30 setembro 2004

Wikipedia: enciclopédia "faça você mesmo"

Quem tenha lido a revista "Computadores" que acompanhava o Público da passada segunda-feira, reparou certamente no magnífico artigo que Pedro Fonseca consagrou à "Wikipedia", a enciclopédia virtual, aberta, colaborativa e gratuita que visa assegurar uma partilha mundial do conhecimento e de que João Miranda é um dos mais entusiásticos defensores.

Pedro Fonseca vai direito ao "calcanhar de Aquiles" deste tipo de enciclopédia, ou seja, às dúvidas que se levantam sobre a veracidade dos seus conteúdos, dado que nela "as pessoas podem escrever o que querem" , para além de não contarem com uma equipa de editores ou reconhecidos especialistas, que pudessem validar qualquer "entrada" na obra.

As opiniões dividem-se. Sem negar as apontadas dificuldades de controlo ou validação teórica próprias de um sistema de criação colectiva, há quem contraponha que estes projectos de "open source" oferecem uma garantia "sui generis", dado que são escrutinados por uma comunidade de milhares e milhares de leitores, que vai operando a devida correcção, quando necessária. Elucidativo o exemplo adiantado pelo Pedro Fonseca: "Alex Halavais, professor da Buffalo's School of Information inseriu 13 entradas incorrectas, as quais foram corrigidas no prazo de horas". Mas alguns erros inseridos propositadamente em entradas menos visitadas, ao fim de seis dias ainda não tinham sido detectados. O que sugere, no mínimo, que tal garantia não é tão homogénea quanto seria desejável. A meu ver, porém, nada que ponha em causa as enormes potencialidades deste projecto. Quem quiser conferir pode encontrar aqui a versão em inglês e ali a versão em língua portuguesa. Vale a pena uma visita.

O "pluralismo interno"

Programa "Quadratura do Círculo" a decorrer na SIC Notícias.

Sob o olhar atento de Carlos Andrade, Pacheco Pereira fala uma vez mais na necessidade do PSD e dos partidos em geral, cultivarem um pluralismo interno "a sério". José Magalhães e Lobo Xavier, acenam com a cabeça, num eloquente e imediato sim a esse pluralismo interno.

Aí apelo à minha memória e não me lembro de José Magalhães ou Lobo Xavier, no decorrer do programa, terem sido alguma vez os primeiros a denunciarem o líder ou quaisquer factos protagonizados pelos seus próprios partidos. O que Pacheco Pereira, honra lhe seja feita, não se cansa de fazer.

Concluo que não devem estar a falar os três do mesmo "pluralismo interno"...


28 setembro 2004

Excertos de um livro não anunciado (202)

(...) Idêntica precaução deve guiar-nos na escolha da metáfora mais eficaz do ponto de vista persuasivo, tanto mais que, quando integrada no processo de persuasão, ela pode ser vista como uma analogia condensada por fusão de um elemento do foro com um elemento do tema. Como descreve Perelman, “a partir da analogia A está para B assim como C está para D, a metáfora assumiria uma das formas “A de D”, “C de B”, “A é C”. A partir da analogia “a velhice está para a vida assim como a noite para o dia”, derivar-se-ão as metáforas “a velhice do dia”, “o anoitecer da vida” ou “a velhice é uma noite” 69. Dessas três formas possíveis, as metáforas do tipo “A é C” serão certamente as mais falaciosas, por se tender a ver nelas uma identificação, quando apenas se pode compreendê-las adequadamente através da reconstrução da analogia. (...)

27 setembro 2004

Governar: comunicar ou fazer?

O comunicado do primeiro-ministro Pedro Santana Lopes, a desmentir a alegada desarticulação com os seus ministros é, no mínimo, intrigante. Será que o primeiro-ministro, apesar de toda a sua experiência política e mediática, ainda tem a ilusão de que é com palavras que vai apagar ou ofuscar a evidência dos factos? Mais do que gastar o tempo a dizer o que é ou como funciona, o Governo deveria ser governo, simplesmente, isto é, deveria funcionar, concentrar-se nas tarefas que tem pela frente e mostrar obra feita.

