Da hipotipose à retórica do arquitecto

Notório é o recurso à hipotipose, na manifesta intenção de dar a “ver” aquilo sobre que escreve: “imagine uma casa cercada de verde por todos os lados, uma ilha de sossego no caos urbano. Essa arquitetura do morar "natural", que não relega o jardim a mero papel coadjuvante”. Imagine, diz Olívia. E prossegue numa tão pictórica descrição que só não vê mesmo quem não quiser “olhar”: “Arthur resolveu "girar" a fachada original, para que a face principal estivesse à frente da piscina e do gramado”;“Fialho trabalhou com liberdade no terreno de quase 500 m² (…) misturando cores e texturas. E os painéis de vidro vão e vêm sobre os trilhos, o que favorece a circulação de ar”. Perante quadro tão impressivo e realista, será que alguém tem a coragem de dizer que ainda não conseguiu “ver” a casa?
A hipotipose, essa está-se mesmo a ver que foi aqui chamada para favorecer o elogio ao arquitecto brasileiro Arthur Casas, em particular, ao projecto de uma certa casa no Jardim Paulista. Ora é à mesma casa que teremos de regressar se quisermos perceber o menos vulgar sentido de retórica que nela Olívia Fraga descobriu. Pois diz a cronista que esta casa “apresenta a retórica característica do arquiteto - muita madeira (cumaru da fachada, pela Legno Marcenaria, preço sob consulta), pureza de linhas e ausência de barreiras visuais entre o estar e a cozinha”. Teríamos assim uma retórica do arquitecto que seria também uma retórica de muita madeira. Uma confusão, portanto.
Mas basta dar uma vista de olhos ao sub-título da crónica, para que tudo fique mais claro. A casa, afinal, sintetiza - segundo a cronista - as ideias de arquitectura de Arthur Casas. E por mais raro que seja este sentido de retórica, tantas vezes ela surge conotada com o discurso floreado e vazio, que é de louvar que Olívia Fraga a tenha referido às ideias, seu verdadeiro lugar.