30 novembro 2003

O seu voto conta

Apenas para minha orientação pessoal, peço-lhe que atribua a sua nota a este blogue. Pode ser?

É ali na direita e bastam dois "clicks": o primeiro, sobre "vote aqui". O segundo, no "item" escolhido.

(Obrigado)

O "link" da semana

Desejo as maiores felicidades aos noivos que foram ontem dizer um "sim" tão especial.

(É verdade: só um "homem decente" poderia ter o privilégio de levar uma bomba para lua-de-mel).

Excertos de um livro não anunciado (147)

(...) Num e noutro caso, porém, sempre está em causa a competência argumentativa do orador, os metódos e as técnicas retóricas a que recorre e, de um modo muito especial, o tipo de auditório sobre o qual quer agir. (...)

29 novembro 2003

Vem aí o homem sem rosto?

Será tão aterradora como parece a anunciada hipótese dos médicos passarem em breve a transplantar também rostos de cadáveres para seres vivos?

***

Eduardo Prado Coelho, que dedicou a sua excelente crónica de ontem, no Público, precisamente a este assunto, mostra-se muito preocupado com as (dramáticas) situações a que o transplante facial nos irá conduzir. A perspectiva de "nos olharmos ao espelho e vermos um outro no nosso lugar" será, segundo ele, apenas uma das múltiplas situações embaraçosas que nos esperam. E o problema agrava-se se pensarmos que, embora tais transplantações estejam inicialmente destinadas àqueles que, por queimadura ou acidente, tenham ficado com os rostos desfigurados, rapidamente se virão a generalizar a quem, por mero capricho ou preferência pessoal, queira mudar de face. O que significa que a polémica está, por certo, a caminho.

Uma ideia que parece ficar, também, fortemente ameaçada, é a de que “nesta vida só devemos ter uma cara”. Porque dependendo do número de transplantes a que se sujeite, qualquer um pode vir a ter mais do que uma. E tudo leva a crer que a questão não se fique pela mudança de face. A curto prazo, será igualmente possível escolher a “cara que mais lhe convém” ou que sempre sonhou ter. Decididamente, o mundo não será mais o que era. E nem precisamos de dar muitas voltas à imaginação para descobrir algumas situações verdadeiramente caricatas num futuro assim desenhado. Por exemplo, que sensação experimentaremos se um dia nos viermos a cruzar na rua com alguém que leva a cara de um nosso familiar ou amigo já falecido? Como iremos reagir se quando batermos à porta do António este nos vier atender com a cara que era do Joaquim? E se a cara transplantada for a de uma famosa figura do cinema ou da tv? De que modo isso irá afectar a vida do seu novo detentor? Talvez seja melhor parar por aqui. Porque, como diria Daniel Dennett, a ideia de que a realidade ameaça destruir, num ápice, milénios da melhor ficção é “uma ideia perigosa”. Perigosa, mas... incontornável.

Não admira, por isso, que Eduardo Prado Coelho termine a sua crónica num ambiente de descrença, pessimismo e até de horror:

"A partir daqui, se alguma vez lá chegarmos, haverá corpos, rostos, mãos, óculos, bengalas, corações artificiais, máquinas estranhas incorporadas, novas formas de pele, maneiras de ser e de viver que irão circulando - e no meio de tudo isto, como náufragos, rostos, nomes próprios, assinaturas, corpos, palavras que ainda dizem "eu" sem saber o que dizem. "

Estas são, inegavelmente, palavras de severo desencanto, que traduzem, por assim dizer, a “saudade antecipada” de um rosto tido desde sempre como o principal traço identitário e, ao mesmo tempo, o fiador do próprio relacionamento interpessoal. São palavras que, sem dúvida, nos alertam para os perigos da tecnociência se os seus desmesurados poderes não forem política, social e eticamente escrutinados *. Manda a verdade dizer, porém, que não comungo de tanto pessimismo. Principalmente se o tema vier a receber (como espero) cada vez maior destaque na esfera do debate público e se a desejada posição consensual for precedida de crítico aprofundamento. Estou plenamente convencido de que pior ainda do que ignorar o problema, seria encará-lo como uma fatalidade.


* Tema do m/próximo livro “O HOMEM COM MEDO DE SI PRÓPRIO” a sair em Janeiro 2004 (Editora Jardim do Tabaco).

Excertos de um livro não anunciado (146)

(...) Num e noutro caso, porém, sempre está em causa a competência argumentativa do orador, os metódos e as técnicas retóricas a que recorre e, de um modo muito especial, o tipo de auditório sobre o qual quer agir. (...)

28 novembro 2003

Reparos & Reparações

O ContraFactos & Argumentos fez o seguinte reparo ao Retórica e Persuasão:

"o Retórica e Persuasão desmonta e descobre contradições em afirmações minhas assumindo que onde escrevo "podem ser" estou a dizer "são". Não são."

Lamento que a sua resposta ao meu post "Factos, Opinião & Jornalismo" se tenha ficado pelo plano meta-comunicativo (o disse que disse ou não disse). Mas também compreendo que, antes de tudo, é preciso apurar a interpretação do que é dito, por maioria de razão, entre interlocutores que se desconhecem, como é o caso. Vejamos então o que se passou e, se possível, que conclusões se podem retirar.

***

OS FACTOS

O Retórica e Persuasão disse:

- “[ambas as frases] são (ou podem ser) verdadeiras no caso da imprensa e da rádio

O ContraFactos escrevera:

- “ambas as frases podem ser verdadeiras para o caso da imprensa e da rádio”


A REFUTAÇÃO (do Contra Factos & Argumentos):

a) No plano terminológico:

"Ainda sobre a objectividade, factos e opinião no jornalismo, o Retórica e Persuasão desmonta e descobre contradições em afirmações minhas assumindo que onde escrevo "podem ser" estou a dizer "são". Não são.

b) No plano substantivo (das razões):

Inexistente.