É claro que é importante cuidar da imagem. Mas com factos, com trabalho, com projectos, com a tomada de medidas concretas, numa palavra, com efectiva governação. E não com comunicados de esclarecimento, mais virados para alterar ou manipular a opinião das pessoas sobre os seus governantes, do que propriamente para fazer luz sobre problemas como os da Galp, das taxas diferenciadoras do SNS, da colocação dos professores ou da presença da GNR no Iraque, onde a inépcia e a descoordenação ficaram bem à vista de todos.

26 setembro 2004

Nomear ou encaixar?

Do que mais gostei na palestra do Prof. Marcelo deste domingo, foi da pergunta que a certa altura o Júlio Magalhães lhe lançou sobre a nomeação de Celeste Cardona para a Caixa Geral de Depósitos: "É uma boa escolha?"

É que a pergunta tinha tanto de ingénua como de venenosa pois parece evidente que não se terá tratado de uma verdadeira escolha, ao menos, naquele sentido de se conseguir encontrar a pessoa mais apta para o respectivo cargo. No ar, fica mesmo uma grande dúvida: quem foi realmente escolhida? Foi a "Caixa" ou a nova administradora?

Talvez por isso, o Professor tenha fugido à resposta. Mas sempre foi chamando a atenção para o contraste entre as atitudes de Celeste Cardona e Manuela Ferreira Leite, pois sendo as duas ex-ministras, só a segunda voltou para a actividade profissional que tinha antes de entrar na política. Quer dizer, se calhar o Professor até respondeu...

25 setembro 2004

Pobre democracia

O Jornal de Notícias de hoje, traz aquela que é talvez a melhor ilustração de como decorrem habitualmente as campanhas eleitorais no interior de um partido político. Refiro-me, claro está, ao eloquente "cartoon" de Luis Lázaro que, embora caricaturando a actual situação do PS, serve também para retratar o que, em ocasiões análogas, igualmente se passa tanto no PSD como nos restantes partidos.

De facto, a luta política no interior de um partido para escolha do respectivo líder, em nada ou quase nada difere da que é habitualmente travada no seu exterior, contra os restantes partidos: as mesmas insinuações de aparelhismo e instrumentalização, as mesmas denúncias de caciquismo ou suspeitas conivências, as mesmas acusações de incompetência e falta de seriedade política. De preferência na praça pública, que é onde a mais pequena denúncia, por via de regra, recebe a desejada amplificação.

Mas não é tanto isto que impressiona, principalmente, quando corresponda à realidade. O que impressiona é o que, por sistema, acontece a partir do dia em que o líder do partido é eleito. Aí, todas as acusações mútuas se calam, desvalorizam-se as mais graves "troca de galhardetes" e tudo se desculpa com o "calor" da campanha eleitoral. Agora já só há olhos, de novo, para o que se passa fora do partido. Em nome da tão proclamada unidade, os "irmãos" temporariamente desavindos, voltam a dar as mãos para atacar as outras forças políticas, no governo ou na oposição. E as "munições" argumentativas são as de sempre: acusações de desvios à direita ou à esquerda, de radicalismo, de falta de conhecimentos, de inexperiência, de seriedade, de bom senso, enfim, falta de tudo.

Em linguagem bélica se poderia dizer que o que interessa agora é disparar, disparar, disparar e causar o maior número de baixas no "inimigo". Se nesse tiroteio vier a ser atingida alguma vítima inocente, isso logo se verá. É secundário. O que é urgente é conquistar o poder. Para trás, muito para trás, ficaram as desconfianças inter-pares que tinham vindo ao de cima durante a campanha para eleger o líder do partido. É tempo, finalmente, de dirigir aos outros as mesmas acusações de incúria, incapacidade, cegueira política, imoralidade e tantas outras que, ainda há bem pouco, se destinavam ao interior do próprio partido. E tudo isto, sem remorso, nem vergonha. Pobre democracia.


23 setembro 2004

Que unanimismo?

Segundo reza a sua crónica no Público de hoje, Pacheco Pereira pensa que o debate que se trava no PS o reforça e que o unanimismo no PSD o enfraquece, mas a sensação que fica é a de que faz uma breve referência ao primeiro com a única e deliberada intenção de se "atirar" ao segundo. O recurso retórico a que deita mão é claramente o da comparação, com o debate do PS a surgir, por assim dizer, como "modelo", ou, pelo menos, como exemplo do que também deveria acontecer no PSD.

