em nosso entender, seria a isso que nos conduziria a retirada da emoção, da sugestão e da sedução do interior de todo e qualquer processo argumentativo.

(*) Daniel Innerarity, (1996), A Filosofia como uma das Belas Artes, Lisboa: Editorial Teorema, Lda., p. 15
(**) Ibidem, p. 24

09 maio 2007

Serviço de urgência

Ontem, pelas piores razões (doença de um familiar) pude ver com os meus próprios olhos como está a funcionar o serviço de urgência do Hospital Santos Silva, em V. N. Gaia. Que coisa mais inaudita. Edifício em obras, caminhos tortuosos, exiguidade de estacionamento para as ambulâncias, doentes que chegam e ficam à espera de um médico por mais de 6 h (como se estivessem numa fila para comprar algum bilhete de futebol), serviços provisoriamente instalados em verdadeiras barracas pré-fabricadas, enfim, uma "oferta" de cuidados de saúde, há que dizê-lo, de aspecto degradante.

Também fiquei a conhecer o critério de Manchester que "manda" atribuir a cada doente uma determinada cor em correspondência com o grau de gravidade ou urgência do seu estado de saúde (quer dizer, do seu estado de doença), a saber, vermelho, laranja, amarelo, verde e azul, por ordem descendente de importância, onde, por exemplo, o vermelho significa "emergente" e o azul "não urgente". Mas como e quem determina a cor de cada doente? É fácil, muito fácil: um enfermeiro faz-lhe algumas perguntas sobre o motivo que o leva ao serviço de urgência e após uma rápida observação atribui-lhe a cor que lhe corresponde, segundo o dito critério de Manchester.

Poderia interrogar-me sobre que raio de urgência médica será esta que fica dependente do primeiro parecer de um enfermeiro, mas não é a isso que me quero referir. O que agora mais quero dizer é que foi neste atribulado serviço de urgência que tive ontem a sorte de encontrar um médico ímpar, o Dr. António Santos Silva (chefe da equipa), inexcedível de atenção, de bom-senso e, sobretudo, de humanidade. Bem haja, Dr. António Santos Silva.

06 maio 2007

O que conta é a percepção

o Armando Salvado trouxe-me um excelente livro sobre a importância da escolha das palavras na Comunicação de Marketing. Aqui fica a recomendação: "Words that work", de Frank Luntz. Como sublinha o autor, também nesta matéria o que conta é a percepção. "O que conta não é o que se diz. É o que as pessoas ouvem".

Luis Paixão Martins no Lugares Comuns

Sem dúvida. Talvez se pudesse até acrescentar que as pessoas têm naturais dificuldades em ouvir/ver, seja qual for o orador ou meio de comunicação utilizado. As pessoas distraem-se, não captam a exacta entoação de cada palavra, nem o verdadeiro sentido do texto. Não dispõem, enfim, de atenção e memória ilimitadas. A comunicação incorpora sempre algum ruído e o ruído, por natureza, abafa, distorce ou anula a mensagem. Além de que o que é dito, como é natural, concorre com outros ditos, com outros interesses, com outras preferências. Não basta, pois, “dizer bem” ou dar um recado na perfeição. É preciso dizer para ser escutado, para ser compreendido, para ser aceite ou aprovado. É preciso ir além do dito, confirmar se a mensagem chegou e que efeitos produziu. Porque o que conta não é o dito. O que conta é a percepção. Mas mais conta o dito e feito.


Estoril Open no feminino

Com alguma sorte (que em nada lhe belisca o talento), Greta Arn acaba de se sagrar campeã do Estoril Open 2007. É certo que não há campeões sem sorte. Mas neste caso, era a própria sorte que já parecia traçada: que outro destino cabe a quem tem por adversária uma Azarenka?

