30 junho 2007

Poesia

Conversamos

Para além da data, as palavras.
Para além do gesto, a atitude.
Para além do poema, a poesia.

Obrigado, Lucília

Excerto de um livro não anunciado (382)

Para trás ficam também os exageros de forma, a proliferação adornística que a reduzia a mera técnica de expressão de um pensamento inquestionado. O que, aliado à formulação de uma nova racionalidade legitimadora do mundo das opiniões postas à prova e da livre discutibilidade como, respectivamente, fonte e método de conhecimento, veio a constituir aquilo que, em nossa opinião, foram as três mais significativas inovações introduzidas pelo pai da nova retórica, no âmbito da sua Teoria da Argumentação. O mesmo não se pode dizer quanto à sua tentativa de distinguir entre persuasão e convencimento com base num auditório universal puramente ficcionado pelo orador. Dir-se-á que, aí, na ânsia de conferir a maior objectividade possível ao processo de argumentação, Perelman acaba por fazer regressar à retórica a evidência racional cuja recusa tinha figurado como núcleo duro da sua impiedosa crítica à razão cartesiana.

29 junho 2007

A mais cara meia hora de sempre

Medina Carreira, na SIC Notícias, depois de afirmar que com o TGV o Governo vai empenhar o país por algumas décadas só para chegar meia hora mais cedo ao Porto, vira-se para o entrevistador e dispara:

"Acha que isto é de gente com juízo?"

28 junho 2007

A verdade pelo seu próprio nome

Esta do semimembro tem a sua graça, sim senhor. Com a vantagem de chamar a verdade pelo seu próprio nome.

26 junho 2007

Excerto de um livro não anunciado (381)

Persuasão que, estando no centro da argumentação, da arte de bem raciocinar, não prescinde igualmente da figuratividade e do estilo. A retórica é, portanto, o seu lugar de privilégio, pelo que não surpreenderá que a tenhamos colocado no centro da nossa reflexão. Dos alvores de uma oratória marcadamente empírica à retórica dos sofistas tão severamente condenada por Platão, da solução de compromisso em que, à época, terá consistido a codificação aristotélica até à sua posterior degradação secular, trilhamos os caminhos históricos - nem sempre muito claros - de uma retórica, que como vimos, só viria a reassumir a sua anterior dignidade argumentativa com Chaim Perelman. Expurgada do estigma que consistira na sua restrição à praça pública mais ou menos ignorante, vê o seu campo de acção alargar-se agora a todo o discurso persuasivo, seja qual for o auditório a que o orador se dirija, incluindo, o do seu foro íntimo.

24 junho 2007

Abençoada blogosfera

Faz hoje 4 anos que me estreei por aqui. É muito? É pouco? Não interessa, é o que for. É importante? Não é importante? Não importa. A importância das coisas é sempre anterior à sua avaliação. Importante é tudo aquilo que aprendi com esta nova classe de amigos: os que não me conhecem, os que não sabem que são meus amigos, os que não fazem a menor ideia do que me têm ensinado. Abençoada blogosfera.

21 junho 2007

Excerto de um livro não anunciado (380)

CONCLUSÃO

A comunicação persuasiva não é uma segunda comunicação, muito menos, uma comunicação de segunda. Estudar a persuasão é, essencialmente, estudar a comunicação do ponto de vista dos seus efeitos persuasivos. E nem a persuasão se mostra incompatível com a dimensão ético-filosófica da comunicação, nem o imperativo da discutibilidade crítica condena, a priori, o recurso ao elemento persuasivo. A comunicação afirma-se pela eficácia com que cumpre os seus objectivos. Sem eficácia, não passa de um simulacro. Sem persuasão, não se cumpre.

19 junho 2007

O que vai fazer o Laboratório de Engenharia Civil?

Para Miguel Cadilhe, como creio que para o vulgar dos mortais, o NAL (novo aeroporto de Lisboa) não deve ser dispensado de uma impecável ACB (análise custos-benefícios). Ora o ex-ministro das finanças não precisou de muitas palavras para demonstrar que não é isso que o Laboratório de Engenharia Civil vai fazer pois uma ACB tem regras, algumas das quais, adianta:

- A independência
- A exaustão de alternativas
- O fundamento e a transparência
- A medição dos impactos
- A revelação das perdas de oportunidade


Leigo que sou na matéria, não me lembro de ter encontrado notícia ou artigo com tanta e tão concentrada informação relevante. Vale mesmo a pena seguir aqui os "cirúrgicos" comentários que o distinto economista faz a cada uma das regras.

