30 dezembro 2007

Até

Helena Pereira (*), escreve no Sol de ontem:

"Até Vital Moreira, um acérrimo seguidor deste Governo, já saiu a público a defender a remodelação."

O que aqui chama a atenção não é a notícia (Vital Moreira defender a remodelação) nem tão pouco a opinião (acérrimo defensor deste governo) mas antes a circunstância de toda a força retórica da frase se reconduzir a uma única, breve e primeira palavra: "Até".

(*) Com António Costa e Eunice Lourenço

Gaba-te cesta que vais à vindima

Não é de agora a tendência de Sócrates para o auto-elogio, mesmo quando está entre os "seus", como foi o caso do último jantar do grupo parlamentar socialista. Ora o meu agente de seguros, que é um exímio vendedor, costuma dizer, meio a sério meio a brincar, que só se auto-elogia quem não tem quem o faça por ele. Não acredito que seja o caso de Sócrates. Mas que o tique, de tão obsessivo, o dá a parecer, dá.

26 dezembro 2007

Adeus remodelação

Não acredito que o Primeiro-Ministro vá, a curto prazo, remodelar o seu governo.

Primeiro, porque Sócrates é, por natureza, avesso às remodelações. Uma remodelação é sempre de alguma forma, um confessado meio fracasso. E Sócrates, não admite (confessar) fracassos. O mais mediático dos governantes pós-25 de Abril olha ao pormenor, quando se trata de salvaguardar a sua imagem pública e a do governo a que preside. Não se trata de defender os ministros ad eternum, mas tão só de evitar a sua ostensiva demissão. A solução é engenhosa e, ao mesmo tempo, linear: primeiro saiu Campos e Cunha. Não foi demitido. Depois saiu António Costa. Não foi demitido. Agora já se fala que Manuel Pinho vai sair para a Caixa Geral de Depósitos. Não será, portanto, demitido. E jamais será necessário remodelar um governo onde forem saindo os ministros do descontentamento. Sem serem demitidos.

Segundo, porque depois de
Vital Moreira lhe ter dito (publicamente) o que deveria fazer (uma mini-remodelação para daqui a dias), a Sócrates só restam duas hipóteses: ou não vai por aí, ou dividirá com Vital o mérito da hipotética mexida. E como, ao que parece, dividir não é o seu forte, adeus remodelação.

Factos novos, percepção antiga?

"Há épocas em que a realidade humana, sempre móvel, se acelera, se embala em velocidades vertiginosas. A nossa época é deste tipo, porque é de descidas e quedas. Daí os factos terem deixado para trás o livro. Muito do que nele se enuncia depressa foi presente e já é passado."

Quem assina estas palavras, limitou-se a fazer o que agora está muito na moda: publicou em livro (*) as crónicas que escrevera para o jornal. Mas a curiosidade não vem daí. O que é curioso é que o seu autor, Ortega y Gasset, já as tenha escrito no longínquo ano de 1927, ou seja, há oitenta anos atrás. Arrisco, por isso a dizer que, provavelmente, mudaram muito mais os factos do que a nossa maneira de os percepcionar.


(*) Ortega y Gasset (2007), A Rebelião das Massas, Lisboa: Relógio D'Água

24 dezembro 2007

Retórica religiosa: discutir o indiscutível?


Começou assim a excelente entrevista que o Pe. Anselmo Borges deu à Notícias Magazine do JN de 09 Dez 2007:

Quem é Deus?

Deus é o mistério último da realidade, e para os crentes das religiões monoteístas Deus é pai, é misericórdia e é o sentido último da existência, do mundo, da Histórias.

A ideia de Deus é sempre sinónimo de "ultimidade" (...). Que palavra definitiva. O que significa?

