30 janeiro 2005

Excertos de um livro não anunciado (217)

Uma vez situada fora dos conhecimentos científicos, dos sentimentos e das crenças religiosas e não se confundindo também com a mera informação, a opinião permite delimitar o espaço público de discussão que é, por excelência, o nosso quotidiano, onde a argumentação ocupa um lugar central. Um espaço público laico, assim o designará Breton, “feito dos mundos de representações que partilhamos com todos os outros seres humanos, das metáforas em que habitamos e que estruturam a nossa visão das coisas e dos seres. Estes mundos são, no fundo, criados pela argumentação, e é a argumentação que os transforma. Ela constitui a sua dinâmica essencial, a máquina que dá forma à matéria-prima das crenças, das opiniões, dos valores. Neste sentido, a argumentação é essencial para a ligação social. A ‘laicidade’ do espaço em que evolui e que circunscreve é uma dimensão essencial que lhe permite manter-se à distância de qualquer dogmatismo” (*)

(*) Breton, P., (1998), A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 33


A boa notícia

O BLOGUITICA vai continuar.
Aplausos para Paulo Gorjão.


29 janeiro 2005

Em que(m) votamos realmente?

"Em quem é que eu voto? (...) Já tive mais certezas do que as que tenho hoje." (*) - diz Pacheco Pereira. E continuando a leitura do seu post fica-se com a sensação de que, apesar de tanto ter criticado Santana Lopes, vai mesmo votar nele como potencial candidato a primeiro-ministro. Por muito que isso lhe custe, outro sentido não tem o voto no PSD, nas próximas eleições.

"Mas eu estou em oposição a Santana Lopes e não ao PSD", acrescenta. Claro. A retórica da dissociação, serve para isto mesmo: para fazer aceitar em separado o que estando unido se rejeita. Mas se o líder de um partido é assim tão mau, será que o partido nenhuma responsabilidade tem na sua escolha e aceitação? Não foi o PSD que o elegeu?

Em que(m) é que votamos, realmente? Num partido? Num candidato a primeiro-ministro? Numa maioria política (de deputados)? Num programa de governo? Numa equipa governativa? Isso é que nunca percebi, não percebo e já suspeito que nunca irei perceber.

(*) Post Crise de Representação (pontos 1 e 2)

O que é o livre-arbítrio?

"E se respondermos que o livre-arbítrio é a capacidade de agir em função da razão, estaremos também a eliminar o livre-arbítrio como correntemente o entendemos, pois estar determinado a agir segundo os ditames da razão revela tão pouco arbítrio como estar determinado a agir aleatoriamente, ou a agir em função do estado causal do mundo de há dois biliões de anos."

Desidério Murcho

(apresentando o livro "Free Will: A Very Short Introduction", de Thomas Pink, no Público)


23 janeiro 2005

Excertos de um livro não anunciado (216)

A informação é aqui entendida como traduzindo ou apontando para a objectividade, enquanto a opinião se apresenta como um ponto de vista que pressupõe sempre outro possível. Trata-se de uma distinção algo idealizada mas que ainda assim, no que respeita à argumentação, parece manter uma significativa operacionalidade. Assim, de acordo com Breton, quando alguém afirma está a nevar, fá-lo num contexto de informação, sem qualquer intenção argumentativa. Mas se disser está a nevar, portanto, vamos ficar no quente, este enunciado já se apresentará como elemento de uma argumentação. É, aliás, a distinção entre informação e opinião que faz com que o jornalista dê ao mesmo facto um tratamento diferente, conforme o objectivo seja informar o público ou fazer um comentário, emitir uma opinião.


21 janeiro 2005

À espera

Mais jantares, mais imagens, mais palavras. São as eleições à porta. As tais de onde o Sr. Presidente da Republica espera que saia mais estabilidade, mais competência e mais responsabilidade governativa. Vou esperar, também. Sentado.


Políticos do passado, políticos de hoje

Há 25 séculos que este filme permanece em cartaz (sessões contínuas):

SOCRATES para CÁLICLES: "Tinha eu, portanto, razão ao afirmar, nos meus discursos anteriores, que não sabia de nenhum bom político que tivesse existido nesta cidade. Tu excluías os políticos de hoje, mas exaltavas os do passado, com referência especial àqueles de que acabamos de falar. Mas estes revelaram-se afinal iguais aos de hoje (...)"

