29 janeiro 2008

Pathos congelado

"agora que já não se distingue a voz de uma secretária de outra no telefone, pois todas são electrónicas e iguais, e da última vez que implorei por um contacto humano, alguma coisa viva - uma hesitação, um erro de concordância, um resfriado, até, em último caso, uma reacção irritada -, a voz disse "para reacção irritada digite 4 (...)"

Luís Fernando Veríssimo, Actual, Expresso, 26 Jan 2008

Alegre inconformado

Hoje, no Clube dos Pensadores, em Gaia:


* Não menosprezem as palavras porque as palavras inspiram e podem mudar a vida

* Na saúde há medidas incompreensíveis

* Não basta haver alternância, são precisas alternativas


* É preciso mais democracia na democracia

* Nas maiorias absolutas há governamentalização da vida político-partidária: os governos tendem a funcionar como uma espécie de comité político do respectivo partido

* Há quem se acomode e há quem não se conforme - eu não me conformo


28 janeiro 2008

O jornalismo pelos cabelos

Que iluminada razão (ou interesse) levará o Jornal de Notícias a insistir neste consultório em que uma senhora jornalista se limita a dar conselhos de beleza, desta vez, sobre penteados?


Les Uns et les Autres

É feio acusar sem apontar nomes? É. Mas pode-se fazer? Pode. Toda a gente? Não. Quem é que pode? O sr. ministro das Finanças é que sabe. Ainda anteontem, por exemplo, criticava as acusações genéricas que há pouco tempo mais do que tolerou ao seu secretário de Estado do Assuntos Fiscais quando este declarou alto e bom som que “alguns empresários deviam ter vergonha da sua actuação e corrigi-la, outros deviam ter cuidado com quem se aconselham” sem, contudo, avançar com um único nome.

A analogia fui buscá-la
aqui ao João Miranda.

Urgências automobilísticas

Mais um que ainda não percebeu as "explicações":

27 janeiro 2008

Sem explicação

O sr. ministro da saúde continua a parecer mais obcecado com os números do que com a saúde, o que não honra lá muito o próprio nome do seu ministério. Mas se o objectivo é cortar nos custos, é de admitir que, mais tarde ou mais cedo, outros serviços hospitalares, muitos outros, possam também vir a encerrar, quem sabe se até os próprios hospitais (já que acabar com os doentes seria quimérico...). As consequências? Calma, isso logo se verá. Uma coisa de cada vez. Ficamos sem as maternidades e os serviços de urgência mas temos a palavra do ministro. O que é que valerá mais?

Só não percebo uma coisa: como é que o sr. ministro anda há tanto tempo a explicar aos portugueses a sua "reforma da saúde" e ainda teima em vir dizer, como o faz, mais uma vez, na entrevista que deu ao Expresso de ontem, que "Este é um momento de mais difícil explicação"? É caso para perguntar: que raio de reforma o sr. ministro engendrou que é assim tão difícil de compreender pelo cidadão comum?

E mais: porque insiste o sr. ministro em considerar que o problema está na "explicação" das contestadas medidas e não na sua natureza ou alcance? Acaso foi tocado pelo dom da infalibilidade? Serão os outros - aqueles para quem governa ou deve governar - tão ignorantes ou estúpidos que não possam sequer disputar a bondade das suas decisões políticas?

"não respondo perante Arnaut ou Alegre, por muito respeito que lhes tenha, respondo perante os portugueses" diz na referida entrevista quando instado a comentar as críticas dos dois conhecidos socialistas. Mas quem responde perante os portugueses não pode (não deve) tomar uma decisão e seguir em frente, sob o sofístico argumento de que só está contra, quem não a compreende(r). A explicação que falta é, por isso, só uma: porque é que o sr. ministro continua a dar explicações atrás de explicações sem nada conseguir explicar?

A pergunta é retórica, claro, pois adivinho-lhe a resposta. E é precisamente isso o que me preocupa.

