29 março 2004

Excertos de um livro não anunciado (179)

(...) Mas o estudo da argumentação centrada nos valores, leva-nos a considerar igualmente a distinção entre valor concreto e valor abstracto, conforme o mesmo se refira ou não a um ser particular, a um objecto, a um grupo ou instituição, com acentuação no seu carácter único. Por isso Perelman dá exemplos de comportamentos ou virtudes que só se podem compreender em relação a tais valores concretos - a fidelidade, a lealdade, a solidariedade, a honra - e enuncia, como valores abstractos (muito caros ao racionalismo) as regras válidas para todos e em todas as circunstâncias: a justiça, a veracidade, o amor à humanidade, o imperativo categórico de Kant em que a moral é definida pelo universalizável e o princípio do utilitarismo de Bentham que define o bem como aquilo que é mais útil à maioria. Tanto os valores concretos como os valores abstractos são indispensáveis na argumentação, mas surgem sempre numa relação de subordinação de uns aos outros, subordinação que parece oscilar, por vezes, radicalmente, ao longo da história. Para Aristóteles, por exemplo, o amor à verdade (valor abstracto) prevalece sobre a amizade a Platão (valor concreto). Já Erasmo defende que é preferível uma paz injusta (valor concreto) à justiça (valor abstracto). De um modo geral, sustenta Perelman, “os raciocínios fundados sobre valores concretos parecem característicos das sociedades conservadoras. Ao invés, os valores abstractos servem mais facilmente a crítica e estarão ligados à justificação da mudança, ao espírito revolucionário” * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 48

23 março 2004

Nanotecnologia: o tamanho não é importante

Como se depreende do seu prefixo “nano”, que corresponde a um milésimo milionésimo da unidade (0,000 000 001), a nanotecnologia é a “ciência do pequeno” (do muito pequeno, mesmo). Segundo Cylon Gonçalves da Silva, físico brasileiro ligado à criação do Centro Nacional de Referência em Nanotecnologia, não se trata realmente de uma tecnologia específica mas de um “conjunto de técnicas, baseadas na Física, na Química, na Biologia, na Ciência e Engenharia de Materiais e na Computação, que visam estender a capacidade humana para manipular a matéria até aos limites do átomo”.

Foi em 1959 que Richard Feynman, físico norte-americano e Prémio Nobel, lançou, pela primeira vez, a ideia da nanotecnologia, no decorrer do encontro anual da Sociedade Americana da Física. Proferindo uma palestra subordinada ao título “Há muito espaço lá em baixo” causou a estupefacção geral ao atirar para o ar a seguinte questão: “Por que não podemos escrever todos os 24 volumes da Encyclopaedia Britannica na cabeça de um alfinete?” Consta que a assistência riu. Mas Feynman, imperturbável, terá continuado: “A cabeça de um alfinete tem uma dimensão linear de 1/16 de polegada. Se a ampliarmos em 25 mil diâmetros, a área da cabeça do alfinete será equivalente às páginas da Encyclopaedia Britannica. Então, tudo o que é preciso fazer é reduzir o tamanho de tudo o que está na enciclopédia 25 mil vezes”.

A ideia estava lançada, mas acabou por cair no esquecimento. Somente em 1992 a nanotecnologia viria a afirmar-se definitivamente, graças às propostas que Erick Drexler apresentou perante o Comité do Senado para o Comércio, Ciência e Transporte, Sub-Comité para a Ciência, Tecnologia e Espaço, subordinado ao tema “Nanotecnologia Molecular”. Uma dessas propostas consistia em produzir “objectos a partir de moléculas, manipulando átomos individualmente, como tijolos na construção de uma casa”. Al Gore, que viria a ser Vice-Presidente dos EUA e era, na altura, Presidente do citado Sub-Comité, gostou do que ouviu. Estava garantido o apoio à nanotecnologia por parte da Administração Clinton.
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http://www.comciencia.br/reportagens/nanotecnologia/nano10.htm http://www2.uol.com.br/sciam/nanotecno.html