Platão, (1991), Gorgias, Lisboa: Edições 70, p. 198

15 janeiro 2005

Excertos de um livro não anunciado (215)

Por último, também os sentimentos que nos movem e nos comovem nada têm a ver com opiniões, independentemente da sua origem ser estética ou afectiva. De resto, a própria sabedoria popular reconhece essa distinção através da expressão “gostos não se discutem”. Pode-se ter uma opinião sobre determinada relação afectiva, mas não sobre os sentimentos que nela emergem. No mesmo sentido, um comentário em matéria estética, perfeitamente configurável na opinião, já não pertence contudo à própria arte, mas sim, a uma determinada ordem de racionalização valorativa.

Feita esta caracterização da opinião - nos precisos termos em que ela se constitui como objecto da argumentação - importa ainda assim não a confundir com a mera informação, mesmo se a fronteira entre uma e outra, nem sempre surge com muita nitidez. É que a argumentação não visa transmitir e fazer partilhar uma informação, mas sim, uma opinião.


13 janeiro 2005

A traição da metáfora

A Laurindinha, do Abrigo de Pastora, agradece-me o reparo, por ter aludido no meu anterior post à sua "escrita leve ou profunda, ao sabor da corrente". Mas manda a verdade dizer que o agradecimento supõe um mérito que manifestamente não tive.

Eu explico. É que não foi reparo. Referi-me a "escrita leve ou profunda" para testemunhar a amplitude analítica. Usei "ao sabor da corrente" para dizer o mesmo que "conforme a natureza do assunto o exigir". Vejo agora que não disse. Traição das palavras ou palavras traídas? Já pouco interessa. O que interessa é que fracassei. Não me soube dizer. Ainda bem que posso repartir culpas com a metáfora...

12 janeiro 2005

Um blogue distinto

Um blogue distinto. A escrita leve ou profunda, ao sabor da corrente. Mas sempre bonita. Sempre inteligente.

Venho agora de lá, mais uma vez.

Voltarei. Impossível não voltar. Lá. Aqui.

11 janeiro 2005

Sociedade bloqueada?

"Crónica de uma sociedade bloqueada" - foi o sugestivo título que João Oliveira Rendeiro (*) deu à sua análise da situação política actual, publicada há dias no Expresso (**). Transcrevo aqui apenas três das ideias gerais que conferiam o maior realismo ao próprio título:


Ao que chegamos:

...a conquista de poder pelos partidos é um exercício de poder ilusório, efémero e sem sustentabilidade que, no limite, não passa de mera distribuição de um Orçamento do Estado cada vez mais limitado.


Quem somos:

...os portugueses têm imenso talento verificável nas suas expressões individuais. A questão coloca-se quando têm que trabalhar em conjunto vindo sempre à memória o clamor do general de Roma sobre "...aquele povo que não se governa nem se deixa governar."


O que nos resta:

A questão é de políticas e não de partidos, restando saber em que medida as novas lideranças partidárias querem agarrar a sua oportunidade de ficar na História ou, antes, preferem exercer um poder efémero que dure até à próxima crise política.


(*) Presidente do Banco Privado Português
(**) Edição de 31 Dez 2004

08 janeiro 2005

Maiorias de primeira versus maiorias de segunda?

Para o VLX, do Mar Salgado, "foi um grande momento televisivo" aquele em que o Presidente da Republica veio à SIC-Notícias dizer que "é a favor de maiorias e que é preciso mudar o sistema eleitoral para que se formem mais facilmente maiorias absolutas". Peço desculpa de não concordar com a expressão "o presidente de alguns portugueses" pois parece-me insustentável a ideia de que um presidente deixe de ser o presidente de todos os portugueses só porque (naturalmente) não agrada a todos. Aliás, no que me diz respeito, é precisamente por considerá-lo o meu presidente que me sinto ainda com mais legitimidade para apreciar o modo como exerce o seu alto cargo.