AS CONCLUSÕES (do Retórica e Persuasão):

1. O que o Retórica e Persuasão escreveu foi são (ou podem ser), recorrendo assim a uma normalíssima disjunção exclusiva. Ora o ContraFactos disse mesmo que ambas as frases podem ser verdadeiras para o caso da imprensa e da rádio. Logo, a afirmação do Retórica e Persuasão é verdadeira.

2. Quando de ambas as frases o ContraFactos diz que podem ser verdadeiras o que está a fazer é uma afirmação da sua possibilidade. Ora é contraditório afirmar ao mesmo tempo que "não são" e que são possíveis... (porque o que não é, não é sequer possível).

Excertos de um livro não anunciado (145)

(...) Logo, com base no critério da tendência para a acção, poderemos configurar o primeiro dos efeitos como "adesão passiva" e o segundo, como "adesão activa". (...)

27 novembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (144)

(...) Um discurso argumentativo será então eficaz se obtiver êxito num dos dois objectivos possíveis: ou conseguir do auditório um efeito puramente intelectual, ou seja, uma disposição para admitir a plausibilidade de uma tese (quando a tal se limite a intenção do orador) ou provocar uma acção a realizar imediata ou posteriormente. (...)

26 novembro 2003

Factos, Opinião & Jornalismo (2)

Manuel Pinto, do Jornalismo e Comunicação, dá hoje um apreciável destaque blogosférico à reflexão em curso sobre a objectividade jornalística. E, na previsão de um maior aprofundamento, aproveita para indicar um conjunto de documentos de apoio que têm a particularidade de se encontrarem todos disponíveis na net. Aqui fica o seu post:

Santa ou maldita objectividade?

Na parte final da semana que passou ocorreu em alguns blogs um debate sobre os fundamentos do jornalismo que é bem revelador de como a blogosfera pode constituir - e de facto tem constituído - uma nova e importante zona de debate na esfera pública. O motivo ou pretexto foi o comentário de um leitor do Abrupto a um post de Pacheco Pereira. O principal protagonista foi Américo Sousa, do Retórica e Persuasão, cujo pensamento motivou o comentário de Pedro Fonseca do ContraFactos & Argumentos. Ao debate travado juntou-se ainda, pontualmente, o Terras do Nunca.
Nos posts publicados encontra-se compendiada uma reflexão fundamental para compreender a natureza do trabalho e da produção jornalísticos, em que que existem argumentos aduzidos dos váriosm intervenientes.
Como o assunto é susceptível de merecer mais aprofundamento, aqui ficam alguns pontos de apoio - documentos disponíveis na net e quase todos eles de produção luso-brasileira (exclui-se a referência ao texto clássico de Gaye Tuchman):

* Eduardo Meditsch, O conhecimento do Jornalismo,1992.
* Mário Mesquita, Em louvor da santa objectividade, 1966
* Liriam Sponholz, doutoranda em comunicação pela Universidade de Leipzig (Alemanha), Objetividade e a teoria do conhecimento
* Sylvia Moretzsohn, da Universidade Federal Fluminense, "Profissionalismo'' e "objetividade'': o jornalismo na contramão da política
* Luís Carlos Lopes, professor da Universidade Federal Fluminense, Objetivismo, subjetivismo e comunicação pela TV, in Ciberlegenda, n.12, 2003
* Gaye Tuchman, La objectividad como ritual estrategico: un análisis de las nociones de objectividad de los periodistas


:: Manuel Pinto 7:50 AM [+] ::


Excelente contributo para uma blogosfera cada vez mais informada e argumentativa.

Excertos de um livro não anunciado (143)

(...) "Ela visa, muito frequentemente, incitar à acção ou, pelo menos, criar uma disposição para a acção. É essencial que a disposição assim criada seja suficientemente forte para superar os eventuais obstáculos" * (...)

* Perelman, C., (1993) O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 31

25 novembro 2003

"Ainda precisamos de intelectuais?"

Chegou, finalmente, o Causa Nossa (há apenas três dias atrás). Ou muito me engano ou a blogosfera portuguesa não será mais a mesma. E agora compreendo melhor a forma como Eduardo Prado Coelho terminou a sua crónica de ontem no Público:

"Precisamos ainda de intelectuais? Claro, a resposta é sim. Mas como funcionam eles em tempo de blogues?"

Pelos vistos, chegou a hora de desfazer a sua dúvida. E a nossa também.

Saudações e boas-vindas.


(Soube desta notícia pelo Terras do Nunca)

Défice de razão

Caiu a máscara.

Alemanha e França são, afinal, dos primeiros a furar o Pacto de Estabilidade (PEC) com a conivência da maioria dos Estados-Membros.

Portugal aprovou. Espanha votou contra. Do que pensam os representantes portugueses nada se sabe. Estão muito caladinhos, como é próprio de quem consente. Já a Espanha fez notar que as regras têm de ser iguais para todos porque só assim é que a Europa pode crescer. "O Tratado deve ser o mesmo para todos", protesta Rodrigo Rato, ministro espanhol da Economia . A decisão não tem fundamento legal e desrespeita o espírito do Pacto de Estabilidade (PEC), diz Pedro Solbes, comissário europeu para os Assuntos Económicos.

