29 março 2007

Excerto de um livro não anunciado (370)

Um segundo exemplo tem a ver com as técnicas de focalização da atenção inerentes à hipnose que, embora sem a mesma intensidade, se revelam também muito úteis, quando não, imprescindíveis, na recepção dos argumentos proferidos pelo orador. Com efeito, o que a indução hipnótica põe em marcha não é outra coisa senão uma redução do campo de consciência do paciente, que, partindo de uma situação inicial de vigília em que a sua atenção se encontra dispersa por tudo o que ocorre à sua volta, é levado a concentrar-se cada vez mais em si mesmo e na relação que mantém com o hipnotizador. E são dois os principais efeitos que daqui decorrem: “por um lado, a imobilidade do corpo que fica indiferente a todos os estímulos exteriores para além da voz do terapeuta, por outro, uma vivacidade da atenção do sujeito a tudo o que se passa nele e por ele, ligada à possibilidade de uma proliferação imaginária” (*). Dá-se assim uma focalização da atenção que, sendo particularmente intensa no caso da hipnose, nem por isso deixa de estar igualmente presente, como diz Cudicio, “em outros tipos de interacções que têm por fim influenciar ou convencer. O orador que se dirige aos seus auditores, olha-os, interpela-os, serve-se dos seus motivos de preocupação para melhor destacar quaisquer pontos de vista que, em seguida, lhe servirão de base para modificar, segundo a sua conveniência, as posições e os sinais daqueles que o escutam” (**)
(*) N. Bertoni, "La métaphore en hypnothérapie des maladies psychosomatiques", in Michaux, D. (Org.), (1998), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, p. 151

(**) P. Cudicio, "Des manipulations mentales", in Michaux, D. (Org.), (1998), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, p. 191

25 março 2007

O que não cabe aos tribunais

"Seguramente que não cabe aos tribunais avaliar o mérito das políticas governamentais. Isso cabe à Assembleia e aos cidadãos, em eleições. Aos juizes, que não são eleitos, cabe apenas julgar a legalidade dos actos praticados"

Miguel Sousa Tavares, Expresso, 24 Março 2007

O que me espanta é que, passados todos estes anos de vida democrática, ainda seja preciso vir a um jornal lembrar uma coisa destas, principalmente, a (alguns) senhores juízes.

B_OTA abaixo

Às vozes cada vez mais críticas quanto à "questão pessoal" do nosso Ministro das Obras Públicas, respondeu esta semana o ex-Engenheiro José Sócrates:

"Não podemos passar a vida a discutir localizações" *

O argumento é retórico mas muito fraco, já que, no estado actual das nossas finanças, ainda é preferível perder tempo do que perder dinheiro, muito dinheiro, que é o que irá suceder se o local não for bem escolhido. Que diabo, se o mérito e a oportunidade do projecto OTA são assim tão evidentes como o Ministro das Obras Públicas nos quer fazer crer e se nenhuma das alternativas lhe chega aos calcanhares, porque razão não nos apresenta de uma vez por todas as superiores razões do seu convencimento? A minha dúvida é se ainda irá a tempo de evitar o B_OTA abaixo a que a sobranceria do Governo se fartou de dar corda.

* in Expresso, 24 Março 2007

O estatuto das diferenças culturais

"uma coisa é respeitar as diferenças culturais, tirar até partido do pluralismo existente no seio de uma mesma sociedade; outra coisa, completamente diferente, é aceitá-las como sendo sempre legitimadas, mesmo quando se traduzem na violação de direitos fundamentais"

José Manuel Fernandes, Público, 23 Março 2007

Nem mais. Sem um mínimo de universalidade, a própria axiologia se esvai.

24 março 2007

Não generalizemos...

13h52-SIC NOTÍCIAS:

Numa reportagem da China, a que cheguei já quase no final, surgem imagens de um bonito jardim público: relva bem tratada, apelativos caminhos e, claro, os bancos do costume, feitos janelas da vida para os mais idosos. A certa altura, o Presidente da Câmara local (assim o apresentou a voz-off) vira-se para o operador de câmara (jornalista?) e com um ar de evidente satisfação, atira-lhe:

"Vê aqui algum jovem? nâo vê. Aqui só vê idosos. Porquê? Porque os jovens estão todos a trabalhar. Aqui quem quiser ter regalias sociais tem que trabalhar. Não tem escolha. Na europa, não. Na França, por exemplo, criaram um sistema tao acessível e com tantos benefícios que as pessoas preferem não trabalhar".