18 março 2004

Excertos de um livro não anunciado (178)

Sendo controversos, os juízos de valor foram considerados pelos positivistas como não possuindo qualquer objectividade, ao contrário do juízos de realidade, onde a experiência e a verificação permitiria o acordo de todos. Mas Perelman entende que há valores universais, admitidos por todos, tais como o verdadeiro, o bom, o belo e o justo, embora reconheça que essa sua universalidade se fica a dever ao facto de permanecerem indeterminados. Uma vez que se tente precisá-los, aplicando-os a uma situação concreta, aí, sim, surgirão imediatamente os desacordos. Os valores universais serão pois um importante instrumento de persuasão, no dizer de E. Dupréel, uma “espécie de utensílios espirituais totalmente separáveis da matéria que permitem moldar, anteriores ao momento do seu uso, e ficando intactos depois de terem servido, disponíveis, como antes, para outras ocasiões” *. Além disso, permitirão representar os valores particulares como um aspecto mais determinado dos valores universais.

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 46

15 março 2004

Bruxo...

O Nuno, do Mar Salgado, para quem deixo um abraço, teve a gentileza de me citar no seu post "O HOMEM NÃO É FILÓSOFO, É BRUXO!".

Em correio particular, pedem-me para confirmar isso de ser ou não ser... bruxo. Mas eu já aprendi com o Professor Cavaco: nem confirmo, nem desminto...

Conhecimento & Magia

Ligue-se o aparelho de CD ou de DVD.
Observe-se o que se passa.
De um momento para o outro, podemos escutar a música preferida, ver um filme de sonho.
E é tudo tão "natural".
Premir um botão, depois outro, talvez um outro mais ainda e... já está.
Podemos agora relaxar, fruir imagens e sonoridades que nos devolvem à vida.
Parece um milagre.
Mas não é.
É o laser.
Na revista Única, do Expresso,
Nuno Crato explica muito bem como tudo começou com alguns cálculos de Einstein.
E remata:

A luz laser é pois extremamente direccionada e possível de focar com precisão numa pequena área. É por isso que os ponteiros laser funcionam tão bem. E é por isso que os leitores de CD e DVD conseguem ler com precisão os minúsculos sinais que se encontram nos discos

Mas eu fico aqui "matutando" entre o prazer da "descoberta" e a frieza de um certo desencanto. Salvas as distâncias, faz-me lembrar aquela decepção que nos invade quando o ilusionista decide partilhar com a assistência o segredo do seu truque: ganha-se no conhecimento mas perde-se em inefável. Será que - como parece admitir Arnold Gehlen - a magia é constitutiva do humano?

14 março 2004

Excertos de um livro não anunciado (177)

Vimos já que aos juízos que se supõe exprimirem o real conhecido ou presumido, podem opôr-se os que exprimem uma preferência - valores e hierarquias – e os que indicam o que é preferível - lugares do preferível. Perelmam vai buscar a Louis Lavelle um conceito operatório de valor: "pode dizer-se que o termo valor se aplica sempre que tenhamos de proceder a uma ruptura da indiferença ou da igualdade entre as coisas, sempre que uma delas deva ser posta antes ou acima de outra, sempre que ela é julgada superior e lhe mereça ser preferida" *. Este conceito de valor parece adequar-se sobretudo às hierarquias, onde os elementos hierarquizados estão expressamente indicados. Mas lembra Perelman que, com muita frequência, os valores positivos ou negativos, traduzem também uma atitude favorável ou desfavorável sobre determinado acto ou objecto, sem qualquer intenção comparativa, como quando se qualifica (valorizando) algo de justo, belo, verdadeiro, real ou (desvalorizando) como mau, injusto, feio ou falso.

* Perelman, C., (1993); O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 45

11 março 2004

Poesia filosófica

(...) li um livro de um amigo meu Dujovne, e descobri nas suas páginas, para meu grande espanto, que Martin Buber era um filósofo e que toda a sua filosofia estava nos livros que eu tinha lido como poesia. Talvez eu tenha aceitado esses livros porque me chegaram através da poesia, através da sugestão, através da música da poesia, e não como argumentos.