De que lado está a razão? Porque é que a Espanha teve a coragem de se opor e Portugal não? Será que o governo português já prevê que vai em breve cair no mesmo descontrolo (do défice) e quis assim fugir também às respectivas penalizações? Seja como for, é possível que ainda escape ao défice financeiro. Tudo leva a crer, porém, que já não se livra de um défice de razão.

Excertos de um livro não anunciado (142)

(...) O que interessa aqui destacar é a sua visível preocupação por aquilo a que podemos chamar de "adesão activa", ou seja, a ideia de que em muitos casos, ao orador não bastará levar o auditório a concordar com a sua tese - o que em si mesmo se traduziria pelo mero assentimento ou disposição de a aceitar - antes terá de se certificar que a adesão obtida configura também a acção ou a predisposição de a realizar. Ora a nova retórica contempla igualmente esse duplo efeito da adesão, já que "(...) a argumentação não tem unicamente como finalidade a adesão puramente intelectual." * (...)

* Perelman, C., (1993) O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 31

24 novembro 2003

Divertida provocação

Este texto do Pedro Lomba - LER PARA QUÊ? - chega a parecer um desafio à nossa lucidez, tal a dose de provocação que encerra. Aliás, tenho para mim que com ele o seu autor não terá querido mais do que mergulhar (e fazer-nos mergulhar também) num saudável exercício reflexivo, tipo "brainstorming" ou "nonsense" assumido. Uma técnica como qualquer outra de testar as ideias feitas, os preconceitos e até o senso comum. É por isso que, embora concorde com tudo o que a Bomba Inteligente diz aqui, receio que tenha sido algo injusta para com o Pedro, ao levar o respectivo texto mais a sério do que ele o levou (ou parece ter levado).

A Bomba Inteligente repare só, por exemplo, nesta passagem:

"Toda a gente quer publicar um livro e o pior é que lá vai publicando, com a conivência de editores e livreiros. 146 aspirantes a escritores concorreram por exemplo ao prémio Ler."

Alguém se atreve a pensar que o Pedro Lomba exultaria de contentamento se tivessem concorrido ao prémio Ler apenas 2 ou 3 aspirantes a escritor? Claro que não. Confirma-se, portanto: ele quis apenas provocar-nos (no melhor sentido). E conseguiu. Foi até divertido.

Excertos de um livro não anunciado (141)

(...) Evidentemente que não podemos, hoje em dia, aceitar integralmente as ideias retóricas de Santo Agostinho, nomeadamente quando nos fala de "verdades práticas" e preconiza o aterrorizar do auditório. (...)

23 novembro 2003

"Posts" de Simpatia

Agradeço as muito simpáticas referências feitas por dois dos mais qualificados blogues portugueses:


No Terras do Nunca, do jmf:

"A quem se interesse por questões relacionados com o jornalismo, a objectividade e o seu cruzamento com a opinião, aconselho o texto «Factos, Opinião & Jornalismo», publicado pelo Retórica e Persuasão."

No Adufe, do Rui:

"A devida vénia ao Terras do Nunca pelo sublinhado que deu a este belo texto do Retórica.pt e que me levou até lá."

Excertos de um livro não anunciado (140)

(...) Dele nos diz Perelman que, falando aos fiéis para que acabassem com as guerras intestinas, não se contentou com os aplausos e falou até que vertessem lágrimas, testemunhando assim, que estavam preparados para mudar de atitude. (...)

22 novembro 2003

Factos, Opinião & Jornalismo

O ContraFactos & Argumentos teve a amabilidade de apresentar no seu post de 2003.11.21, "VITAMEDIAS” as razões porque discorda de três frases do meu “Factos & Jornalismo”. Essas frases são as seguintes:

- "O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade"

- "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo"

- "é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui"

Registando a atenção com natural agrado, passo a responder de uma forma mais pormenorizada, coisa que o meu texto inicial não consentia.


***

Quanto às minhas duas primeiras frases:


O ContraFactos & Argumentos vem agora (para minha surpresa ) reconhecer que, afinal, as afirmações “O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade" e "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo" são (ou podem ser) verdadeiras no caso da imprensa e da rádio. Só não as considera aplicáveis à televisão. Muito bem. É um problema a menos. Sucede que, mesmo no caso da televisão, embora comece por dizer que “um jornalista que transmite imagens em directo não está a impôr a sua avaliação da realidade mas a transmiti-la” (um jornalista que transmite imagens? Não sei o que é) acaba por vir a afirmar precisamente o contrário, quando, já a fechar o seu post, escreve: “ Uma nota final sobre o fim do jornalista e a ascensão da câmara de filmar objectiva: até estes equipamentos têm opinião, porque atrás deles está sempre alguém a manobrá-los”. Logo, em vez de ContraFactos temos aqui uma ContraDição, que urge sanar. Entretanto, também não era preciso mostrar-se “mais papista que o papa” ao declarar com todas as letras, que até os equipamentos têm opinião. É que se até os equipamentos têm opinião, imagine-se os jornalistas... (itálico e sublinhado meus).


***

Quanto à minha terceira frase:

Aqui o ContraFactos alega que “O jornalista não tem de se bater pela ou demonstrar a sua objectividade, ele deve ser objectivo e verdadeiro perante os factos que relata. A nuance é importante.” E estou plenamente de acordo: a nuance é, de facto, muito importante. Mas, a meu ver, por uma outra razão. É que se o jornalista não tivesse que se bater pela objectividade e pela verdade, então não teria que se justificar nunca perante ninguém. Nem perante as chefias, nem perante o leitor, nem perante si próprio. Mas isso, está bom de ver, seria um meio caminho para a irresponsabilidade. Não basta, pois, que o jornalista escreva: “os factos são estes”. Ou que se limite à sua estrita descrição. É preciso que, ao fazê-lo, possa justificar a sua escolha ou avaliação ou esteja em condições de o fazer. O que requer uma opinião sobre o assunto. E que opinião será essa? Será, naturalmente, a opinião que o guiou nas suas escolhas e nas suas avaliações (dos factos). A sua opinião, portanto.