Mas não é bem assim. No nosso país, por exemplo, já quase não existe segurança social (e SNS) e, mesmo assim, são mais do que muitos os que preferem não trabalhar. Portanto, não generalizemos...

22 março 2007

Excerto de um livro não anunciado (370)

A mesma indeterminação ou ambiguidade pode ser detectada ao nível da linguagem e demais recursos persuasivos, pois a estreita vizinhança das técnicas discursivas presentes tanto na retórica como na hipnose leva a que, em cada uma, seja frequente a utilização de procedimentos mais conotados com a outra. É o caso, por exemplo, da metáfora. Tradicionalmente associada à retórica, ela surge também como recurso hipnoterapêutico tão valioso que Bertoni, psiquiatra e investigador associado ao Grupo de investigadores sobre comunicações, da Universidade de Nancy, não hesita em dizer: “nada melhor do que a metáfora permite esclarecer-nos sobre as crenças, os desejos, as intenções que presidem às relações que o paciente mantém com o mundo...” (*). A utilização da metáfora na hipnose vai, contudo, muito para além desta sua função hermenêutica. O facto de a indução hipnótica se apoiar num específico uso da linguagem que, seguindo a terminologia de Austin, poderemos descrever como uma série de actos perlocucionais, faz com que o dizer do hipnotizador se assuma, ao mesmo tempo, como um fazer, um actuar sobre a radical interioridade do paciente, que o mesmo é dizer, sobre a esfera mais básica e essencial da sua vivência. Além disso, o discurso do hipnotizador, os seus comandos, as suas sugestões, apelam para o novo, para uma mudança cujos efeitos são por ele antecipadamente anunciados, mas que o paciente verdadeiramente só reconhecerá depois de os experienciar. E é esta remissão para o domínio do vivo e do novo que a expressão literal se mostra incapaz de efectuar. Ora, como se sabe, a metáfora acrescenta sempre um mais de sentido do que o faria a correspondente expressão literal, já que, como refere Innerarity, ela “mostra o indizível enquanto indizível na sua radical singularidade” (**).

(*) N. Bertoni, "La métaphore en hypnothérapie des maladies psychosomatiques", in Didier Michaux, (Org.), (1998), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, p. 156

(**) Daniel Innerarity, (1996), A Filosofia como uma das Belas Artes, Lisboa: Editorial Teorema, Lda., p. 78

21 março 2007

O que diz o Millôr humorista do Brasil

"Roube ainda hoje, amanhã pode ser ilegal"

Millôr Fernandes, "Tabu", Sol, 17 Março 2007


A sensação que fica é a de que Millôr nunca produziu uma máxima tão aportuguesada...

19 março 2007

Claramente menos

Uma semana depois desta "clara" inflacção terminológica eis que durante os longos comentários (mais de 15 minutos) que se seguiram ao relato do Porto-Sporting, na TSF, o mesmo comentador desportivo pronuncia a palavra "claramente" apenas 5 vezes. Não é notável? Bom... pode nao ser notável mas é "claramente" menos. De parabéns está o visado pois poucas tarefas apresentam maior índice de dificuldade do que a de corrigir um tique.

Saída fora de tempo

Paulo Portas acabou de declarar à SIC Notícias que a presidente do Conselho Nacional do CDS-PP, Maria José Nogueira Pinto, resolveu abandonar os trabalhos logo após a proposta de "directas" ter sido votada favoravelmente e por larga maioria. Assim visto de fora, o incidente parece tão inacreditável quanto risível. Até porque se alguma razão assistia a Maria José Nogueira Pinto, perdeu-a totalmente ao só abandonar os trabalhos depois de conhecer os resultados (desfavoráveis) da votação.

18 março 2007

Excerto de um livro não anunciado (369)

É que, diferentemente do que se passa na retórica, onde o sujeito é persuadido, basicamente, a imprimir uma diferente direcção ao seu raciocínio e à sua decisão, na hipnose, a adesão do paciente incide sobre o progressivo abandono ou redução da sua própria capacidade de raciocinar e de decidir autonomamente. Logo se vê, então, como embora orientadas para um objectivo geral comum – a modificação de atitudes e comportamentos – retórica e hipnose correspondem, no entanto, a processos de influência de diferente grau ou intensidade, ao nível da acção sobre o outro. Processos que nem sempre é fácil distinguir por ser praticamente impossível eleger um critério objectivo e inequívoco para estabelecer com segurança se, em dado momento, o sujeito se encontra ou não sob influência hipnótica. Ora é justamente este ponto que pretendemos realçar - a inexistência de uma rigorosa fronteira entre os dois fenómenos. De um lado, a retórica, em que o predomínio da discutibilidade crítica é inseparável do registo de sensibilidade em que se inscrevem os estados emocionais do auditório. Do outro, a indução hipnótica, cuja focalização sensorial e subjectiva reduz, mas não chega nunca a anular, a capacidade de raciocínio do paciente (nem mesmo no mais profundo estádio hipnótico), pois, de outra forma, ele ficaria sem poder compreender e agir em conformidade com as sugestões do hipnotizador. Confirma-o D.-L. Araoz, citado por Yves Halfon, quando destaca que “o hipnoterapeuta põe o acento sobre a imagem e não a razão; sobre a sensação e não a lógica; sobre o afecto e não a compreensão, se bem que a razão, a lógica e a compreensão não sejam totalmente negligenciados na hipnose” (*).