O problema é que esta estratégia argumentativa da comparação só resulta suficientemente persuasiva quando a realidade escolhida para termo de comparação for manifestamente evidente, o que não acontece com o referido "debate do PS". É, de resto, o próprio Pacheco Pereira quem o admite, desde logo, quando escreve "não sendo o debate no PS muito interessante do ponto de vista político-ideológico". Ora se não é muito interessante do ponto de vista político-ideológico, como pode ser uma boa referência para o PSD ou para qualquer outro partido?

Não sei de que "unanimismo esmagador" ou "anomia partidária" fala Pacheco Pereira, mas quem desconhece que dois dos seus mais destacados militantes, Marcelo Rebelo de Sousa, e ele próprio, não perdem uma ocasião para criticar publicamente o governo e as mais altas chefias do seu próprio partido? Evidentemente que não se põe em causa a democrática liberdade de expressão e de exercício crítico. Mas isso também não significa, ou creio que não pode significar, que um cidadão responsável saia à rua todas as semanas, ou todos os dias, para dizer mal da liderança do seu partido ou "para deitar abaixo" o governo que o seu partido maioritariamente integra. E, salvas as devidas proporções, é mais ou menos isso que tem sido levado a cabo pelos dois distintos comentadores.

Certo ou errado? Tenho as minhas dúvidas. Por um lado, o partido (conjunturalmente, no governo) só tem a ganhar com o rigoroso escrutínio e a participação crítica dos seus militantes. Por outro, não parece nada desprezível o descrédito ou desgaste de imagem que se segue a cada reprimenda pública dos seus próprios militantes, por vezes, com uma frontalidade e exigência política de fazer inveja à melhor Oposição.

Mas sabendo-se como são decisivas as expectativas dos agentes no sucesso ou insucesso de qualquer governação, surge um primeiro problema que é o de saber até que ponto se justifica que um comentador político continue como militante no activo de um partido. Que solidariedade política pode o partido esperar dele? Que isenção partidária lhe pode ser reconhecida como comentador? Não se arrisca o "comentador-militante" a ser "preso por ter cão e por não ter"?

Segundo problema: o princípio de igualdade entre os militantes. Se os militantes- comentadores "dizem mal do partido em público" sem qualquer advertência do partido, todos os militantes terão o mesmo direito (sob pena de existirem militantes de primeira e militantes de segunda). Ocorre perguntar: que partido político seria possível formar e manter onde todos os militantes desatassem a criticar o próprio partido como o fazem habitualmente Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa (mas não só estes)?

Parece então que Pacheco Pereira terá, desta vez, escolhido mal o termo de comparação já que se há um partido onde não vem reinando o unanimismo é o PSD. Aliás, face ao que se tem visto, poderia mesmo dizer-se que enquanto Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa forem militantes do PSD nunca este será um partido unanimista. A evidente discordância de Manuela Ferreira Leite e Teresa Patrício Gouveia quanto ao modo como se processou (também no PSD) a escolha do actual governo, as eternas divergências entre Rui Rio e Luis Filipe de Menezes ou o desentendimento entre membros do PSD no executivo camarário do Porto são apenas mais alguns exemplos de falta da alegada unanimidade no PSD. Mas muitas mais haverá, que nem sempre chegam à rua ou aos jornais. Como é natural e, em muitas ocasiões, até desejável. Se tenho um reparo a fazer a um colega da minha equipa, procuro-o e digo-lhe o que tenho a dizer-lhe, em privado. Só em última ratio o tornaria público. E isto, em nome das regras mínimas de tolerância e cortesia que devem imperar nas relações entre pessoas. As mesmas pessoas, por cujas necessidades, anseios e sentimentos os políticos se devem bater.