Contudo, se alguma dúvida persiste quanto a isto, imaginemos agora, por mera hipótese, que as coisas não se passam realmente assim e que, por absurdo, o jornalista consegue enclausurar a sua opinião ou dela prescindir totalmente. Como é que ele vai saber que factos devem ser isolados da realidade contínua e multiforme? E, supondo que acabará por tomar alguma decisão, que garantias tem ele sobre o valor-notícia do acontecimento escolhido? Se não pode contar com a sua opinião como é que ele vai fazer? Atira uma moeda ao ar? Ausculta a opinião de quem estiver por perto? Vai telefonar para a redacção? Ou será que dispõe de um secreto critério científico e universal para seleccionar, interpretar e avaliar os factos com interesse jornalístico? Veja-se a que hipotético ridículo temos que chegar na vã tentativa de esconjurar a opinião do jornalista chamado a relatar um facto.

Mas para além de defender que “um jornalista que transmite imagens em directo não está a impôr a sua avaliação da realidade mas a transmiti-la” o Contra Factos & Argumentos diz ainda: “Por isso me afasto da presunção de que o jornalista deve retornar ao "mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias" para, precisamente e como refere o jornalista citado no Abrupto, afastar a minha opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião”. E não restam dúvidas de que temos aqui duas ideias altamente persuasivas que, na sua singeleza epidérmica, eu próprio me apressaria a subscrever. Isso, bem entendido, se o fundo da questão fosse realmente esse. Mas não é.

Refiro-me à ideia de que “o jornalista não deve impôr a sua avaliação da realidade” e àquela outra de que o jornalista “deve afastar a sua opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião”. A primeira destas ideias, aliás, chega a parecer auto-colante, tal a aceitação geral que de imediato desperta. De facto, quem é que gostaria que, fosse quem fosse, lhe impusesse uma opinião? Isso nem se se pergunta. Porque deveria então ser diferente com um jornalista? Já a segunda ideia aparenta ser mais substantiva apesar do “adorno” lógico em que se encontra envolvida. Explico-me.

É lógico que, no limite, ao leitor interessaria conhecer os factos tal qual o jornalista os conheceu, para então, formar a sua própria opinião. Lógico é. Só que, por um lado, o leitor não é jornalista e por outro, a frase “afastar a minha opinião dos factos que o leitor necessita para formar a sua opinião” não implicita uma questão de lógica mas sim uma questão de verdade ou de correspondência com o real. E o ponto é esse. Seria o ideal poder corresponder a esse interesse do leitor, mas não é possível. Logo, nem o leitor pode pedir o impossível ao jornalista nem este pode oferecê-lo ao leitor. O que este pode esperar e exigir do jornalista é que ele recorra às conhecidas regras (ou procedimentos) de objectividade e isenção. Mas não mais que isso. E isso, não cerceia ou anula a opinião do jornalista. De modo algum. Escusado será dizer, porém, que não se trata aqui de opinião no sentido de comentário ou pública emissão de juízo de valor mas daquela opinião de que o próprio jornalista se serve para poder aferir se está ou não a ser suficentemente objectivo e imparcial.

Muito claro resulta também que o jornalista não tem que impor uma avaliação (opinião). Mas não é esse o problema. O problema é que também não tem que impor um facto. O seu facto. Aquele que ele viu ou viveu (e nao outros). Com a importância e o significado que lhe são por si atribuídos (opinião). Não está em causa a honestidade do jornalista, a sua credibilidade pessoal e profissional ou até o seu sempre possível erro. O que está em causa é saber se é possível algum jornalista reproduzir apenas os meros factos. O que se nega é a crença na apreensibilidade jornalística dos puros factos, uma crença tão ingénua quanto a de supor que a ideologia do jornalista não existe ou não influencia minimamente as suas crenças, os seus relatos, as suas escolhas ou opções. Pior, muito pior do que reconhecer a influência da opinião será, portanto, ocultá-la e fingir que todo o processo de produção da notícia lhe está imune. Isso é que seria um logro.

Não sei como o Contra Factos & Argumentos interpretou esta minha passagem “mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias”. Quando escrevemos, nunca dizemos tudo o que queremos dizer. Mas a vantagem da retórica ou argumentação é essa: sempre podemos aditar, esclarecer ou até reformular um dito mais avulso ou isolado. Vinco, por isso, que o “meu” mundo da opinião e da intersubjectividade não é o chamado mundo do “subjectivismo relativista”. Do mesmo modo, preciso deixar bem claro que a opinião a que me venho referindo, não é a opinião que o jornalista “põe” conscientemente na notícia para lhe dar um certo sentido ou orientação, mas sim aquela que já “” está, independentemente da sua vontade. Não é uma opinião explícita e livre. É uma opinião implícita e necessária, sem a qual, não haveria jornalismo. Essa outra opinião que se “põe” num texto com o deliberado fim de “tomar partido” é, como se sabe, a opinião dos chamados comentadores, dos cronistas, dos editorialistas.