(*) Y. Halfon, "Le langage figuratif en hypnose", in Didier Michaux, (Org.), (1998), Hypnose, Langage et Communication, Paris: Editions Imago, p. 68

O chumbo da "neutralidade" (2)

"No fim, como no princípio, não resisto a um comentário sobre a OPA.
O Estado português fez parte do grupo vencedor: como seria de esperar, votou contra a desblindagem dos estatutos.
Nada a objectar: usou um direito que lhe assistia. Admito, ainda sem reparo, que possa ter celebrado a vitória, em privado. Compreendo que, ainda na hora da vitória, se tenha mostrado discreto, em público: por pudor, por gestão da imagem, e até por uma questão política (ou não fosse, o tratamento a dar aos vencidos, uma das maiores questões políticas de todos os vencedores).
Só não percebo a preocupação de nos vir dizer que não teve nada que ver com o assunto. No que me diz respeito, senti-me um pouco incomodado pelo que me pareceu algum menosprezo pela capacidade de discernimento de quem, pesem embora as suas limitações, apesar de tudo, "vê, ouve e lê" (como dizia a canção, de saudosa memória). Teria sido mesmo necessário?
Não tenho que protestar, sequer que me mostrar indignado. Gostaria, se alguém puder ajudar-me, de compreender a necessidade desta menorização, sobretudo nas suas manifestações mais
compulsivas."


Daniel Bessa, Expresso, 17 Março 2007


17 março 2007

O espaço artístico

*


Museu de Arte Contemporânea, da Fundação Serralves. Fiz ontem à noite uma primeira visita à exposição “Anos 80: uma topologia” que por lá decorre até ao próximo dia 27 e à qual forçosamente terei de voltar. A tanto obrigam os 250 melhores trabalhos de 73 artistas de todo o mundo, incluindo 5 portugueses, que, sem a menor dúvida, requerem mais demorado e atento olhar. Para além da provocação estética de cada autor (melhor diria, de cada obra) a exposição reflecte uma muito contemporânea incerteza sobre o lugar da arte na sociedade que não é, por certo, alheia às indefinições culturais e políticas do nosso tempo. Se tenciona dar lá uma saltada, vá preparado(a) para um encontro imediato entre as múltiplas e contraditórias propostas estéticas que o(a) esperam e a necessidade de uma reavaliação da obra de arte como lugar de transformações e diferentes modos de apropriação do espaço. Porque por muito que o objecto artístico se autonomize, carecerá sempre de um fundo que o determine. E é justamente nessa medida que, também artisticamente, o espaço se define.

15 março 2007

Armadilha na cidade


Os afazeres da vida levaram-me a passar a tarde de hoje metido num dos anfiteatros do Hotel Meliá-Ria, em Aveiro. Não pude, por isso, à chegada, ficar indiferente ao meio envolvente desta unidade hoteleira de luxo: um oásis em pleno coração urbano, com as límpidas águas da ria abraçadas por espaços verdes sem fim. A visão, de tão soberba, mais parecia retirada de algum quadro. Quer dizer, pareceria se aquela espécie de ponte metálica, tosca até dizer "chega" e incrivelmente degradada que vemos ali no canto inferior direito da foto acima não estivesse lá a borrar a pintura toda. Primeira reacção: como é que quem tem voto na matéria pode conviver impávido e sereno com tão manifesta e desleixada agressão estética?



À medida que me fui aproximando, porém, o desagrado deu lugar ao espanto, pois dei-me conta de que, para além de se encontrar perigosamente carcomida pela ferrugem, a dita ponte metálica tem ainda, mais ou menos a meio, dois grandes buracos cuja existência não lembraria nem ao diabo.