Mas o mais curioso é que a haver algum receio de que o "unanimismo" de que fala Pacheco Pereira se viesse a instalar em algum dos dois grandes partidos portugueses, seria até mais provável que tal viesse a acontecer no seio do PS, pois como se pode ler no mesmo Público de hoje (p. 14), José Sòcrates, em entrevista ao programa da RR, "Diga lá Excelência" já fez o seu primeiro aviso à navegação: "O debate que está a haver no PS é positivo, mas, uma vez eleito o novo líder, é preciso unir o partido". E o título da entrevista não deixa margem para dúvidas: "José Sócrates manda calar adversários depois do congresso". O que quer dizer, afinal, que o debate em curso no PS visa unicamente escolher o responsável máximo pelo partido e que o candidato já dado pelas sondagens como folgado vencedor não vai querer mais "conversa" depois da sua eleição. Ora, ora... e foi este termo de comparação que Pacheco Pereira foi buscar? Mas como poderia o PSD estar com um idêntico debate sobre eleições partidárias se, mal ou bem, já tem o seu líder escolhido?

Retórica da clonagem-2

Há o medo horrível de sermos todos clones uns dos outros. Isso é um enorme disparate, baseado num medo primário. (...) a única crítica que faço à clonagem é que, tecnicamente, ainda estamos muito longe de a conseguir fazer. A minha objecção é, por isso, técnica e não ética. [Um clone] é uma cópia genética, mas é um indivíduo completamente diferente (...) O facto de serem iguais geneticamente não faz com que sejam a mesma pessoa.

Alexandre Quintanilha

(Revista Nova Gente, da semana passada)


Eu acho que a Igreja não se deve opor à investigação científica. Não concordo com a clonagem humana e quem me tem influenciado nesta matéria são os cientistas. Contudo, por exemplo, aprendi que do ponto de vista terapêutico determinados órgãos clonados têm uma finalidade. Nesse caso, estou perfeitamente de acordo.

D. Januário Torgal Ferreira, Bispo das Forças Armadas

(na Focus de 15.09.2004)


Não sei o que merecerá mais realce: se o optimismo científico de Alexandre Quintanilha, se a visão progressita de D. Januário Torgal Ferreira. O primeiro, chegando ao ponto de temer mais a clonagem cultural do que da clonagem genética. O segundo, abrindo caminho para que a Igreja venha a aceitar a chamada clonagem terapêutica. Subsiste, é certo, uma profunda divergência quanto à clonagem reprodutiva. Mas até quando? Nâo virá a ser a própria clonagem reprodutiva, muito em breve, olhada apenas como mais um modo de reprodução humana? Precisamos de nos inteirar sobre o que está em jogo, que valores deverão ser prioritariamente defendidos e, principalmente, saber se em algum caso a humanidade ficará exposta a abusos ou manipulações que possam conduzir à sua própria auto-destruição. Nesse sentido, é de enaltecer a entrevista agora concedida pelo cientista Alexandre Quintanilha à revista Nova Gente num sinal claro de que a divulgação científica em portugal quer mesmo chegar a todas as camadas da população. Muito bem.

21 setembro 2004

Excertos de um livro não anunciado (201)

Semelhança, portanto, da relação existente entre os termos A e B (do tema) com a relação em que se encontram os termos C e D (do foro). E é precisamente esta semelhança das duas relações que permite a transferência de valor do foro para o tema e do valor relativo dos dois termos do foro para o valor relativo dos dois termos do tema. O raciocínio por analogia obedece, pois, a uma forma mais ou menos estável que permite a ligação da relação anterior (já admitida) com a relação posterior (que se quer mostrar), forma essa que assenta no recurso aos termos de ligação “assim como...” e “também...” que antecederão a descrição de uma e outra. Condição essencial é que se proceda a uma criteriosa escolha do foro, sob pena de se obter um efeito contrário ao pretendido e, em certos casos, cair até no ridículo. Dizer, por exemplo, que um respeitável rei merece a coroa, como um ladrão a corda, adverte Perelman, pode exprimir o mais nobre espírito de justiça, mas é certamente uma forma extremamente infeliz, se não mesmo, rísivel, de a afirmar, dado o despropósito de uma tal aproximação.