A opinião de que falo não é também um “género jornalístico” como o são, a notícia, o editorial, a crónica, a reportagem ou a entrevista. É antes uma figura do pensamento, da memória, da cultura pessoal, algo que tem muito a ver com o conjunto de crenças, de valores, de preferências e visões gerais das coisas, das pessoas e da vida que asseguram a nossa identidade e nos guiam no quotidiano. É-o no sentido em que sempre poderíamos dizer “eu tenho opinião sobre esse assunto” mesmo sem cuidar previamente de saber que assunto seja, pois a cultura e história pessoal de cada um a todos permite, em princípio, exprimir um ponto de vista ou fazer uma apreciação, seja do que for. No mínimo, fazer uma pergunta, que é igualmente, uma forma de opinar.

Quantas vezes começamos a “dizer umas palavras” de improviso, sem sabermos muito bem ainda o que dizer e até acabamos por nos sair bem? É esse o mundo da opinião a que me refiro. Nada de muito rigoroso, nada de muito delimitado, mas suficientemente consistente para nos orientar na construção de um sentido. É essa a opinião que está em causa na conhecida dificuldade em traçar uma clara linha de fronteira entre os factos e a opinião. É dessa opinião que o jornalista não se consegue desvincular e é bom que tenha consciência disso, para poder operar a indispensável descentração. A questão não é, pois, deontológica. A questão é de natureza epistemológica. Tem a ver com as limitações do próprio acto de conhecer e não com qualquer infracção ou desvio das normas, regras e fins que há muito são consensualmente tidas como imperativas na prática jornalistica.

Outra coisa, por exemplo, é a veracidade do jornalista. Esta já depende da vontade, da competência, das condições de trabalho e de muitos outros factores que condicionam a actividade do jornalista. Mas é possível ser verídico, relatar fielmente tudo o que lhe foi dado observar ou conhecer. O que não é possível, repete-se, é aceder aos puros factos. Há sempre necessidade de uma mediação: a interpretação do jornalista. E é também por isso que ele tem sempre que estar em condições de mostrar que foi objectivo e verdadeiro na notícia que deu. Se o deve fazer ou não no interior da própria notícia, depende da natureza da mesma ou do facto relatado ou de muitas outras circunstâncias e ponderáveis razões. Mas não se negue a credibilidade acrescentada que uma notícia angaria junto do leitor, quando, para além da descrição do acontecimento inclui igualmente a indicação da fonte utilizada, a justificação da sua escolha e até as razões da sua idoneidade.

Excertos de um livro não anunciado (139)

(...) Santo Agostinho vem ao encontro deste conjunto de questões quando considera que o auditório só será verdadeiramente persuadido "se conduzido pelas vossas promessas e aterrorizado pelas vossas ameaças, se rejeita o que condenais e abraça o que recomendais; se ele se lamenta diante do que apresentais como lamentável e se rejubila com o que apresentais como rejubilante; se se apieda diante daqueles que apresentais como dignos de piedade e se afasta daqueles que apresentais como homens a temer e a evitar" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 32

21 novembro 2003

A dita eloquência (48)

"Quem não trocava a vitória pela decência?"

Francisco J. Marques, Jornalista

- in Jornal de Notícias de hoje (sem link) e a propósito dos estragos causados no balneário pela nossa selecção de futebol sub-21, em França.

Excertos de um livro não anunciado (138)

(...) Que a retórica visa persuadir e que a adesão é, simultaneamente, o fim e o critério da comunicação persuasiva, é ponto assente. Mas qual a natureza e extensão dessa adesão? Quando se pode afirmar que há ou não adesão? Bastará para tanto que o interlocutor ou o auditório passem a comungar da mesma ideia que o orador? Poder-se-á falar de adesão passiva e adesão activa? Mais: será possível estabelecer alguma distinção entre adesão e convencimento? (...)

20 novembro 2003

Inteligência artificial

Faço minha a sugestão de Lourenço Bray, leitor do Abrupto e sugiro que entre aqui. Irá encontrar um "simpática analista", a Lauren, sempre pronta a ajudar, apesar de não passar de um bot (software robot). Faça-lhe perguntas (em inglês) e surpreenda-se, por exemplo, com o impressionante número de "rotinas" que usamos na nossa linguagem natural.

Nota- A Lauren, apesar de muito limitada (por agora) já sabe quem foi Platão.

Excertos de um livro não anunciado (137)

(...) O fim do raciocínio prático não é já o de demonstrar a verdade, mas sim, mostrar em cada caso concreto, que a decisão não é arbitrária, ilegal, imoral ou inoportuna, numa palavra, persuadir que ela é motivada pelas razões indicadas.(...)

19 novembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (136)

(...) É que se o raciocínio teórico, onde a conclusão decorre das premissas de uma forma impessoal, permite elaborar uma lógica da demonstração puramente formal, de aplicação necessária, o raciocínio prático, pelo contrário, ao recorrer a técnicas de argumentação, implica sempre um determinado poder de decisão, ou seja, a liberdade de quem julga a tese, para a ela aderir ou não (...)

Sem Factos & Sem Argumentos

O ContraFactos & Argumentos diz que tem "dúvidas sobre as certezas e confusão de termos" usados no meu post "Factos & Jornalismo", dúvidas que lhe terão sido suscitadas especialmente pelas minhas três afirmações seguintes:

- "O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade" [...]

- "o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo" [...]

- "é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui" [...]



Ter dúvidas pode ser salutar. Mantê-las é que não. Mas para as confirmar ou desfazer, no mínimo, é preciso indicá-las, dizer quais são. O que o ContraFactos & Argumentos nao diz.

Ainda assim, faça-se um esforço por perceber a crítica.