Aqui estão os inacreditáveis buracos, verdadeira armadilha quer para as crianças quer para os adultos que passem pelo local. Conviria pois que as digníssimas autoridades da segurança urbana se dessem conta do perigo público que esta "ponte" representa, muito antes de surgir a primeira vítima ou tragédia. Será que Pedro Santos Cardoso, distinto aveirense, pode fazer chegar este alerta a quem de direito?

13 março 2007

A cultura no palco do consumo

Da esquerda para a direita: representante do Corte Inglés, João Pereira Coutinho, Luis Carmelo e Manuel Fonseca (Editora Guerra e Paz)

Foi hoje ao cair da tarde, no Corte Inglés, de Gaia. João Pereira Coutinho na apresentação do mais recente livro de Luis Carmelo, "E Deus pegou-me pela cintura". Uma coisa bonita de se ver. Ainda não li o livro mas a apresentação de Coutinho foi, em si mesma, uma verdadeira peça literária. Com o brilho de sempre, falou bem, muito bem. Primeiro porque fala sempre bem, mesmo quando diz mal. Depois, porque admira o autor, de quem é, aliás, amigo. E por último, porque a dizer bem o levou o livro de Carmelo, que não se cansou de elogiar. O autor - que falou a seguir - não fugiu à circunstancial humildade de considerar que Coutinho fora excessivamente generoso. Saí de lá, porém, com a impressão de que Coutinho teve foi a perfeita noção de que não estava ali para criticar o livro de Carmelo mas sim para apresentá-lo. Não cometeu, por isso, o grosseiro erro de certos apresentadores de livros que em vez de enaltecerem os pontos fortes da obra ficam escrutinando página a página, frase a frase, à procura de um ponto que poderia ter sido mais desenvolvido mas não foi, de um sentido que o texto poderia ter mas não tem, enfim, de uma outra obra que o autor poderia ter escrito mas não escreveu. Ao invés, recorreu a preciosas citações para deixar clara a mestria literária com que Carmelo combinou memória e invenção neste seu décimo livro. Um livro que, anunciou Coutinho e confirmou o autor, se oferece a diferentes leituras que vão muito para além dele. Vim de lá com a ideia de que este novo romance de Carmelo acompanha o inquieto vaivém dos nossos dias feito de incursões mais ou menos efémeras, ora na ficção ora no real, e se possível, em ambos. Certo, certo, porém, é que fiquei com uma vontade enorme de me atirar à sua leitura. Não é a isto que se chama uma apresentação de livro bem sucedida?

12 março 2007

O chumbo da "neutralidade"

"Foi um grande desfecho, de todos os pontos de vista, menos um.
Faço 5 registos. A justeza da CMVM, que enquadrou a operação. A mestria da equipa de Granadeiro, que defendeu as acções da PT. A vitória de certos accionistas privados, que votaram contra. O desamparo de pequenos accionistas, que não se fizeram ouvir. O rasgo de Paulo e Belmiro Azevedo, que lançaram a memorável OPA.
E um 6.º registo. No dia do chumbo da OPA, veio um ministro dizer que o Governo tinha sido "neutral".

Vejamos. O Governo tinha acções da PT, umas privilegiadas, que usou às claras para se abster, e outras ordinárias, por via de um ente público, que usou, mas às ocultas, para votar contra. Como quem atira a pedra e esconde a mão.
Em matérias politicamente tão relevantes, das duas uma, ou aquele ente público vota como o Governo quer (querer tácito ou explícito), ou a sua administração se demite. Falar em 'neutralidade' não é eufemismo, é disfarce.
Em causa está o nome das coisas. Porque, definitivamente, o chumbo da OPA também foi político. Foi-o, dizendo-se que o não foi, em estilo pinoquiano, que não chega a ser furtivo nem elegante.
Quem assim faz na OPA, como fará na OTA, cujas dúvidas são mais do que muitas?"


Miguel Cadilhe, Expresso, 10 Março 2007

O Pipa


*

*

O Sérgio realizou finalmente o seu grande sonho: ter um restaurante. Conheci-o há alguns anos atrás no Cantinho do Cabrito, em V. N. Gaia. Depois foi inaugurar o Guarany, no Porto. Sempre inexcedível no atendimento e no serviço. Era impossível não ficar seu amigo. Reencontrei-o há poucas horas atrás, no Festival do Sável e da Lampreia, em Gondomar, que encerrou hoje. Não mudou nada: o mesmo sorriso de sempre, a mesma preocupação em bem receber. Um olho na cozinha e outro nas mesas, para que nada nos falte. Conheci-o como empregado e agora tenho na minha frente o patrão. Admiro gente que luta e que vence. Só soube hoje mas foi já há mais de um ano que o Sérgio abriu o seu "O Pipa", um restaurante típico especializado em bacalhau com broa e cabrito assado de Armamar. Fica na conhecida Estrada D. Miguel, n.º 1917, em Gondomar e o pedido de reservas pode ser feito através do 224 833 192. Quem sabe nos vemos por lá, um dia destes.