Da iminência à ilusão

Há nesta nova iminência (que se actualiza para além do tempo em que se processou o acontecimento) um pasmo inenarrável, porventura semelhante ao que outros media terão causado no momento em que abruptamente surgiram (a fotografia e o cinematógrafo face aos seus primeiros espectadores). A grande diferença é que, hoje em dia, deixámos de ter tempo para nos prepararmos para a actualidade. A interpretação quase deixou de ser uma aprendizagem: entre as imagens e o pasmo e, por sua vez, entre o pasmo e as imagens passou a existir uma distância ínfima. Uma película imperceptível. Ou seja, quando as imagens nos invadem, inevitavelmente já desencadeiam pasmo e quando o pasmo nos povoa - como se fosse um alívio - apenas só já desejamos entregar o corpo e a imaginação ao fluxo das imagens.

Luis Carmelo no Miniscente

Tem toda a razão Luis Carmelo quando ilustra as novas condições de recepção da actualidade com o “tempo da iminência”. E o ponto é que as imagens e o pasmo de que nos fala, na ausência de mediação hermenêutica, podem facilmente cair no domínio da pura ilusão. Dir-se-á que a ilusão não é mais do que uma imitação da realidade. Mas é precisamente por ser imitação que nos pode iludir. Sem interpretação, as imagens oferecem-se ainda (e apenas) como sub-produto da “brutalidade” perceptiva. Colin McGinn - para quem a consciência nos põe em contacto apenas com os seus próprios conteúdos funcionando como um “jogo de imagens numa televisão mental” – sustenta que não há qualquer diferença subjectiva entre a percepção ilusória e a percepção real, por exemplo, “entre o punhal alucinado de Macbeth e um verdadeiro punhal” e que, por isso mesmo, as ilusões podem ser tão assustadoras como as coisas reais. É quanto basta para que o “tempo da iminência” que Luis Carmelo associa aos novos media (a começar pelo YouTube) - e que direi, invariavelmente, surge como consequência directa de uma sobrepercepcionada recepção – deva merecer a atenção da ciências da comunicação e, em particular, dos estudos retórico-mediáticos.

04 maio 2007

A piada da inscrição

Nem acredito no que estou a ver na SIC Notícias. O ministro Mário Lino a defender mais uma vez o projecto da Ota, agora apelando à autoridade de ser um engenheiro civil e (fez questão de acrescentar)... "inscrito na ordem dos engenheiros". Todos perceberam a piada, claro, a começar pelo próprio Mário Lino que não escondeu um sorriso matreiro. Foi a galhofa geral na sala. Falta saber o que foi no gabinete do primeiro-ministro.

03 maio 2007

Credo ut intelligam

Com a máxima "creio para compreender" pretendeu um dia Santo Anselmo sustentar a precedência da fé sobre a razão.

Mas como posso acreditar em Santo Anselmo se só compreendendo sei no que acredito?

Excerto de um livro não anunciado (374)

Finalmente observemos que os riscos de uma excessiva focalização da atenção do auditório são indissociáveis do grau de sedução do orador e da tonalidade mais ou menos sugestiva do seu discurso. Negá-lo, seria o mesmo que ver no sujeito da persuasão – retórica ou hipnótica – um ser exclusivamente lógico ou então, à boa maneira cartesiana, uma simples união de duas substâncias distintas, o corpo e o espírito, que nos permitiria separar, ao nível das diferentes manifestações humanas, as que respeitam ao corpo e as que derivam do espírito. Mas como bem salienta Roustang, “há uma outra maneira de pensar o ser humano, quer dizer, não mais como união da alma e do corpo ou do espírito e do corpo, mas como unidade vivente onde o espírito é já corpo e onde o corpo é sempre espírito” (*). Tal unidade não pode, contudo, ser compreendida senão num plano holístico. É por isso que Roustang afirma (a propósito do que dá origem à indução hipnótica): “posso dizer que, segundo as circunstâncias, a potência modificadora é o vosso coração ou a pele que recobre o vosso corpo ou o vosso ventre ou os vossos pés que vos sustentam ou tal pensamento ou tal emoção, porque é a relação ao todo que dá a cada um a sua força” (**).

(*) F. Roustang, "L’hypnose est communication", in Didier Michaux (Org.), (1998), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, 1998, p. 27

(**) Idem, p. 31

01 maio 2007

A mensagem errada