É que se não sei quais são as dúvidas sei porém que dizem respeito às aludidas "certezas e confusão de termos". Posso assim esclarecer o ContraFactos & Argumentos que onde viu certezas deve passar a ver convicções, porque é apenas disso que se trata. E as convicções, como se sabe, são essenciais para quem pense que tem algo a comunicar. Já quanto à denunciada "confusão de termos" falta o melhor: falta que a descreva e a justifique. Caso contrário, pode até ficar no ar a ideia de que se trata de um reparo sem qualquer justificação. Ora a existência de justificação ou fundamento é tudo o que distingue a sólida argumentação de uns meros "bitaites"...

O Doutor A. M. Baptista e a falta de (pa)ciência

Com a devida vénia transcrevo parte do excelente post "Ainda guerras da "ciência"? assinado pelo Porfírio Silva no seu Turing Machine:

"Requentadas, continuam entre nós as "guerras da ciência". Dois protagonistas maiores: Boaventura Sousa Santos (BSS) e António Manuel Baptista (AMB). O último julga ter por missão defender a ciência das teorias sociológicas do primeiro. BSS tem uma certa tendência para pensar que a ciência é literatura. De há uns tempos para cá que ando com vontade de atacar a retórica de BSS, mas AMB não deixa espaço nenhum: porque é um provocador, um praticante do estilo panfletário que julga ser seu dever defender a santidade da ciência. Assusto-me só de pensar que, criticando BSS, possa parecer que defendo AMB."

Confesso que muito me identifico com esta maneira de ver (e pensar) a já famosa controvérsia "Guerra das ciencias", que, como se sabe, é protagonizada, na sua versão nacional, por Boaventura Sousa Santos e António Manuel Baptista. O debate permanece em aberto pelo que não faltarão ocasiões de voltar ao assunto. Mas há, desde já, dois pontos que gostava de assinalar:

1º. Registo com muito agrado a isenção analítica que Porfírio Silva evidencia no seu post.

2º. Duvido que A. M. Baptista esteja, realmente, a prestar um bom serviço à divulgação da ciência com a belicosa e persecutória reacção pessoal que vem dispensando a BSS.

Enfim, talvez já não haja paciência para as diatribes do Doutor A. M. Baptista. Mas o que está em discussão vai muito para além disso. Fico, pois, a aguardar que o Porfírio resolva um destes dias "atacar a retórica de BSS" como é a sua anunciada vontade. Pode contar com mais um leitor.

18 novembro 2003

Isto só pode ser...

O ENIGMA CHARLOTTEANO


Du du bidu, du du bidu, du du biduuuu...

Di di didi, di di didi, di di didiiiiii...

// posted by Charlotte @ 12:14 PM


Comecemos pelo ritmo:

Isto só pode ser... uma valsa-jazz (com o baterista a tocar de "vassouras")
É que não ponho a hipótese de estar mal cantado...

Excertos de um livro não anunciado (135)

(...) Abre-se assim espaço a um livre confronto de opiniões e argumentos que permite “dimensionar criticamente o acto de provar, ajustando-o às possibilidades e limites da condição humana (ligação com o passado, historicidade, impossibilidade de uma linguagem pura ou de um grau zero do pensamento) e mostrar que a própria exigência de provar só tem verdadeiramente um sentido humano quando nela se vêem implicadas a nossa responsabilidade e a nossa liberdade" *

* Grácio, R., (1993), Racionalidade Argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 80

Pouco Pulido (2)

Para quem tenha entendido que jmf do Terra do Nunca ao saudar o regresso de Vasco Pulido Valente aos jornais estava, implicitamente, a concordar com ele, foi muito oportuno o esclarecimento que jmf deu ontem, no seu post "VPV versus MST".

Essa não foi, porém, a minha interpretação. Para mim, ficou, desde logo, claro que o jmf não concordou (nem discordou) do VPV. Limitou-se a classificar o seu regresso como acontecimento mediático. E foi-o, sem dúvida. Por isso mais censurável se tornou a modalidade de "ataque pessoal" a que recorreu.

É isso que não pode passar em claro. Porque a ética da discussão é, como sabemos, uma ética da igualdade, onde "todos devem comer pela mesma medida". Nâo pode ser aplicável apenas às figuras mais anónimas ou sem crédito na praça cultural. Como alguém disse, "o exemplo é a melhor testemunha". É aconselhável, por isso, que venha de cima.

Quanto ao mais, só desejo que VPV volte em breve e definitivamente às suas admiráveis crónicas de que sou, aliás, leitor-cativo.

17 novembro 2003

A dita eloquência (47)

"no que ele faz, faz melhor do que eu, no que eu faço, eu faço melhor do que ele"

Pacheco Pereira

(referindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa, hoje, no Público)

Excertos de um livro não anunciado (134)

(...) Rui Grácio assinala aqui uma deslocação fundamental na noção de prova, no sentido da sua desdogmatização, sem que, contudo, se tenha de cair no cepticismo radical. O que se passa é que as exigencias de rigor e certeza deixam de se cingir à polaridade certeza absoluta-dúvida absoluta, passando a ser apreciadas à luz de uma lógica do preferível (ou informal) que já não visa a verdade abstracta, categórica ou hipotética, mas tão somente o consenso e a adesão. (...)

16 novembro 2003

Pouco Pulido

Ainda não li o "Equador" de Miguel Sousa Tavares. Não sei, portanto, se Vasco Pulido Valente tem alguma razão no juízo extremamente negativo que faz sobre a obra. Seja como for, o grosseiro ataque pessoal com que acaba de brindar o autor, no Público de hoje, é muito mais do que dispensável. É algo que se condena, vivamente. A controvérsia não se promove com deselegâncias ou insultos, mas com razões e pelo confronto de argumentos. Decididamente, isto não se faz.