Nem eu

"Não fiquei esclarecido quando o governador disse que o melhor era não fazer ondas"

Octávio Teixeira
in Expresso, 26 Jan 2008

26 janeiro 2008

Fazer já

Ir ao template e passar o Blasfémias daqui para aqui. Pronto. Já está.

17 janeiro 2008

Diferenças de opinião ou de carácter?

Para Pedro Mexia "Não existe uma «boa direita» e uma «má direita». Como não existe uma «boa esquerda» e uma «má esquerda». Existem simplesmente diferenças de opinião. E as diferenças de opinião não são diferenças de carácter".

Não posso estar mais de acordo. Falta, porém, reconhecer que também não existe uma boa esquerda e uma direita, nem uma boa direita e uma esquerda. Porque também aí se trata, afinal, de diferenças de opinião e estas, como muito bem sublinha Pedro Mexia , não devem ser confundidas com diferenças de carácter (que é, a meu ver, para onde tende a tão popular e estafada classificação em esquerda e direita)

Lello belíssima

Para o The Guardian, a Livraria Lello, do Porto, está entre as 3 mais bonitas livrarias do mundo. Belíssima como ali e ali se diz ou destaca, e que na foto abaixo se revela:



Pena é que a letra não diga com a careta e que a funcionalidade do serviço esteja largos furos abaixo da incontestável beleza arquitectónica do edifício. Tantos furos abaixo que chega a parecer que ali não são os livros que estão à venda: é a própria livraria.

O PSD, o Banco de Portugal e os louros abarbatados

Até acredito que isto seja verdade: que a "persistência com que as direcções da Comissão Política e do grupo parlamentar do PSD sublinharam a importância de o governador do BP ser ouvido com urgência no Parlamento" tenha contribuído para a antecipação da audição parlamentar do governador do Banco de Portugal, de dia 24 para dia 21.

Mas o que leva o PSD a olhar para esta antecipação da audição como se de uma sua primeira vitória ou troféu político se tratasse, quando tudo permanece por esclarecer? Há aqui qualquer coisa que nada deve a uma ideia de proporção, de pudor ou de equilíbrio, para já não dizer de correcção, na actividade política. Porque se o PSD cumpriu o seu dever ao reclamar uma urgência que lhe parecia justificada, o governador do Banco de Portugal não lhe ficou atrás ao vir ao encontro da sua reclamação.

Ao abarbatar-se assim tão pressurosamente aos louros da própria antecipação da ida de Vítor Constâncio ao Parlamento, o PSD não só dá a sensação de que já tudo lhe serve para mostrar serviço como deixa um claro sinal aos seus adversários políticos: a partir de agora, é melhor pensarem duas vezes antes de dizerem que sim a qualquer proposta, reclamação ou sugestão do PSD. Ou, pelo menos, ficam a saber o que os espera.


15 janeiro 2008

Espécie de defesa da honra socrática

Retomo as insólitas dúvidas que António Barreto levantou sobre Sócrates ser ou não ser fascista, para assinalar o que me parece ter sido uma falha persuasiva na espécie de defesa da honra socrática que José Júdice patrocinou na sua crónica da passada sexta-feira, no Público.

A espécie de defesa da honra socrática começou no próprio título da crónica, que não podia ser mais assertivo - "O primeiro-ministro não é fascista" – e continuou, ainda que de forma muito mais atenuada e difusa, no próprio texto onde, quase a terminar, o cronista anuncia:
"Ao contrário do meu Amigo António Barreto, julgo saber (*) que ele não é fascista."

Ora para quem pretendia afirmar o contrário do que dissera António Barreto, não haveria que ser um pouco menos indeciso? É que se Júdice apenas “julga saber” (mas não diz que sabe) que o primeiro-ministro não é fascista, com isso não está propriamente a desdizer o seu amigo António Barreto já que este também se limitou a dizer que não sabe se Sócrates é fascista mas que não lhe parece. O que se pode dizer é que se um (Júdice) julga saber que Sócrates não é fascista, ao outro (Barreto) também não lhe parece que seja. Mesmo reconhecendo o alto nível do defensor: terá sido uma boa defesa?