19 setembro 2004

Parabéns "bombásticos"

Parabéns à Carla Hilário de Almeida Quevedo. Parabéns para ela e parabéns para mim, que tenho o prazer de a ler dia após dia, sempre com a renovada expectativa de partilhar dos seus ensinamentos, mas também da sua alegria pela vida, pelos seus prazeres de estimação (vide Madona), do cuidado e da gentileza com que se refere aos outros "bloggers". Sempre tecendo os seus bem humorados comentários, sempre disponível para comprender, tolerar e incentivar, a Carla é hoje, indiscutivelmente, uma referência da blogosfera nacional. Por certo que concordarão comigo: uma pessoa assim... merece ficar de parabéns todo o ano.

18 setembro 2004

Horror Mediático-2

Posso propôr uma solução? Posso?
Que as notícias deixem de ser acompanhadas por música, evitando assim o "nojo" e a "repugnância" pelos editores e pelos responsáveis das montagens dessas peças supostamente noticiosas...

Pedro Fonseca, no ContraFactos&Argumentos

*

Mas preconizar a retirada pura e simples da música como solução para esse problema, não será antes eliminar o próprio problema em vez de o solucionar? Como está bom de ver, se tiramos a música, também tiramos o problema. E não havendo problema, para que precisamos da solução?

A solução só interessará, pois, quando respeite ou se adeque à especificidade do media, no caso, a televisão, com toda a sua gama de processos ou formatos de registo e reprodução. O que está em causa, diga-se desde já, é saber como usar um tão poderoso meio de comunicação que nos permite aceder à palavra e à imagem, ao som e ao vídeo, logo, também à sua múltipla e simultânea utilização. Pelo que não se trata de evitar um recurso mas de saber utilizá-lo, o que é, como se sabe, substancialmente diferente. Uma coisa é certa: seria hoje impensável confinar a televisão ao registo visual, equiparando-a, por assim dizer, a mera imprensa electrónica.

É evidente que a retirada da música durante a passagem das imagens, sempre pode ser defendida por questões técnicas de edição ou até, meramente estéticas. Mas não foi esse o caminho seguido por qualquer dos comentadores a que me referi. Reitero, por isso, que, embora muito respeitando as diferentes sensibilidades em apreço e o seu reconhecido valor intelectual, sou contra o exagero de generalização e de dramatismo que, a meu ver, esteve presente nas suas reacções.

Vantagem para Manuel Alegre

"Manuel Alegre tem uma penetração maior no sexo feminino" (SIC)

Esta hipotipótica afirmação acaba de ser feita, na SIC, por Rui Oliveira e Costa, conhecido especialista em sondagens, a propósito dos trunfos de cada um dos candidatos dispõe para chegar a secretário-geral do PS. E confirma-se: a língua portuguesa é muito muito... divertida.

15 setembro 2004

Há dias assim

Há dias assim, que nos empurram para o ano seguinte. Mais um. É assim todos os anos. Mas desta vez o programa das festas inclui um número especial: um brinde à vossa saúde. Tchim-tchim.

14 setembro 2004

Excertos de um livro não anunciado (200)

(...) Quanto à analogia, Perelman começa por apresentá-la como “uma similitude de estruturas cuja fórmula mais genérica seria: A está para B assim como C está para D” *, após o que - depois de designar por tema o conjunto dos termos A e B (sobre os quais recai a conclusão) e por foro o conjunto dos termos C e D (que estribam o raciocínio) - faz incidir a sua força probatória no pressuposto (nem sempre confirmado) de que, “normalmente, o foro é mais bem conhecido que o tema cuja estrutura ele deve esclarecer ou estabelecer o valor, seja valor de conjunto seja valor respectivo dos termos” **. Mas como diz Paul Grenet, citado por Perelman, “o que faz a originalidade da analogia e o que a distingue de uma identidade parcial, ou seja, da noção um tanto corriqueira de semelhança, é que em vez de ser uma relação de semelhança, ela é uma semelhança de relação” *** (...)