Quando dizemos "ultimidade" estamos a tentar dar resposta ao nosso perguntar sem limites. Trata-se da da realidade última, que nós não podemos captar. O fundamento último, e também o sentido último. Na nossa vida há sempre um momento em que nos perguntamos qual é o sentido de todos os sentidos, e aí estamos no domínio religioso"


***

Não sei se quando nos perguntamos sobre qual é o sentido de todos os sentidos estaremos forçosamente no domínio religioso, mas essa é uma questão que pode esperar. Por agora oponho-me apenas à tão frequente racionalização do divino. Se Deus é o mistério último da existência - como o Pe Anselmo Borges reitera na sua entrevista à NM - que sentido terá responder à pergunta "Quem é Deus?". A palavra "mistério", segundo reza, por exemplo, aqui, significa uma "verdade dogmática da religião católica que é objecto de fé e que é impenetrável à razão humana" ou, mais claramente, ainda, "aquilo que é incompreensível, que não é explicável". De que vale então persistir em explicar o inexplicável, em fazer compreender o incompreensível ou discutir o que não tem discussão? É que do facto de se poder perguntar sem limites não se segue que se tenha de ter respostas para tudo. Tanto mais que quem o fizer se arrisca a deixar a ideia de que o sentimento religioso se confunde com ignorância, ou seja, com tudo aquilo que o homem ainda desconhece, o que é, como se sabe, rematadamente falso.

19 dezembro 2007

Ganhar ao almoço um dia perdido

Nesta segunda feira andei cinco horas de carro para ir a um almoço. Duas horas e meia para lá, mais duas horas e meia para cá: Porto-Covilhã-Porto. Lógico que não era um almoço qualquer. Era o almoço de Natal da equipa de investigadores do LabCom da UBI, presidido pelo seu fundador e actual director, Prof. António Fidalgo. Ninguém quis faltar. À mesa farta do ultra-panorâmico restaurante "Pátio dos Sabores", da Covilhã, chegou então não apenas a eleita comida mas também a retórica de um animado debate académico sobre tudo e sobre todos, que, em alguns casos, se prolongou mesmo pela tarde fora. Reforçado saiu, também, o companheirismo. E a amizade. Foi muito interessante e informativo. Tão interessante e informativo que regressei ao Porto, já noite, com a certeza de ter ganho o dia que perdera. Só para não faltar ao almoço.

16 dezembro 2007

Jornalismo cosmético

Depois do que escrevi aqui e aqui, reparo que esta senhora consultora de beleza continua a fazer jornalismo, ou melhor, que esta senhora jornalista insiste em dar conselhos de cosmética no Jornal de Notícias, onde para o efeito mantém um consultório de beleza. Desta vez, a jornalista (que apenas como jornalista se intitula) faz de consultora de beleza especializada em cabelos oleosos e desata a dar conselhos não menos oleosos à suposta leitora Ema Gonçalves:

Leitora: Tenho o cabelo oleoso e lavo-o todos os dias, embora já me tenham dito que não o devia fazer. Existe algum tratamento para resolver este problema?
Jornalista: A oleosidade tem origem na pele do couro cabeludo que, tal como a pele do rosto ou do corpo, pode ser seca, oleosa ou normal. O que acontece é que depois se espalha pelo cabelo. Quando a produção do sebo é excessiva, os cabelos adquirem rapidamente um aspecto "gorduroso", que é mais evidente perto das raízes. (...) O que interessa é o seguinte: a produção das glândulas sebáceas, seja no couro cabeludo ou noutra área de pele, está relacionada com características genéticas e com o sistema hormonal de cada pessoa, nos quais os tratamentos cosméticos não actuam.

Depois de tanto relambório, o que interessa, agora digo eu, é o tipo de tratamento que a jornalista-conselheira-de-beleza acaba por "prescrever" à leitora: o uso de um vulgar champô para cabelos oleosos. Estou em crer, por isso, que, como consultora de beleza, não irá além da cultura cosmética do mais vulgar supermercado. Mas o que verdadeiramente surpreende é que continue a dar tais consultas na qualidade de jornalista, pois, para além do mais e que se saiba, nenhum curso de jornalismo contempla qualquer disciplina de cosmética ou habilita a dar lições ou conselhos sobre a oleosidade do couro cabeludo. Não haverá ninguém que ponha cobro a este tipo de mistificação jornalística?