Excertos de um livro não anunciado (133)

(...) Do que se trata agora é de realizar uma prova nas e para as situações concretas em que se elabora e face às quais se apresenta como justificação razoável de uma opção, pois, como diz Perelman, “a possibilidade de conferir a uma mesma expressão sentidos múltiplos, por vezes inteiramente novos, de recorrer a metáforas, a interpretações controversas, está ligada às condições de emprego da linguagem natural. O facto desta recorrer frequentemente a noções confusas, que dão lugar a interpretações múltiplas, a definições variadas, obriga-nos muito frequentemente a efectuar escolhas, decisões, não necessariamente coincidentes. Donde a obrigação, bem frequente, de justificar esta escolha, de motivar estas decisões” *

* Perelman, C., cit. in Grácio, R., (1993), Racionalidade Argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 79

Raciocínio demonstrativo versus raciocínio dialéctico

"o raciocínio é uma demonstração quando as premissas das quais parte são verdadeiras e primeiras, ou quando o conhecimento que delas temos provém, originariamente, de premissas primeiras e verdadeiras; e, por outro lado,o raciocínio é dialéctico quando parte de opiniões geralmente aceites"

Aristóteles, in Tópicos.

Nota:
É a partir da classificação aristotélica dos raciocínios que Chaim Perelman opera a polémica distinção entre demonstração e argumentação (associando a esta última os raciocínios dialécticos).

15 novembro 2003

Factos & Jornalismo

Publicou o Abrupto, na sua edição de 12.11.2003 a carta de um leitor que é, por sinal, jornalista, onde este, a certa altura, diz:

Quando sou destacado para acompanhar um qualquer evento, quando escrevo sobre uma reunião da Assembleia Municipal, os meus leitores não querem saber o que penso sobre os assuntos; querem saber o que se passou, quem disse o quê, porquê e para quê.

Eu, jornalista, sou um cidadão igual aos outros: a minha opinião é importante para mim e para os meus familiares e amigos. Não o é para a generalidade dos meus concidadãos. Para estes, o importante é disporem dos factos para formar a própria opinião.


É caso para perguntar:

- Se a função do jornalista se limita a "transmitir" os factos aos seus leitores para que estes formem a sua própria opinião, não será melhor acabar com os jornalistas e recorrer a câmeras de filmar? Quer-se mais "objectividade" que isso?


De facto, não concordo com este leitor (jornalista) do Abrupto e vou dizer porquê.

O que se espera de um jornalista não é uma mera reprodução escrita, fotográfica ou fílmica dos factos. O que se espera de um jornalista é que comunique aquilo de que "tomou conhecimento" e não que relate acontecimentos ou factos avulsos, caóticos. Que nos traga ao espírito uma realidade com sentido, ainda que dele venhamos a discordar. Que se preocupe com sua opinião e não com a nossa. Que nos "apresente" as notícias, ou seja, que não fuja da opinião como quem foge da própria sombra.

O jornalismo não pode ser, nem é, mero espelho da realidade. E, ultrapassada essa falsa ideia de acesso à pura factualidade, há-de centrar-se cada vez mais nas tarefas de recepção, interpretação, avaliação e debate, que o fazem retornar ao “(...) mundo da opinião, da intersubjectividade, do confronto e livre discussão das ideias, um mundo, afinal, onde não é possível traçar, milimetricamente ou a esquadro, qualquer fronteira entre o bem e o mal, entre o belo e o feio, entre o justo e o injusto” *.

Poder-se-á então falar do jornalismo também como uma forma de conhecimento. De um conhecimento retórico, assinale-se, pois se o que o jornalista comunica é sempre a sua avaliação da realidade e nunca o facto em si mesmo, então há necessidade de convocar uma argumentatividade que justifique e prove o acerto ou a preferência dessa sua interpretação sobre outras interpretações igualmente possíveis.

Dir-se-á que isto nos remete para uma concepção subjectivista de jornalismo no sentido mais relativista do termo, que o mesmo é dizer, onde cada opinião vale o que vale, sem qualquer compromisso com a verdade. Nada de mais enganoso, porém, já que é justamente pelo facto do jornalista se bater pela objectividade e pela verdade que tem necessidade de argumentar em favor dos seus critérios de selecção dos factos, do enquandramento e do significado que lhes concede ou atribui. Numa palavra, tem que mostrar aquilo que o próprio facto (isolado) nunca deixaria ver.


* Sousa, A., (2001), “Retórica e discussão política”. Comunicação apresentada no II Congresso da SOPCOM, em Outubro de 2001, na Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa

Excertos de um livro não anunciado (132)

(...) Além disso, o acto de provar fica assim indissociavelmente ligado a uma dimensão referencial que implica a consideração das condições concretas do uso da linguagem natural e da ambiguidade sempre presente nas noções vagas e confusas que integram aquela . (...)

14 novembro 2003

Palavras certas

Quanto à blogosfera, pela sua própria natureza inacabada, trata-se de uma classificação permanentemente em aberto. Como o debate acerca dela. Se alguém quiser continuar a conversa, vamos a ela" jmf - Terras do Nunca


Palavras certas do jmf. A blogosfera não é a mesma que era quando aqui entrei e, no entanto, só passaram cinco meses. Para além de inacabada é inacabável. Já não estão cá todos. Uns foram e não voltaram mais (até ver). Outros, regressaram. Mas, sobretudo, faltam os que hão-de vir. A todo o momento, pode-se registar aqui uma invasão, quer em quantidade quer em qualidade, em especialização ou até em ideologia. E se não é fácil caracterizar a blogosfera de ontem e de hoje, parece impossível classificar a blogosfera de amanhã.