Mas estou plenamente de acordo com a ideia de fundo no post de VLX . De facto, quando tempos atrás nos declarava que "um presidente tem que saber quando deve ficar calado" Jorge Sampaio não estaria, por certo, a referir-se a ele próprio. Então não seria preferível ter ficado calado em vez de vir confessar-se adepto de maiorias precisamente quando acaba de desfazer uma? Ou haverá maiorias de primeira e maiorias de segunda?



Excertos de um livro não anunciado (214)

Outro domínio que escapa à argumentação é a religião. A fé “partilha-se, comunica-se, mas não se explica nem se discute” (*). É certo que na religião, como salienta Breton, nem tudo é pura revelação ou fé no mistério, pelo que, naturalmente, também ocorrem debates, discussões. Mas tal como no caso dos cientistas, é necessário distinguir entre as discussões internas a uma crença e a argumentação que respeita a cada um na sua universalidade, pois não seria aceitável generalizar esse tipo de discussão a toda a sociedade humana, fazendo dele o centro de todos os debates.

(*) Breton, P., (1998), A argumentação na comunicação, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 31


07 janeiro 2005

Vem aí a imortalidade?

Como refere a "Visão" desta semana, Ray Kurzweil - um dos mais respeitados cientistas em inteligência artificial e Tierry Grossman - especialista em longevidade humana, acabam de publicar este surpreendente livro onde defendem que já a partir de 2020 o homem poderá aspirar ao rejuvenescimento e até, imagine-se, a viver para sempre.

Viver para sempre? Lê-se e não se acredita. Até porque se há alguma coisa garantida na vida, diz-se, é a de que "da morte ninguém nos livra". A morte sempre foi e continua a ser representada como absolutamente inevitável. Logo, isto de a morte poder vir a acabar dentro de duas dezenas de anos, mais parece uma piada de mau gosto.

E contudo, já Hans Jonas (1) reflectia sobre a possibilidade do progresso técnico-científico nos vir um dia a conduzir à imortalidade. Teve, é certo, o cuidado de alertar que se tratava apenas de uma das meras hipóteses que o actual ritmo de desenvolvimento científico impõe ao nosso pensamento. Mas logo acrescentou que o facto de tais ideias terem ascendido à dignidade de hipóteses já nos devia merecer a devida preocupação.

Em 2004, eu mesmo escrevi (2): "no mundo de hoje (...)os extraordinários progressos da biologia molecular, prometem (ou ameaçam?) fazer dissipar essa inevitabilidade da morte, prolongando e talvez até alargando indefinidamente a expectativa de vida, pela neutralização dos processos biológicos de envelhecimento. A morte surgiria assim já não como uma fatalidade própria da nossa natureza, mas como uma disfunção orgânica evitável ou, pelo menos, controlável, a ponto de permitir o seu adiamento."

O que Kurzweil e Grossman nos vêm dizer agora é que, dentro de alguns anos, a morte poderá não apenas ser adiada como evitada. Verdade ou ficção, em breve se saberá. Já conhecido é o facto deste tipo de profecias científicas tão pouco usuais entre os cientistas, ser muito frequente em Ray Kurzweil, cientista e tecnólogo agraciado pelo governo americano com a Medalha Nacional de Tecnologia 1999 cujo enorme optimismo quanto ao futuro do progresso tecno-científico pode ser facilmente avaliado pelo título que deu ao seu anterior livro "The Age of Spiritual Machines: When Computers Exceed Human Intelligence" (1999).

Mas as profecias parecem mais ajustadas à astrologia sentimental do que à ciência propriamente dita. Logo, é natural que suscitem alguma reserva ou até a total incredulidade. O problema é que "a maioria dos argumentos que apresenta parecem ser convincentes, todos o reconhecem como um génio em inteligência artificial e é respeitosamente reconhecido na própria comunidade científica. O suficiente, parece-nos, para nos interrogarmos: será ele que é demasiado optimista ou nós que insistimos num ignorante cepticismo?" (3)

1) Jonas, Hans, (1994), ÉTICA, MEDICINA E TÉCNICA, Lisboa: Vega, p. 48
2) Sousa, Américo, (2004), O HOMEM COM MEDO DE SI PRÓPRIO, Porto: Estratégias Criativas, p. 47
3) Ib., p. 102

Células estaminais: futuro com esperança

05 janeiro 2005

Santana versus Pôncio

A verdadeira política da igualdade:

Quem com facadas morre com facadas mata.