12 dezembro 2007

Ai da robô

A robô Simroid é o máximo. Natural do Japão (como não podia deixar de ser), tem 1,60 m, veste uma camisola à PSD e, não só é sensível à dor como, num registo que se diria pré-retórico, já “aprendeu” a manifestá-la. Resultado: passa a vida no dentista. É que os estudantes de medicina dentária da Nippon Dental University não querem outra para treinarem o futuro exercício profissional de odontologia: - sentam-na na cadeira e lá lhe vão arrancando uns "ais" e uns outros tantos "uis", para melhor perceberem o que provoca a dor nos humanos e as melhores técnicas para a evitar.

Vale a pena ver: é de ficar de boca aberta


09 dezembro 2007

Aterragem forçada

Há quase meio ano atrás Baptista Bastos estava como eu, na questão do novo aeroporto, quando escrevia:

Mário Lino defende, tenazmente, a Ota; Francisco Van Zeller, da CIP, pleiteia por Alcochete; Rui Moreira, presidente da Associação Comercial Portuense, anuncia que vai apresentar outro projecto, o Portela + 1; e a esmagadora maioria dos portugueses, eu incluído, nada sabe - a não ser que a confusão se transformou numa força definitiva.

Estudo os comentadores, ouço os debates, leio as notícias, tento decifrar o que os políticos ocultam nas promessas ininterruptas. Somos mais importantes do que o voto - insisto. E cada vez mais me inclino para a ideia de que o Parlamento (este Parlamento) não é a "casa da democracia", frase fatela também usada por Alberto Martins. (...)

No caso da escolha do novo aeroporto, que interesses estão envolvidos? Não creio que nenhum dos intervenientes tenha sido tocado pela "bondade patriótica". No caso de Lisboa a reticência mantém-se.


(...) Seria particularmente instrutivo proceder-se a uma vistoria sobre os percursos de centenas e centenas de "políticos", logo-assim "abandonam" o Parlamento, os ministérios, as secretarias de Estado. Dir-se-á: tem sido sempre assim. Há duas hipóteses: ou usamos a força cívica de que dispomos, mas só raramente utilizada, para alterar, substancialmente, esta pouca-vergonha; ou, então, acomodemo-nos à ideia de que, mais tarde ou mais cedo, emergirá das brumas um salvador da pátria.


Meio ano depois sou eu que estou como ele. Com todo este nevoeiro na escolha do aeroporto, é bom que nos preparemos para uma aterragem forçada. Forçada por quem, é só o que falta saber.

Alergia à limpeza

Há uma proporção inversa entre a limpeza e a alergia, ao contrário do que se pensava há alguns anos. Quanto mais porco, melhor.

António Coutinho
Director do Instituto Gulbenkian da ciência
in Tabu, 01 Dez 2007

Mesmo assim estou convencido que ninguem vai querer sujar-se por tão pouco. É limpinho.

07 dezembro 2007

O carro da senhora ministra

Habituado que estou a ver os membros do Governo (e até de algumas Câmaras) a passarem em brutos carros de marca, pretos e cintilantes, arregalei bem os olhos quando vi , no passado sábado, a ministra da Cultura a dirigir-se a Melgaço num modesto VW Golf com mais de 7 anos, por sinal, propriedade do Gabinete do Ministro da Cultura.

A ministra, posso afiançar, ia linda, muito bem aperaltada. Mas o carro, aquele carro algo acanhado e ainda por cima “cor de burro quando foge” (nem cinzento claro nem cinzento escuro), não estava nada a condizer.

