![](data:image/jpg;base64,/9j/4AAQSkZJRgABAQAAAQABAAD/2wCEAAkGBhQOERATExIWEhMUER8WFRgRFxoXEhwTJBUhFhoZHh4jHTIfHSUvGhMYIjssIy41ODI4Fio1NTwqOCoyLzUBCQoKBQUFDQUFDSkYEhgpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKSkpKf/AABEIAFAAeAMBIgACEQEDEQH/xAAcAAEAAgMBAQEAAAAAAAAAAAAABgcEBQgDAgH/xAAzEAACAQMDAgUCBAUFAAAAAAABAgMABBEFEiEGMRMiQVFhBxQyQnGBCCNScpIVM2OC8P/EABQBAQAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAD/xAAUEQEAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA/9oADAMBAAIRAxEAPwC8aUpQKUpQeVxcLEpdjhQOT/7kn4Heq01frW+nYvABBagEgsuXMfADl8FBk5wMr+rdh8fUTqUOZY5d4to7gRuoHllCx+I6YDBnJZkAAKgCNixwCDUhe46huRFbREHhvOxkYHsWaQKAo/YDgDk0FmQ9btuV0urnYPI7bopVSUqceKhChRkZG0+baeeDXxJ9fWtJTBcWizMkhDSW8uFaPjDKjLknGeCR2xxyBqtO/h0udshkvUjcjCiJWZSM5IY5Bxx255/TnBufoNfReMqtDPuAK54zg44Y8owDZ54OD7Cgujo7ri21iJpLctlcb0kG2RSRkZ9CDg8gkcGpBXNP0x1//Rr7w7om32sYZQecZb8ynnG7adyHjuQwOR0qrAgEHIPYjtig/aUpQKUpQKUpQKUpQKUryuywR/DAL7TsDcKXx5QfjOKDn/S7E6ldtav4cq3bSzRXQLCJT4uZxHHxuBeJBg49SSQ1XRouiWujWwjjGxByzEbpZH9WOBl2+APgACqD+m2oMuuWAIydhjwfTdGzFuPcsW/7VcHUvV1nvCvfww4QOEkMpJBPDFEdDjHYEnIOe1BJX1hty7Ym2HvvWVZP2URkH92FZNpqay57qc4w+Ac/pmo3o95YTxs0Xh3CCJpGkSNQu0HbgjHOSHxx+Q1qNa61ispfDjs7q5cRqw2bUhXONoOOYxkjJZQBg+1BXP8AEDZrBqcEybd0kALjIJ3qxUEr7Fdo577T81bf0m6iS/0yBlyGiHgurHcVZewz6jaVIz6EZyahv1Mgj1izeR4ftbyyG+VJMM/gtG23Y68SIZMYI9QeFzXh/DTcExaimThZImA9ASrgn9/DH+IoLqpSlApSlApSlApSlAryuw2x9oy207RnbzjjnBxz644r1pQUt0vo4t9Qgk8FFvLj7hi4eRkR1JXbs3kjeqyHO4ncrAfgIqQWPRZuBIRItvMSXnEA23BnaQuXcsSSNvAzwckrsxzsdd0q1s7qO4fapM6sMoq+dnVDiT3DkSY74aTurHbKby2icNJPFGRFkq0iq2ExkkZGR29PagifT/SSGaYR3EjWsZAKxSsitdjO9soR2z5hyCx55U1qYej4j4X3UVwzQSu4cqZt7+IfM+MrkrtI8o7fJBl+ha4AkaSQvbFtxVDEViSP8SKWC7FJTnHoQw9KW+pStK0iOz2oZmYugCGMqoHhsPO+GVmzjBDEc+U0EV1npZJ45IorImMxtFE9yvKyPEUQxhiXA3MHZjgAjyqSzEZ/0f6aWxtG8o3ybGMi/hkXwwylTgZXzkj+41LdZvTHAzoqyE7VQOf5ZZmCLkgE7cuCcA8V96Rpv20QTO9slnbGN0hOWbGeOTwPQYA4FBm0pSgUpSgUpSgUpSgUpSg8rq2WVHjdQyOpVlPYqRgg/BBIqPaPqu6CZZWZ47dNkjkYk8SLyyhxknLBFkHuJfXuZNUJ0aQrd6g/i+H4NyTKGG6OS2YZVie6FJFmXPspyMYIDcaw9y8UgCrEMBg8bu8oIbdjYIx3C44Y/i7HHPvp13PcRo42xhlz543DH9FZgwH93PHYVntfoJBEWAdhlVPBYeu33x8dqx7zX4IZFiaQGVsbYk80xycA7BlgPkjA9SKCL6y2Le7SMvHHb6WZkjOfEDs0jru9Rt+12rjtuPsKmsEyyKrKwZWGVKnKlTyCCOCMVA9Uu0mFzHG4H3e7xZPLu+zTyTz5/oVf5KfLFhnPEB+l31YmQywyqbhdplCKf55ON0hjzw5J3PsJHrtyfKQv2lR7TOv7G5SORLhVWQeQy5jUtnG0FgFLZ/KDmpDQKUpQKUpQKUrT671GtrhFjaed8CONBjLMSF3PjbGpKHk+xwDjFBuK1Wqa+sLiJEM9wRuEcZAKr/XIx4jX5Pf8oY8VAepuuorbf93evLIr7Wt7LMMIby7lMnMrYBJJ3DPPC9qjXR/WTX9w6KRZ2gcOyxIXZ5MExoQAXmdim5iSSywMOxoJb1D1CypNLcTnwoZCjpbM0cTTAFvt0YYeQqBl5CQBt2qoJbbHui+p2uYrq+gjzJZ3JMlvEB5rCSNQyL6Eq8DOv9hH5qq7rKS5ikEM0zTogxE5V0BXnJw4DBiWYtnnJPJrJ+nWrtA92qliGgEpRHKbxDIs7JkcjMaSDI5G7PPag6StL2y1S3g2qs1vIB4ZIyA4/L7o4wPY8Vq9f0mOxiADbYGYlo0ZY5Z5cHbGXwAiBVd2YnOFzkBTmNarbS6KrahZgNCAsrhSVhuLZiB517JMoZCHX8QJJGQQdnDr1trMrSZLQS6TKse7YHjfdtukIJ4fY9v8Y5BwTkNJ9T9a/wBK0ww+Ij3l+NrtCNsa2wGNkY9I1Vtij13s3ctVBRSlCGUlSDkEHBB+DW/651Qz3EaZyLa1ith34McQV+//ACb6jtBtLLqa5t3d4pmRpP8AcC/gfgjzr+F+GbhgfxH3qxul/rOIIVWY3Ebg4P2/hvCV9Csci4THshA9gBwKlpQdRaN9WobgYVopzkAGOVLdyScAGKd1KnI7Kz/qM4qVaf1RDNIISWhnK58GdSkvzgHh8e6EiuM63adaXgWJTcyssTh4gzltjqcqy5zjHb9DjtxQdkUrB0LUDc21tMQAZYEkIHYFkDYH+VKD/9k=)
Pedro Bidarra (*), no "Dinheiro Vivo" (JN) de hoje, critica a pobreza persuasiva dos discursos dos nossos actuais políticos (incluindo a do mais recente discurso presidencial):
"
Exmo. Sr. Presidente da Repú
blica, E
xmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, minhas senhoras e meus senhores:
Neste passado dia 5 de Outubro os discursos da nossa classe política, seguindo o costume da terra, foram todos muito graves, muito chatos e muito pesados; foram todos muito maus, como é costume.
É doloroso para mim, que sou da escrita e da comunicação, ouvir esta velha e datada retórica republicana, sem emoção nem nobreza, sem modernidade nem futuro e que narra apenas a desgraça do quotidiano.
É normal dizer-se que não se fazem discursos como antes, que já não há Kennedy nem Luther King nem Churchill. Mas esse não é o problema. O problema é que cá na terra ainda se fazem discursos como antes. A oratória, que não é arte estática e evolui com os costumes e os media, tem permanecido, por cá, inalterada a ponto de políticos novos, como o António José Seguro, soarem, quando discursam, mais velhos do que os velhos, como se tivessem frequentado uma escola de pose republicana. A retórica dos nossos políticos é velha e soa a velha. Os seus discursos, com raríssimas excepções, são a banda sonora do fim de um velho regime, moribundo num atasco de dívidas.
Não admira, portanto, que todas as velhas figuras e responsáveis deste regime, desde o velho Fazenda ao velho Soares, passando pelos novos velhos, tenham aplaudido o discurso do Presidente. É o tom do regime que eles aplaudem, o desfilar de argumentos que agradam a gregos e a troianos, a repetição de la palacianas evidências, entregues num pathos grave, para dar peso à mensagem. E qual foi ela? A narrativa, o logos do discurso?
Apenas um apanhado de tudo o que se diz e escreve nos media, um resumo das notícias e opiniões dos actores secundários desta tragédia que são os jornalistas e os opinadores profissionais: que gastamos o dinheiro que nos mandaram e mais o que pedimos emprestado, que vivíamos acima das nossas possibilidades, que agora acabou, que vai voltar a pobreza que era onde estávamos quando a democracia começou.
Como se ainda não tivesse sido dito, como se a notícia da desgraça só fosse oficial se saída da boca de Sua Excelência o PR. Mas já foi dito. E mesmo que tenha de ser dito outra e outra vez, o PR deve dizê-lo diferente.
Não precisa estar escrito na Constituição que um dos poderes presidenciais é o de mobilizar e convocar a esperança. Isso é algo que um líder faz assim consiga inspirar, pela palavra, quem o ouve. Um discurso, quando é bem escrito, é uma arma eficaz. O seu poder, que é o poder da arte, é imenso, pois é capaz de tocar a razão e o coração e de mobilizar vontades para a acção. O PR podia ter usado o poder da oratória para o bem em vez de para o tédio. Para a esperança em vez de para o medo.
Discursos houve que ajudaram a derrubar tiranos, a mudar sistemas, a corrigir injustiças, mas este, o que oiço diariamente, nada faz para combater o desespero nem para convocar a coragem necessária para enfrentar a besta da pobreza que se aproxima. Este, o que oiço diariamente, não é escrito por pessoas para pessoas, é escrito por polítcos para políticos. Políticos paternalistas e narcisos a olhar para si e para as suas carreiras, e com distância para o povo.
A oratória pode ser usada para o bem e para o mal. O desespero e o medo em que começamos a viver é propício à oratória demagógica e é pasto para o mal. E o mau discurso do regime, sem emoção, nem esperança, não ajuda."
(*) Chief Creative Officer e vice-presidente da BBDO
in www.dinheirovivo.pt