(*) O bold é meu

09 janeiro 2008

Liberdade ameaçada?

Escreveu António Barreto (*) que não sabe se Sócrates é fascista. Que não lhe parece, mas que, sinceramente, não sabe. "O que tu queres sei eu" - diriam aqui, em uníssono, os "Gato Fedorento", verdadeiros mestres na arte do duplo sentido. As crónicas de António Barreto são uma referência para o nosso pensar (e viver) democrático, nomeadamente, quando assinalam os excessos de quem nos governa. Mas não é aceitável que se responda a um excesso com outro, que é o que o insigne sociólogo faz na sua última crónica quando diz que não sabe se Sócrates é fascista (ainda que não lhe pareça) ou até quando sentencia: "O primeiro-ministro é a mais séria ameaça contra a liberdade". Não fica mal medir as palavras, principalmente quando a crítica se reparte pelo carácter e pelo ideal de vida do visado. Quanto ao mais, não sendo admirador, também tenho opinião: oxalá que todas as ameaças à liberdade fossem tão sérias como a que Sócrates representa ou potencia.

(*) Público, 06 Jan 2008

07 janeiro 2008

Zero vírgula seis doentes

Na primeira parte do "Prós e Contras" desta noite:

Informou o ministro da saúde que nos actuais SAP's (em vias de extinção) há médicos a atenderem 3,1 doentes, 1 vírgula qualquer coisa doentes e, em certos casos, 0,6 doentes, ou seja, praticamente, só metade de um doente. Com o ar mais tranquilo deste mundo, o sr. ministro já não hesita em retalhar os doentes em décimas para justificar o fecho de mais um serviço de urgência. Não estará a dar mais atenção à estatística do que à própria saúde?

Registo literário

O Da Literatura comemorou 3 anos já no passado dia 1 de Janeiro. É tarde, portanto, para enviar parabéns. Mas tarde nunca será para saudar a invulgar qualidade deste blogue tão culto e tão amigável. O Eduardo Pitta esclareceu aqui que não se trata de um blogue literário. Mas talvez se devesse antes reconhecer que o Da Literatura não é um blogue exclusivamente literário apenas porque também se abre à política, à sociedade, à filosofia, à arte e à cultura em geral, numa palavra, à própria vida. No mais, o registo é de tal modo único e tão literariamente cuidado que dele poderia Eduardo Pitta dizer o que disse do próprio nome do blogue: "sinaliza o lugar de onde observamos o mundo à nossa volta". Perfeito.

05 janeiro 2008

A ironia de um adeus


A crónica de Francisco José Viegas no Jornal de Notícias de hoje começa com um adeus (Título: "Um adeus ao deserto") e termina com outro:

(Em rodapé: "Nota de Redacção: Francisco José Viegas assina hoje a última crónica 'Topo Norte?'. O 'Jornal de Notícias' agradece a colaboração prestada desde 2004")

Basta ler a crónica para se perceber imediatamente que um adeus não tem nada a ver com o outro: o adeus ao deserto do título, é mesmo um adeus às areias (do Lisboa-Dakar); o outro, é apenas uma colaboração que cessa. Mas a coincidência temporal de ambos, faz com que o chamado "leitor apressado", que só repare no título e na nota de rodapé (ambos em destaque), possa intuitivamente associar (ou pior ainda, identificar) o adeus ao deserto com o adeus ao Jornal de Notícias. Tratar-se-ia aqui de um deserto sem areias, é certo. Mas não é esse o deserto ideal para um adeus irónico?