Será um veículo excelente para ir à caça ou para não chegar tarde ao emprego, tantos e tão bravos são os cavalos do seu motor. Falta-lhe, contudo, aquele style, aquele conforto e aquela dignidade formal que fariam da ousadia de levar a sr.ª ministra a qualquer cerimónia pública a coisa mais natural do mundo.

05 dezembro 2007

O empréstimo virtuoso

Não parece que Pacheco Pereira tenha razão quando condena a aprovação do hiper-empréstimo à Câmara de Lisboa com o argumento de que isso irá contribuir para o seu cada vez maior endividamento (*). É tudo ao contrário: o endividamento deu-se antes do empréstimo e, ao ponto a que a situação chegou, só o empréstimo pode permitir uma saída honrosa perante os credores. É este carácter virtuoso do empréstimo que faz dos inerentes encargos um mal menor.

Escandaloso é que se passe uma esponja sobre a ruinosa gestão que terá conduzido a este estado da dívida e que, aparentemente, ninguém esteja muito interessado em apurar responsabilidades. Assim como também não percebo o que tem o PS, o PSD ou qualquer outro partido a ver com a actual calamidade financeira da Câmara de Lisboa. A gestão camarária, antes de ser camarária é gestão. E a gestão tem regras prudenciais muito objectivas, muitas das quais matematicamente formuladas, que nenhuma opção política ou ideológica pode desqualificar. Ignorá-las é apostar no mais irresponsável aventureirismo, seja qual for a bandeira partidária que o acolha.

Daí que, diferentemente do que defende Pacheco Pereira, o empréstimo não comprometa o futuro da Câmara de Lisboa, antes o liberte da asfixia financeira de um passado que, tudo leva a crer, em breve tornaria a Câmara ingovernável. Sejamos rigorosos: António Costa tem de fugir é das dívidas e não dos empréstimos que as permitem saldar.

(*) Como acabou de fazer no "Quadratura do Círculo" de hoje

04 dezembro 2007

"Sobresaliente cum laude" em webjornalismo


João Canavilhas, professor da UBI, acaba de se doutorar na Universidade de Salamanca, onde defendeu a tese “Webnotícia: Propuesta de Modelo Periodístico para la WWW”, para cuja elaboração contou com a orientação dos professores Juan Jose Igartua e António Fidalgo. Sou amigo do novo doutor, eu sei, mas que não fosse, sempre teria de exaltar um trabalho distinguido por unanimidade e com a nota máxima: “sobresaliente cum laude”. Como foi o caso. Parabéns doutor João Canavilhas.

03 dezembro 2007

Credibilidade em reflexão na UBI

Universidade da Beira Interior
Anfiteatro da Parada
6 de Dezembro, 10 horas

Conferência
"Ethosblog: Trust and Evidence on the Internet."
Michael Kochin (Department of Political Science, Tel Aviv University )
(A conferência será proferida em inglês.)

Organização: Labcom/Projecto Informação e Persuasão na Web
Mais informações sobre o orador em:

02 dezembro 2007

Nunca estive tão próximo

Ontem tive a honra de tomar um café na companhia da nossa Ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima. E nem o carácter breve e inesperado do encontro lhe retirou significado. Foi na área de serviço de Barcelos, ao km 56 da A3, a auto estrada em que circulávamos os dois, eu em direcção a Espanha para as tradicionais compras de Natal, a sr.ª ministra, soube-o depois, a caminho da Câmara Municipal de Melgaço. Entrei primeiro. Logo a seguir, a sr.ª ministra. E ali ficamos por alguns minutos, mas sem trocar uma única palavra. O que não admira pois também não nos conhecemos de lado nenhum. Deu-se apenas o caso de a sr.ª ministra se ter sentado ao meu lado, ou para ser mais exacto, de ter escolhido a mesa ao lado da minha. Foi assim que tomei o meu primeiro café com um membro do Governo. Que me recorde, nunca estive tão próximo do poder.