Coimbra é uma lição
Era uma prática tão frequente que se tornou natural e, talvez por isso, quase ninguém ousava questionar a sua legitimidade. Quase, digo bem, porque quem já à época não se conformava com a medida era o douto professor Rogério Soares que um belo dia, para surpresa total dos seus alunos de direito administrativo, resolveu incluí-la num teste final da disciplina, logo no caso prático de maior pontuação.
Corrigido o teste e divulgados os resultados, verificou-se uma "razia" total nas notas: de largas dezenas de examinandos somente dois tinham conseguido positiva, por sinal, bem confortável. E eu, que fui sempre estudante-trabalhador, que não podia dar-me ao luxo de lutar por "grandes" notas, ali estava meio embasbacado, percorrendo a pauta com o olhar, várias vezes, de cima para baixo e de baixo para cima, ainda duvidando que fosse um desses dois. Mas era. Não tenho a menor dúvida de que foi, para mim, o melhor momento do curso.
É claro que já não sei que argumentos utilizei. Mas ainda me lembro das seis folhas que tive que escrever para, contra todas as aparências da altura, justificar a minha opinião de que só a um juiz deve ser reconhecida a competência para ordenar a apreensão de uma carta de condução. E é curioso: foi-se esse tempo, mas a opinião mantém-se.
Vem tudo isto a propósito, afinal, de Pedro Caeiro considerar no seu post que as recentes alterações ao Código de Estrada aumentam o poder punitivo do Estado, quando, nomeadamente, atribuem a uma autoridade administrativa a "competência para a cassação da licença de condução". Igualmente certeiros e muito oportunos são os seus outros reparos. Veja-se, por exemplo, como denuncia a punição de "condutas com elevado grau de indeterminação (p. ex., praticar "quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança"). Não há a menor dúvida: Coimbra continua a ser uma lição.