02 janeiro 2005

Engenharia de tecidos humanos (3)

A INVESTIGAÇÃO

(...) o cientista português Rui Reis (*) coordena um grupo de investigadores que lidera a única rede de excelência, a nível europeu, na área da engenharia de tecidos humanos. (...) O sucesso deste grupo de investigadores é tanto mais de realçar quanto se sabe dos entraves legais que são colocados, em Portugal, ao uso de células humanas embrionárias, ao contrário do que sucede, por exemplo, na vizinha Espanha, onde seria perfeitamente possível recorrer a tais células no mesmo tipo de experiências.


O TRAVÃO ÉTICO

São, regra geral, muito respeitáveis, os limites éticos que estão por trás das proibições legais deste ou daquele tipo de experiências na investigação científica. Mas será humanamente aceitável retardar por mais tempo a solução para tão graves e tão antigos problemas de invalidez ou incapacidade definitiva? Isto já para não referir os elevados custos sociais de todas as doenças ou acidentes incapacitantes que são provocados por lesão ou disfunção óssea. Conviria, talvez, que não se confundisse limitação ética com indefinição ética, nem ponderação com adiamento, quando, como é o caso, se trata de uma manifestação de ciência do mais alto nível.

(*) Eleito, em 2002, o jovem cientista europeu do ano em Biomateriais (Prémio Jean Leroy da European Society of Biomaterials)

in Sousa, Américo, (2004), O Homem Com Medo de Si Próprio, Porto: Estratégias Criativas

Engenharia de tecidos humanos (2)

Foi há dias criada a Sociedade Portuguesa de Células Estaminais e Terapia Celular que integra cerca de 70 investigadores e tem como seu primeiro presidente o cientista Rui Reis, coordenador do Grupo de Investigação em Biomateriais, Biodegradáveis e Biomiméticos da Universidade do Minho.

A iniciativa, a que porventura ainda não foi dado o devido relêvo, reveste-se da maior importância científica e ético-social, pois, como frisa Rui Reis ao Expresso (*) reune as pessoas mais abalizadas na respectiva investigação e passa a constituir-se como "interlocutor científico e necessário ao poder político quando for tomada a decisão de legislar sobre a manipulação de células estaminais em Portugal" (**)

É que, como defende o presidente desta novel sociedade científica, "para serem tomadas decisões políticas a este respeito, não basta ouvir os comités de ética. É necessário que os decisores conheçam e entendam a argumentação científica". E não só os decisores, mas também os próprios cidadãos em nome dos quais são feitas as escolhas políticas. Daí que o Professor Rui Reis pretenda fazer da sociedade a que passou a presidir também uma referência de esclarecimento para a população portuguesa que torne possível uma "discussão pública séria e informada que se liberte da repetição de ideias pré-concebidas, muitas delas erradas". Partilhar a excelência, é o que isto é. Notável.


(*) Expresso, 31 Dezembro 2004

(**) É tristemente eloquente que Portugal seja um dos cinco países da União Europeia que continuam sem legislação específica sobre esta matéria. Os restantes são: Malta, Chipre, Luxemburgo e Republica Checa.

01 janeiro 2005

Engenharia de tecidos humanos (1)

OBJECTIVO DA INVESTIGAÇÃO?
Descobrir novos materiais com aplicação biomédica, criar ossos, cartilhagens e pele com células humanas e polímeros naturais.

APLICAÇÕES?
Permitir implantes nos casos de defeitos ósseos, osteoporose, acidentes de viação e lesões desportivas, entre outras.

TECNOLOGIA?
Para o efeito, os cientistas envolvidos neste projecto recorrem a uma tecnologia híbrida que combina a engenharia de materiais com a biotecnologia, a partir da associação entre células indiferenciadas do paciente a quem se destinam os implantes e materiais de origem natural, tais como amido de milho, a caseína retirada do leite, a soja, a gelatina ou as algas. (*)

(*) Cf. Sousa, Américo, (2004), O Homem Com Medo de Si Próprio, Porto: Estratégias Criativas

Post it

Volto já.