* Perelman, C. e Olbrechts-Tyteca , (1999), L., Tratado da Argumentação, S. Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 424
** Ibidem
*** In ibidem

12 setembro 2004

Horror mediático

Há uma semana atrás o músico e compositor António Pinho Vargas trouxe à sua crónica do Público um facto televisivo que, não sendo novo, foi a primeira vez que vi ser abordado à luz de uma certa estética mediática. Sintetizando:

O facto:

Anteontem [dia 3 de Setembro] fiz um esforço para chegar a casa a tempo de ver as noticias às 8 horas sobre o desenlace do assalto terrorista na Russia. (...) Vi as notícias, as imagens de terror, tirei as conclusões que pude mas no final vi outro objecto digno de análise. Antes de avançarem para outros assuntos do dia, a SIC e a TVI - nao vi na RTP - passaram resumos de 30 ou 45 segundos do já mostrado. Sem palavras e com musica.

O comentário:

Este momento realiza a passagem para a estetização do horror. Não acrescenta nada às notícias, mas configura urn formato determinado dos 'media'. Num caso com música lugubre, próxima das atmosferas mais sinistras de Bruckner, com incidência no plano da menina loira dentro de um carro, no outro, com música mais dissonante e rítmica, no estilo dos herdeiros modernos de Stravinsky dos filmes de acção de Hollywood: planos de automóveis e ambulâncias a grande velocidade, soldados ou pais a correr com crianças mortas ao colo. Escrevo e é-me insuportável o que escrevo. Tento descrever o que vi e ouvi mas a minha descrição ofende-me. O resumo que estetiza o horror desloca-se do simples registo noticioso para o do 'videoclip' da catástrofe. (...) Que áudio-mundo é este que estamos a fazer?

Curiosamente, João Mário Grilo traz o mesmo assunto à sua crónica na Visão desta semana, onde, não só se solidariza com a interpretação crítica de Pinho Vargas, como vai mais longe, e a meu ver, com o devido respeito, longe de mais:

(...) também eu escrevo, sendo-me insuportável o que escrevo. Também ouvi a música, também vi esse ensaio de «cineminha» desprezível, também assisti a utilização das fotografias para «sentir o drama», momentaneamente traído pela «informação» e pelo movimento. Nas palavras de Antonio Pinho Vargas reconheço, então, o mesmo caminho que agora percorro e em que a minha consciência se debateu durante uma semana. Daí a hesitação inicial. Mas também eu sei o quanto é preciso dizer (gritar) em que coisa nojenta se converteu - conscientemente - a televisão, e que é, à sua maneira, uma espécie de terrorismo de massas e planetária. O nojo é, porém, urn sentimento complexo. E uma forma de recusa, de repugnância, mas também uma forma especial de cólera.

Sucede que também vi as mesmas imagens. Também escutei a mesma música. E concordo, claro, que esta última conferiu às imagens uma outra força evocadora, uma maior intensidade dramática. Mas Pinho Vargas vem dizer que passar essas imagens “sem palavras e com música” leva à “estetização do horror” e “não acrescenta nada às notícias”. Conceda-se no que respeita à “estetização do horror”, apesar da reconhecida polissemia dessa expressão. Lembremos porém que a estética não se limita ao domínio do maravilhoso nem desaparece com a própria morte. Podemos, por isso, discordar de certa linha estética sem pôr em causa a estetização propriamente dita, que, queiramos ou não, tem as suas raízes mais profundas, na nossa cultura perceptiva. Outra coisa, no entanto, é afirmar que a passagem dessas imagens com música “não acrescenta nada às notícias”. Porque é evidente que se nada acrescentasse às notícias, também nada haveria para criticar. Acrescenta e, tanto acrescenta, que suscitou a reacção de Vargas, Grilo e certamente outros mais. Dir-se-á que acrescentou algo mas que o que acrescentou, em nada contribuiu para a transmissão da notícia, isto é, não aumentou o seu “quantum” informativo. Só que em matéria noticiosa, privilegiar o elemento quantitativo é, como se sabe, não apenas limitador como ofensivo do próprio critério jornalístico. Além disso, nenhum meio de informação, nenhum “media”, pode ignorar as condições de recepção das suas notícias, pois sem audiência não há qualidade de informação que lhe permita sobreviver. Não pode por isso surpreender que também ao nível do pathos, onde se jogam, afinal, a emoção e o agrado, cada “media” procure criar as melhores condições de recepção aos seus leitores, ouvintes ou tele-espectadores.