Jorge Luis Borges

"Este Ofício de Poeta", p. 40 (Editorial Teorema)

10 março 2004

Excertos de um livro não anunciado (176)

Mas para além dos factos e das verdades, o orador recorre também às chamadas presunções, que não apresentando a mesma garantia que aqueles, ainda assim, permitem fundar uma convicção razoável. Em certas situações retóricas serão mesmo um recurso argumentativo indispensável. Estão ligadas à experiência comum, ao senso comum, são elas que nos permitem orientar na vida. Fundam-se numa certa constatação estatística e assentam na convicção de que o que acontece habitualmente em cada situação de vida, é o normal. É neste contexto que poderemos, por exemplo, considerar as presunções de credibilidade natural, de ligação acto-pessoa e ad hominem, como praticamente omnipresentes em todas as situações retóricas. Com duas reservas, porém: primeiramente, a presunção tem sempre um carácter provisório, podendo vir a ser contraditada pelos factos; depois, como a noção de normal que está subjacente a toda a presunção é sempre mais ou menos ambígua, logo que sejam dados a conhecer os factos e a causa, a presunção pode vir a ser considerada não aplicável na ocorrência. Estaremos então perante uma tentativa de inverter a presunção que favorece a tese do adversário, tirando partido do efeito mais imediato de uma presunção, que é o de impor que sejam apresentadas provas àquele que se opõe à sua aplicação.

09 março 2004

Poeiras

Fiel leitor do Abrupto, tenho saído de lá com os olhos a arder. Mas está tudo explicado. Já repararam como os seus últimos posts estão cheios de "poeira"?

Dia mundial da mulher

Foi ontem, eu sei. Mas para o ano haverá mais do mesmo. Com muito "folclore" a animar. De novo, não gostei. Confirma-se: sou contra (o dia) e a favor (da mulher).

07 março 2004

Porto com "pinta"

6 Mar > 6 Abr > 2004

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GALERIA SIMBOLO
R. Miguel Bombarda, 408
Porto

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Still

António Fernando Silva [Xai]

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“Com estes quadros de António Fernando Silva [Xai] somos voyeurs do que está para lá do que se imagina, confusos e confundidos com a ausência de representacão pelo pormenor da representacão. 0 nosso olhar é conduzido para dentro do que está representado, por entre os pontos da trama aumentada da imagem que representa o que jamais se saberá que está representado. Aqui, o volume, graficamente traduzido pela relacão luz/sombra, surge como uma ilusão do real e do concreto mas até este se tornou abstracto pela força plástica da matéria”

Adriana C. Baut

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Dados Biográficos

Antonio Fernando Monteiro Pereira da Silva [Xai]
3 de Outubro de 1962
Valbom - Gondomar

1991
Licenciatura em Artes Plasticas - Pintura - Escola Superior de Belas-Artes do Porto
2002
Mestrado em Historia da Arte em Portugal Escultura Contemporanea - Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Actividade Profissional
Professor Requisitado para a Area de Artes e Oficios da Escola Superior de Educação do Porto

Actividade Artistica
Mantem regular actividade artistica desde 1991
Integra e é co-fundador do Grupo 10afio


Exposicões:

1998 - Os Outros - Exposição / Intervenção
>>> Está Tudo Pendurado no Céu
Arquivo Distrital do Porto / Mosteiro de S. Bento da Vito ria

2000 - 10afio - Exposição / Intervenção
>>> Palavras, Pensamentos e Actos
Instituto Superior de Engenharia do Porto

2001- 10afio - Exposição / Intervenção
>>> Pintado de Fresco
Galeria Trindade, Porto

2003 - 10afio - Exposição / Intervenção
>>> OF 7
Galeria Trindade, Porto

2004 - Individual
>>> Still
Galeria Simbolo, Porto

06 março 2004

Post it amarelo

A não esquecer:

Dizer também qualquer coisinha sobre o Castells.