Destaque: "uma ACB não se faz sob hierarquia ou tutela dos políticos".

Via Expresso, 16 Junho 2007


17 junho 2007

Pedimos desculpa por esta interrupção?

Quanto tempo, quantas palavras (e quantas declarações infelizes) se teriam poupado se Sócrates e Cavaco tivessem falado a sério sobre o assunto há mais tempo?

José António Saraiva, SOL, 16 Junho 2007

Também acho. E digo mais: se Sócrates ainda tinha dúvidas sobre se o Presidente da Republica poria ou não os interesses do país à frente da própria cooperação estratégica com o Governo, deve tê-las perdido para sempre, agora que foi forçado, é o termo, a requerer o estudo sobre Alcochete. Mas desiluda-se quem pensar que Sócrates é menos estratega, menos inteligente ou menos teimoso do que Cavaco. A Ota é a sua convicção, o seu projecto, o seu caminho. Não irá assim desistir de pôr todo o seu empenho e criatividade (que a tem) na luta por esta ideia em que não está menos obstinado do que Mário Lino.

Propaga-se por aí a ideia de que a pausa de seis meses agora concedida para efeitos do requerido estudo - e que foi, objectivamente, uma cedência do Governo - pode ter sido pensada como mera estratégia para não afrontar o Presidente e que, no mais, uma vez expirado o prazo, tudo continuará na mesma, rumo à Ota. Miguel Sousa Tavares, por exemplo, confessa no Expresso de ontem que tem enormes desconfianças sobre o fundamento sério desta súbita decisão governamental de ir estudar agora a alternativa Alcochete e termina mesmo a sua crónica com um avisado conselho: que ninguém se deixe iludir por esta possível manobra de pedimos desculpa por esta interrupção, a Ota segue dentro de momentos. É claro que ninguém se deixaria iludir. Mas por muito que o principal defeito de um homem inteligente seja o de subestimar a inteligência dos outros, ainda não estou a ver o nosso Primeiro a ir por aí.

A retórica do mau perder

A propósito da não qualificação dos sub-21 para as meias-finais europeias, escreve (muito bem) Francisco Viegas:

Não compreendo, no entanto, que
neste artigo se utilize duas vezes «conveniente empate» a propósito do resultado do jogo Bélgica-Holanda. Conveniente? Quer o texto insinuar que a Bélgica e a Holanda convieram no resultado para eliminar Portugal? (...). Ora, eu tenho vergonha desse tipo de insinuações (que também ouvi na rádio, aliás). Conveniente, o resultado? Portugal (que até pode eventualmente, ter melhor futebol do que os belgas) não merecia ir às meias-finais, isso sim. E não foi. Foi muito conveniente que não fosse.

É de facto uma vergonha que o "nosso" futebol (ou quem o diz) se agarre, por sistema, a manhosas insinuações para encontrar "bodes expiatórios" por este ou por aquele insucesso. Veja-se, por exemplo, a forma como José Couceiro, segundo o JN de hoje, justificou o fracasso:

"Falhamos o nosso objectivo, mas não foi por nossa culpa, nem por culpa dos jogadores"

Ai não? De quem foi a culpa, então? Minha é que não foi porque nem joguei nem orientei quem jogou. É muito estranho que José Couceiro não tenha uma ideia mais clara (e verdadeira) sobre o que esteve mal, que o mesmo é dizer, onde falharam (ele e a equipa). Mas se assim é, tem bom remédio. Que vá falar com o treinador israelita que, no final do jogo, para além de reconhecer a qualidade do nosso futebol, apontou a dedo a evidência das evidências: "só não estão nas meias-finais porque falharam no jogo com a Bélgica."

Falharam ou perderam, por culpa própria, é claro. E depois? Não é a derrota um dos resultados possíveis? Não depende qualquer equipa do que a outra deixa jogar? Não é a imprevisibilidade do resultado que torna uma partida de futebol mais emocionante? Ninguém gosta de perder, é certo. Mas é dentro do campo que se deve jogar e não fora dele. Ai de quem não hesita em mentir a si próprio só para "sacudir a água do capote". Se há coisa que se topa à distância é uma retórica do mau perder.

16 junho 2007

Covilhã, Media, Proximidade

Organizado pelo Prof. João Correia - a quem quero agradecer, desde já, pelo convite e simpatia de acolhimento com que me distinguiu - teve lugar esta semana no Departamento de Comunicação e Artes, da Universidade da Beira Interior (Covilhã) o Seminário de Media e Proximidade distribuído por três sessões e outras tantas mesas temáticas: Linguagem dos Media, Retórica e Mediações e Media, Arte & Imaginários.