11 março 2007

Claramente...

Parece impossível que um comentador de futebol tão experimentado como o Costa Monteiro (TSF) continue, semana após semana, relato após relato, a repetir o advérbio de modo "claramente" aí umas 50 vezes por cada transmissão. Mas é a verdade.

Será que nunca se deu conta disso? Será que nunca o avisaram? Será que não consegue corrigir-se? Bom, será o que tiver que ser. Mas que o tique é irritante é. E é, sobretudo, "claramente" imperdoável.

08 março 2007

Excerto de um livro não anunciado (368)

A adesão como critério de eficácia, a adaptação ao auditório (ou paciente), o uso da linguagem, a forma de dizer, o encadeamento de ideias ou argumentos intimamente solidários entre si, a ordem da sua apresentação, o efeito de presença e as figuras de estilo, são apenas alguns dos inúmeros critérios e recursos preponderantes tanto no discurso e na acção do orador como do hipnotizador. Mas é sem dúvida ao nível do ethos que a afinidade entre ambos melhor pode ser estabelecida, porque tal como sucede na retórica, o poder de influência do hipnotizador não deriva nunca exclusivamente das técnicas que usa. A condição primeira da sua força persuasiva advém-lhe do seu carácter, ou, melhor dizendo, do carácter que revela, do modo como se torna digno de confiança e das qualidades que o paciente nele possa reconhecer. E se a credibilidade do orador retórico joga um papel decisivo no processo de persuasão - na medida em que, por si só, desperta ou justifica a atenção do auditório e nele faz emergir um sentimento de confiança moral e técnica nos seus argumentos - por maioria de razão, terá que estar presente na indução hipnótica.

06 março 2007

Ir lá... e sair tosquiado

Disse Belmiro de Azevedo há poucas semanas atrás que, pela primeira vez na vida, falara com o Governo antes de lançar a OPA sobre a PT. Sabendo-se o que se sabe hoje alguém acredita numa segunda vez?

05 março 2007

Um contra (todos)

Estava ali há pouco a seguir na RTP1 a sessão demonstrativa da nova versão do "Um contra todos" quando apareceu a seguinte pergunta:

"A RAI é uma empresa de serviço público de televisão de que país?"

E logo a seguir, as três respostas opcionais:

Hipótese A: "Francesa"
Hipótese B: "Italiana"
Hipótese C: "Espanhola"

Aí, o concorrente escolheu o país "Italiana". E acertou. Quem diria...

Excerto de um livro não anunciado (367)

É certo que algumas situações retóricas, nomeadamente, as mais emotivas e, em especial, quando lideradas por oradores virtuosos, podem, por vezes, dar origem a estados de passividade ou mimetismo do auditório (ainda que não intencionalmente provocados). A verdade, porém, é que o grau ou intensidade da redução de capacidade crítica que daí deriva, é incomensuravelmente inferior ao que se observa em qualquer estádio de hipnose média ou profunda (*). Daí que restrinjamos o campo de aplicação da nossa hipótese à fase da indução hipnótica, onde o sujeito, partindo do estado de vigília (tal como na retórica), isto é, de uma situação em que mantém o seu livre raciocínio, passa por um estádio intermédio de sugestibilidade aumentada e, finalmente, “cai” em hipnose. O facto de o método de sugestão verbal ocupar um lugar de grande relevo entre as diversas técnicas de indução hipnótica, só vem confirmar que, na retórica como na hipnose, é visível a centralidade de um processo de comunicação cujos mecanismos e efeitos podem ser compreendidos à luz de uma grelha analítica comum: a tríade aristotélica ethos-logos-pathos.

(*) Para a classificação dos diferentes estados intermediários entre a plena vigília e o transe profundo, a generalidade dos autores [Chertock, 1989; Liguori, 1979; Eysenck,1956; Rhodes, 1950, etc.] recorre à conhecida Escala de Davis e Husband que estabelece quatro graus de hipnose por ordem crescente: estado hipnoidal, transe ligeiro, transe médio e transe profundo. Segundo esta mesma escala, o transe médio e o transe profundo são os únicos estádios da hipnose em que já se registam alterações de personalidade no paciente.