É certo que já não tenho bem presentes na minha memória as imagens e as precisas características da música que induziram a reparos tão veementes. Mas sei que vi e ouvi, sem outro constrangimento que não fosse o da crueza da realidade que ia sendo mostrada. Diversamente de Vargas e de Grilo, vi nesses 30 a 45 segundos de repetição das principais imagens da reportagem, não a exploração gratuita da sensibilidade do telespectador mas, mais exactamente, um tempo adicional de sintonia com o drama, uma forma de o recapitular, agora já num contexto de maior serenidade, passado que fora o tremendo impacto da notícia. Terão sido, para muitos, os primeiros momentos de reflexão sobre tão trágico acontecimento. Para outros, pelos vistos, só suscitaram nojo, repugnância. É natural, principalmente quando domine o gosto e o temperamento. Natural e humano. O que já não parece natural nem recomendável é que se caia na radical generalização de considerar que a televisão é “cega na sua paranóia (ridiculamente cinematografica, «a americana»)” e “à sua maneira, uma espécie de terrorismo de massas e planetária”. Principalmente quando se apontam os erros sem indicar as soluções.



Nota:

Pela minha parte devo dizer que foi o horror da própria realidade que profundamente me chocou e não o maior ou menor desacerto deste ou daquele procedimento técnico ligado à respectiva transmissão televisiva.

Abençoado sadismo

Diz Cáceres Monteiro, na Visão desta semana, que Paulo Portas, ainda a propósito do famoso "barco do aborto" "chamou as três televisões para uma comunicação sobre o assunto", nos telejornais das 13 horas da passada terça-feira, mas que 1 minuto depois de o ministro começar a falar, as ditas televisões, em simultâneo, retiraram-no do ar. Parece que há poucos dias, acontecera o mesmo nos telejornais das 20 horas. Gostei da notícia e não menos do comentário de Cáceres Monteiro:

É um hábito ridículo e provinciano este de convocar as conferências de imprensa para a hora dos telejornais. As televisões respondem à convocatória governamental e, mal os ministros começam a falar, passam para outro assunto, porque as audiências são preciosas. Chega a haver, na forma como o fazem, algum requinte de sadismo.

10 setembro 2004

A surripiada fraternidade

Com a pujança retórica que lhe é reconhecida, Manuel Maria Carrilho assinava na passada terça-feira, no Público, um artigo sobre a eleição do próximo secretário-geral do PS, onde começava por frisar que tal eleição deve servir "não para estender uma passadeira vermelha aos pés da ambição deste ou daquele militante por este ou aquele cargo" mas sim "para que o partido escolha alguém com capacidade para o servir em todas as circunstâncias". Logo aqui percebe-se a "indirecta" da "ambição pessoal" que, seguramente não é dirigida para Manuel Alegre, o seu candidato. Logo aqui nos podemos interrogar, igualmente, sobre a pertinência de tal insinuação quer no plano da racionalidade argumentativa quer no que se prende com a indispensável ética da discutibilidade. É que, para além do mais, há-de reconhecer-se que, do facto de um candidato ter ambição pessoal por determinado cargo, não se segue que seja incapaz de o exercer. Inclino-me mesmo a admitir que quem tenha como meta pessoal vir a ser secretário-geral de um partido, terá, regra geral, a inerente ambição ou propósito de fazer um bom mandato, sabendo-se, como se sabe, que se trata hoje de um lugar permanentemente sujeito ao escrutínio mediático, à implacável apreciação dos cidadãos e, cada vez mais, também, à cobiça dos seus pares. Não se queira, por isso, fazer passar por defeito o que, num homem de acção, mais parece virtude: ter ambição pessoal.


Seria realmente desejável, para não dizer exigível, que a campanha em curso para eleição do futuro secretário-geral do PS, se traduzisse numa exemplar afirmação de humanismo pluralista e democrático, com a troca de ideias e a avaliação de projectos dos diferentes candidatos a decorrerem num clima de grande abertura, de tolerância e, acima de tudo, sem ataques pessoais. Mas perante o “reality show” a que se tem assistido, está visto que seria pedir de mais. Os protagonistas das diferentes candidaturas "engalfinham-se" numa tão absorvente campanha de mútuas desqualificações públicas que mais parecem actores pertencentes a um qualquer grupo de teatro subsidiado pelo governo para distrair e afastar a atenção das suas decisões mais polémicas ou até para esconder da opinião pública erros ou insucessos na sua condução política. Assim, "abençoado PS que nos proporcionais tão imerecido descanso", poderia muito bem ser a oração diária dos actuais governantes.