Cabe aqui, como se compreenderá, fazer uma referência especial à mesa de Retórica e Mediações que foi moderada pelo Prof. José Rosa (com quem tive o prazer de manter ao jantar uma interessantíssima conversa à volta de Platão, Aristóteles... Searle e Dennett) e contou com a participação dos seguintes investigadores: Tito Cardoso e Cunha, Ivone Ferreira, José António Domingues e Gil Ferreira.

Este último terá garantido a maior controvérsia quando decidiu apresentar um autor tão radicalmente anti-retórico como é o caso de Carlo Michelstaedter (que, aliás, é praticamente desconhecido entre nós). Foi assim que, no período do debate, procurei chamar a atenção para a inconsistência da crítica que Carlo Michelstaedter faz à retórica, e em grande parte, à própria palavra. Mas, como sempre, o tempo não dá para tudo. Acho, por isso, que comprei o que será, daqui para a frente, uma exigente disputa teórica com o Gil. "No problem". Foi uma boa compra.

11 junho 2007

CambalhOta do bom senso

Depois de Sócrates e Mário Lino terem jurado a pés juntos e várias vezes ao dia que a opção OTA era irreversível, a decisão que o Governo hoje anunciou de "estudar a localização do novo aeroporto em Alcochete é um regresso ao bom senso o qual, como diz Eduardo Pitta, do Da Literatura, nunca fez mal a ninguém. Mas na medida em que o Executivo dá o dito por não dito, tem razão o FAL, do Corta-Fitas, quando sustenta que se tratou de um "recuo". É certo que não se deve censurar agora o Governo por ter recuado, quando era precisamente isso que se lhe exigia. Se há até um tempo próprio para cada coisa, este será tempo de saudação e regozijo. Mas para isso é necessário que o Governo se torne também um exemplo de sã convivência democrática com os seus erros e não apenas com os seus acertos. É necessário, sobretudo, que não queira meter-nos pelos olhos dentro uma descabida pretensão de infalibilidade. Como, por exemplo, quando tenta transformar o dito "recuo" numa "atitude responsável". Tivesse o Presidente da Republica ficado calado e a dita "atitude responsável" não teria dado a cambalhota que deu. Essa é que é essa.

Excerto de um livro não anunciado (379)

A investigação de Damásio veio atestar o que até aí não passava de uma mera conjectura teórica: inteligência e emoção são indissociáveis na nossa racionalidade. E a relação de interdependência entre uma e outra é de tal ordem que, isoladamente, nenhuma delas cumpre sequer a específica função que ao nível do senso comum sempre lhe foi atribuída. Recordemos que embora a inteligência seja habitualmente relacionada com a capacidade de análise e de cálculo lógico - ao mesmo tempo que a emoção, neste tipo de operações, surge como fonte de perturbação do respectivo raciocínio - a verdade é que o paciente de Damásio não conseguia resolver satisfatoriamente pequenos problemas do dia-a-dia, apesar de manter intactas todas as suas faculdades intelectuais. Uma retórica orientada exlusivamente para o intelecto seria, portanto, um equívoco. Mas se a sensibilidade e a emoção nela podem jogar um papel determinante, então, já não restam quaisquer dúvidas sobre as vantagens do recurso ao conhecimento hipnótico. Porque é através da indução hipnótica que melhor se pode avaliar a real extensão e profundidade dos efeitos perlocutórios ou somáticos da palavra, enquanto mediador comum aos dois fenómenos. E nessa medida, o orador poderá ficar com uma noção mais aproximada quer do tipo quer da intensidade dos efeitos que se podem seguir se usar esta ou aquela expressão, este ou aquele procedimento. Alguns desses efeitos serão perfeitamente adequados aos objectivos de uma argumentação crítica. Outros, evidentemente que não. Terá, por isso, que decidir sobre quais os recursos retóricos por que deve optar. Essa sua decisão exige, como é natural, uma avaliação prévia dos respectivos efeitos, pelo menos, a dois níveis: ao nível da eficácia da própria retórica, onde a utilização de procedimentos hipnóticos pode potenciar a persuasividade do seu discurso mas também ao nível da intenção ética subjacente à sua argumentação, onde o conhecimento hipnótico lhe permitirá vislumbrar mais rapidamente e com maior clareza os inconvenientes desta ou daquela opção argumentativa.

A seguir: Conclusão.

09 junho 2007

A força retórica da ironia

(Para ler: clicar sobre a imagem)

08 junho 2007

Pode?

Pelos vistos, Carmona Rodrigues quer agora ser o que nunca foi: um independente. Mas que mal se pergunte: pode um homem de palavra fazer-se passar por independente sem o ser?