Esperar que se entendam por estas bandas: aqui e ali

05 março 2004

Escutas, vigilância, censura

Sobre as novas medidas que se anunciam para a legalização de:

- mais escutas telefónicas
- mais violação do sigilo de correspondência
- mais vigilância da "navegação" na internet (incluindo o correio electrónico)

Vale a pena reflectir (devagar) sobre o que António Barreto tem escrito.

02 março 2004

Excertos de um livro não anunciado (175)

(...) Tanto basta para que se tenha de reconhecer que no campo da argumentação, um facto ou uma verdade nunca têm o seu estatuto definitivamente assegurado, excepto quando se admita a existência de uma autoridade infalível ou divina. Sem a garantia absoluta que decorreria desta última, todos os factos e verdades poderão então ser postos em causa, independentemente de serem admitidos como tais pela opinião comum ou pela opinião de especialistas. Sublinhe-se, contudo, que, "se o acordo a seu respeito for suficientemente geral, ninguém os pode ignorar sem se tornar ridículo, a menos que forneça razões capazes de justificar o cepticismo a seu propósito" *. Nesse caso, ao oponente não resta outra posição que não seja a de tentar desqualificar os factos ou verdades apresentadas pelo orador mas que não merecem a sua aprovação. E a forma mais eficaz de desqualificar um facto ou uma verdade é, segundo Perelman, "mostrar a sua incompatibilidade com outros factos e verdades que se afiguram mais seguras, e mesmo, de preferência, com um feixe de factos ou de verdades que não se está preparado para abandonar" ** (...)


* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 44
** Idem

01 março 2004

Filme relaxado ou filme relaxante?

LOST IN TRANSLATION - O Amor é um lugar estranho

O Pedro gostou muito
O Alberto idem aspas
A Carla achou chocho


Fui vê-lo ontem.

Saí satisfeito. Mas sem o menor excesso.
Uma história banal, embora com dois soberbos actores.
Bill Murray é grande (também na arte).
Scarlett, perfeita, à altura.
Muito boa, a interpretação dos dois.
Do filme, não desgostei.
Só isso.
Muito "forçada" a cena da cama.
Os dois ali, lado a lado, e nunca tão distantes um do outro.
Bonito mas demasiado virtual.
E para virtual já bastava o filme.
Enfim, uma novela.
Sem chama.
E sem happy end.

Mas... que diabo.
Oh suprema contradição:
está a apetecer-me ver o filme, de novo.

Será que o Pipoca Blog tem razão quando o classifica como "filme mais relaxado de 2003"?

Excertos de um livro não anunciado (174)

(...) E porque a adesão pressupõe consenso, o orador deve recorrer aos possíveis objectos de acordo para neles fixar o ponto de partida da sua argumentação. Neste ponto, Perelman faz uma distinção entre os objectos de acordo que incidem sobre o real, sejam factos, verdades ou presunções e aqueles que recaem sobre o preferível, tais como valores, hierarquias e lugares, após o que procura explicitar cada um deles no quadro da nova retórica. Analisando o estatuto retórico dos factos e das verdades que a linguagem e o senso comum associam a elementos objectivos e oponíveis a todos salienta que, do ponto de vista argumentativo não podem, contudo, ser desligados da atitude do auditório a seu respeito. É que se concebemos os factos ou as verdades como algo de objectivo, esse estatuto impor-se-á a todos, ou seja, será em princípio admitido pelo auditório universal, logo, o orador não precisará, neste domínio, de reforçar a adesão do auditório. Mas quando um facto ou uma verdade são contestados pelo auditório, o orador já não pode valer-se deles, excepto se mostrar que o oponente se engana ou que não há razão para atender à sua contestação. Nesse caso, estaríamos numa situação característica de desqualificação do oponente, retirando-lhe - no contexto argumentativo - a qualidade de interlocutor competente e razoável. (...)