04 janeiro 2008

Todo o dizer autêntico não só diz algo, como o diz alguém a alguém * (2)

"quando o homem se põe a falar fá-lo porque crê que vai poder dizer quanto pensa. Pois bem, isto é ilusório. A linguagem não dá para tanto. Diz, pouco mais ou menos, uma parte do que pensamos e põe uma vala infranqueável à transfusão do resto. Serve bastante para enunciados e provas matemáticas; já ao falar da física começa a tornar-se equívoca e insuficiente. Mas à medida que a conversa se ocupa de temas mais importantes que esses, mais humanos, mais "reais", vai aumentando a sua imprecisão, o seu entorpecimento e a sua confusão. Dóceis ao preconceito inveterado de que falando nos entendemos, dizemos e ouvimos tão de boa-fé que acabamos muitas vezes por nos mal-entendermos muito mais do que se, mudos, nos procurássemos adivinhar"

(*) Cf. modelo comunicacional da retórica aristotélica
(**) Ortega y Gasset, (2007), A Rebelião das Massas, Lisboa: Relógio D'Água, p. 8

03 janeiro 2008

Todo o dizer autêntico não só diz algo, como o diz alguém a alguém * (1)

"Mal posso esperar melhor fortuna quando estou persuadido que falar é uma operação muito mais ilusória do que normalmente se crê (...). Definimos a linguagem como meio que serve para manifestarmos os nossos pensamentos. Mas uma definição, se é verídica, é irónica, implica reservas tácitas, e quando não é interpretada assim produz resultados funestos. Tal como esta. O que menos importa é a linguagem servir também para ocultar os nossos pensamentos, para mentir. A mentira seria impossível se o falar primário e normal não fosse sincero. A moeda falsa circula sustida pela moeda sã. Ao fim e ao cabo, o engano é um humilde parasita da ingenuidade. Não; o mais perigoso daquela definição é o acrescento optimista com que costumamos ouvi-la. Porque ela própria não nos assegura que possamos por meio da linguagem manifestar com suficiente adequação todos os nossos pensamentos." (**)

(*) Cf. modelo comunicacional da retórica aristotélica
(**) Ortega y Gasset, (2007), A Rebelião das Massas, Lisboa: Relógio D'Água, p. 8


01 janeiro 2008

Editorial (in)conclusivo

O editorial (não assinado) da edição de hoje do Jornal de Notícias, dá-nos conta das principais dificuldades que os jornais estão a enfrentar:

1) A quebra de circulação paga
2) A descida de receitas de publicidade
3) A concorrência desenfreada
4) A dificuldade no acesso às fontes de informação
5) Alguma desorientação na profissão

Enumeradas as dificuldades, o editorialista vê nelas outras tantas realidades que também o JN terá de ultrapassar e, de imediato, conclui:

"É por isso que estamos convencidos de que 2008 vai ser decisivo na reafirmação da independência e da qualidade do jornalismo do 'Jornal de Notícias'."

Mas será por existirem tais dificuldades que o JN, ou quem o representa, “está convencido” de que em 2008 haverá uma reafirmação da independência e da qualidade do seu jornalismo? A questão é esta: nenhuma das invocadas dificuldades nem o seu somatório ou articulação, permite inferir qual vai ser em 2008 o grau de independência e a qualidade de jornalismo no JN ou em qualquer outro jornal. Como pode então o editorialista chegar a uma conclusão que não é logicamente suportada pelas respectivas premissas? É por isso que o “É por isso” da frase acima citada parece mesmo posto “a martelo” só para lhe conferir (duvidosa) força persuasiva.

Por outro lado, se repararmos que as primeiras três dessas cinco dificuldades - 1), 2 ) e 3) - têm a ver muito mais com os interesses (do negócio) do que com a informação e conhecimento (do jornalismo) talvez que só uma visão demasiadamente optimista ou até romântica possa autorizar a promessa de “um jornalismo empenhado que não se verga perante nenhum poder e que está sempre próximo dos interesses dos cidadãos (como anuncia o editorial). Mas isso, mais adiante se verá.

Aparte:
Num jornal que se bate pela reafirmação da independência, pela qualidade do seu jornalismo e, de um modo geral, por “um jornalismo empenhado que não se verga perante nenhum poder e que está sempre próximo dos interesses dos cidadãos” faz alguma confusão que não tenha até hoje nomeado um novo Provedor.