Foi, pois, com natural agrado que, ainda na parte inicial do artigo "político-partidário" a que aqui me refiro, deparei com um Carrilho exemplarmente pedagógico, a preconizar que o debate entre os candidatos e os seus projectos "deve ser tão frontal como fraterno, tão exigente como generoso". Aqui está o apelo que faltava para serenar os ânimos mais destemperados em cada uma das candidaturas – foi o que imediatamente disse de mim para mim. Fiquei tão curioso que a leitura de todo o artigo tornou-se obrigatória e até urgente. É que dos quatro atributos preconizados pelo autor do artigo – frontalidade e exigência, fraternidade e generosidade – já podía fazer uma ideia dos dois primeiros, que há muito entraram nesta campanha eleitoral partidária (veja-se o rigor das trocas de acusações). Mas quanto aos restantes, era caso para perguntar: em que tipo de fraternidade e generosidade estaria a pensar Manuel Maria Carrilho? Dúvida efémera, a minha, como adiante se verá.

Precipitei-me então sobre o texto integral do artigo à procura de exemplos práticos dessa tão preconizada fraternidade e generosidade. Porque, tendo em conta que Carrilho é, por sinal, destacado apoiante de uma das candidaturas, nenhum exemplo poderia ser mais fiel ao seu pensamento do que aquele que decorre da sua própria prática, no caso, do seu discurso. E fiquei esclarecido. O mínimo que se poderá dizer é que a fraternidade a que apela Carrilho é, afinal, uma fraternidade... minimalista, tão minimalista que lhe permite ainda classificar como deplorável a mera recusa do seu companheiro José Sócrates em fazer debates a dois com os outros candidatos.

Se Carrilho não concorda ou não aceita essa recusa deveria vir a público dizer isso mesmo, que discorda da recusa de Sócrates ou que a acha até, por exemplo, democraticamente inaceitável. Em qualquer caso, sempre adiantando as razões da sua discordância, coisa que não faz neste artigo, apesar da sua evidente intenção persuasiva. E querer persuadir sem avançar com razões é sinónimo de retórica negra (manipuladora), como bem assinala o seu amigo Michel Meyer. Estamos, pois, perante uma estranha “fraternidade” que leva um companheiro a denunciar publicamente a decisão de outro companheiro e a rotular essa decisão com o termo que lhe terá parecido de todos o mais “generoso”: deplorável.

É, por certo, essa mesma estranha “fraternidade” que leva Carrilho a apontar os “problemas que a candidatura de José Sócrates tem com a verdade”. Mas o que é que isto quer dizer? Será algo muito diferente de chamar mentiroso ao respectivo candidato? O autor do artigo dá uma ajudinha na resposta quando abandona os eufemismos e passa a acusar a referida candidatura de “iludir a duplicidade e o calculismo da sua longa e quase secreta preparação”, “negar o ilegítimo aparelhismo da sua organização”, “disfarçar o comodismo das suas propostas”. E, para que nenhuma dúvida fique a atormentar o espírito do seu leitor, Carrilho remata com a mais “fraterna” de todas as suas afirmações sobre o seu companheiro de partido: “seria grave que o PS pudesse um dia ser conduzido por alguém que anda por aí com um currículo em parte surripiado, em parte escondido!”

Li e não acreditei. Seria grave? Currículo em parte surripiado? Com tiradas destas... nem a retórica nos pode salvar. Mas convenhamos que se alguma coisa foi surripiada talvez o tenha sido a própria fraternidade, aquele verdadeiro sentimento amigo e leal, que nem o mais voraz apetite político teria conseguido destruir.

08 setembro 2004

Retoma

Depois da viagem seguiram-se alguns dias de relaxantes férias domésticas. Oh coisa boa. Sinto-me agora mais preparado... para a retoma. Até já.