07 junho 2007

Excerto de um livro não anunciado (378)

O estudo comparativo da retórica e da hipnose parece pois amplamente justificado, sempre que se trate de aprofundar o conhecimento sobre o verdadeiro alcance das diferentes técnicas da persuasão discursiva. É que, se não em acto, ao menos em potência, a hipnose está sempre mais ou menos presente no contexto relacional ou intersubjectivo em que o homem se encontra e reconhece. Não é assim de estranhar que Moscovici faça da sugestão hipnótica o “modelo principal das acções e reacções sociais” (*) e Edgar Morin, em correspondência pessoal trocada com Chertock (em 13.08.1982), tenha afirmado que vê na hipnose “um dos nós górdios para todo o conhecimento, não somente do espírito humano, mas possivelmente, para compreender algo de vital” (**). Por outro lado, desde sempre que a retórica é, como se sabe, técnica de argumentar mas também arte de persuadir. E isso pressupõe, não só lucidez crítica, engenho e imaginação, como também apurado sentido estético, sensibilidade e emoção.

(*) S. Moscovici, (1981), L’Âge des foules, Paris: Fayard, p. 124
(**) Cf. L. Chertok, (1989), L’hypnose, Paris: Éditions Payot, p. 235

06 junho 2007

Bom regresso, Herman

E metia-me eu aqui, no post anterior, com o "tio" Herman, sem suspeitar ainda da "deserção" de Ana Bola que, somada ao anterior abandono de Maria Vieira, faz pensar numa possível desagregação da equipa do nosso mais loiro humorista. Era só o que lhe faltava: tendo deixado de persuadir o público, agora nem os próprios colegas consegue convencer. Só pode ser cansaço, saturação. Daí que, insisto, Herman deva parar enquanto é tempo, para não deixar que a sua eventual saturação alastre àqueles que durante anos e anos nunca se cansaram de o aplaudir. Sinceramente: bom regresso, Herman.

04 junho 2007

Hora H da palhaçada

O que se passa com o Herman? Que é feito daquele tempo em que tudo o que representasse, dissesse ou escrevesse trazia uma garantia de inteligência, de criação, de graça, de muita graça? Acabo de assistir a mais um episódio (com o devido respeito, leia-se, mais uma palhaçada) do seu Hora H e não o reconheço. Sinceramente, fico com a sensação de que o Herman vai ter que repensar tudo e voltar à linha de humor inteligente e arte de representação que dele fizeram o melhor humorista português de sempre. A menos que queira mesmo esbanjar o que com tanto mérito há muito conseguiu: o apreço e a simpatia do seu público.

03 junho 2007

A corrupção do debate

"Alguns debates são tão entrelaçados à identidade moral das pessoas que até poderíamos perder a esperança de que venham algum dia a ser resolvidos pela razão e pelos fatos. Psicólogos sociais descobriram isso com questões morais polémicas, especialmente aquelas nas quais liberais e conservadores dis­cordam, em que todos os combatentes estão intuitivamente convencidos de que estão certos e de que seus oponentes têm motivos inconfessos perversos. Discutem por respeito à convenção social de que sempre devemos expor as razões de nossas opiniões, mas, quando um argumento é refutado, não mudam de ideia, e se empenham ainda mais para encontrar um argumento substituto."

Steven Pinker, (2004), Tábula Rasa, S. Paulo: Companhia das Letras, p. 385

Não seria este um retrato fiel do nosso pobre debate político?

02 junho 2007

Excerto de um livro não anunciado (377)

Evidentemente que, apesar dos inúmeros pontos que têm em comum, não há qualquer dificuldade especial em saber se estamos perante uma situação retórica ou uma situação hipnótica. Para tanto, basta atender ao contexto espacial em que decorrem, ao contrato de comunicação subjacente e, principalmente, aos objectivos e efeitos que prosseguem. A entrevista da venda não se confunde com uma consulta hipnoterapêutica, nem a palestra ou conferência pública têm a teatralidade de um espectáculo de hipnose colectiva. O que mais exactamente pretendemos realçar é que, em certas situações, pode ser difícil distinguir entre comunicação retórica e comunicação hipnótica, se para o efeito tomarmos apenas como base as estratégias e as técnicas discursivas que nelas têm lugar. Somos assim confrontados com a extraordinária força perlocutória da palavra e o correspondente imperativo retórico de vigiar a sua intensidade, para que a sempre possível redução da capacidade crítica dos seus destinatários, não ponha em causa o sentido do próprio acto de argumentar.