Até porque não há apenas "uma" blogosfera. Ninguém estará em condições de acompanhar regularmente dois mil blogues, como seria necessário para efeitos classificatórios. A blogosfera "total" é um mundo (virtual) que eu sei que existe mas também sei que não é meu nem é de ninguém. Faz-me lembrar aqueles grande encontros ou jantares muito concorridos onde, apesar dos inúmeros participantes, só conseguimos falar (e conviver) com dois ou três, tal a dispersão das conversas e dos interesses cada um e a impossiblidade prática de a todos prestar atenção ao mesmo tempo.

Algo de semelhante se passa na blogosfera. A minha blogosfera é formada pelos blogues que visito regularmente, pelos que têm link reservado ali do lado direito, por outros que já lá deviam estar e ainda não estão e por uma série de blogues novos que lá vou observando sempre que posso. Quantos são, ao todo? Trinta? Quarenta? Oitenta? Cem? Duvido que alguém (que faça mais qualquer coisinha na vida) possa frequentar diariamente ou quase, mais de cem blogues e eu não serei excepção. Logo, como classificar uma blogosfera de mais de dois mil blogues a partir dos cem que escolhi?

O título

"O HOMEM COM MEDO DE SI PRÓPRIO"

Este poderá ser o título de um novo livro prestes a ser publicado e o tema tem a ver com três palavras-chave: Ética, Homem, Tecnociência.

Será que o título foi bem escolhido? Agradeço,desde já, todos os comentários e sugestões.

Excertos de um livro não anunciado (131)

(...) Este alargamento da noção de prova, mostra-se, aliás, em perfeita harmonia com o já referido alargamento da própria noção de razão. Organizada por um conjunto de processos que tendem a enfatizar a plausibilidade da tese que se defende, a prova retórica manifesta-se pela força do melhor argumento, que se mostrará mais forte ou mais fraco, mais ou menos pertinente ou mais ou menos convincente, mas que, pela sua natureza, afasta, à partida, qualquer possibilidade de poder ser justificado como correcto ou incorrecto. (...)

13 novembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (130)

(...) Daí que Perelman venha dizer-nos que ao lado da prova para a lógica tradicional, dedutiva ou indutiva, impõe-se considerar também outro tipo de argumentos, os dialécticos ou retóricos. (...)

12 novembro 2003

A dita eloquência (46)

"se nós falássemos sempre logicamente e nunca ficássemos confusos, nunca poderíamos dizer nada de novo. Só poderíamos dizer "frases feitas"(...)"

Gregory Bateson

in Bateson, G., (1996), Metadiálogos. Lisboa: Gradiva, p. 33

Excertos de um livro não anunciado (129)

(...) Nem se delibera quando a solução é necessária, nem se argumenta contra a evidência.(...)

11 novembro 2003

Falar ao sentimento

"Os sentimentos fazem a transposição do mundo da regulação automática para o mundo da regulação deliberada. Os sentimentos confundem-se com o princípio da consciência. Confundem-se, pois, com a possibilidade, não só de ter uma reacção automática, mas de saber que se tem essa reacção, e poder a partir daí construir conhecimentos e sintonizar essa reacção com determinados objectivos. Portanto, os sentimentos são indispensáveis para se conseguir criar um espaço de livre-arbítrio, que temos (isso é qualquer coisa que nos caracteriza humanamente), embora não tenhamos um enorme espaço de manobra; são indispensáveis para se conseguir deliberar, para se conseguir concluir (...)"

António Damásio
(na entrevista que concedeu ao filósofo André Barata para o Público)


Quem diria que a tão popularizada expressão de "falar ao sentimento" estava, afinal, carregada de "razões"?

Excertos de um livro não anunciado (128)

(...) Não surpreende, por isso, que a própria noção de prova tenha que ser significativamente mais lata do que na lógica tradicional e nas concepções clássicas de prova pois a necessidade e a evidência não se coadunam com a natureza da argumentação e da deliberação.(...)

10 novembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (127)

(...) Pode então dizer-se que, no quadro do pensamento perelmaniano, a diferença entre demonstração e argumentação surge umbilicalmente ligada ao modo como nele se distingue a lógica tradicional da retórica.(...)

09 novembro 2003

A lógica do cão

Ferro Rodrigues disse ontem à  TSF:

***
"Se tivesse medo comprava um cão. Como é abundantemente conhecido tenho um cão... que me acompanha permanentemente e que me faz não ter medo... nem disso nem de outras coisas"

Ora quando Ferro diz que "quem tem medo compra um cão" e, logo em seguida, confessa que tem um (cão), a ideia que fica no ar é a de que sem o cão, teria medo. É assim ou não?

Excertos de um livro não anunciado (126)

(...) Enquanto numa demonstração matemática, tais axiomas não estão em discussão, sejam eles evidentes, verdadeiros ou meras hipóteses, e por isso mesmo não dependem também de qualquer aceitação do auditório, na argumentação, a discutibilidade está sempre presente, já que o seu fim "não é deduzir consequências de certas premissas mas provocar ou aumentar a adesão de um auditório às teses que se apresentam ao seu assentimento" *(...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 27

08 novembro 2003

A dita eloquência (45)

"Costumo estar de acordo com ele, excepto quando trata de assuntos que conheço bem"

Francisco Van Zeller


(Referindo-se a Marcelo Rebelo de Sousa, na "Visão" desta semana)

Louçã com muita graça

Em especial para o Bruno do avatares de um desejo.

***

À revista Visão desta semana, diz Francisco Louçã de Marcelo Rebelo de Sousa:

"É absoluta e assumidamente tendencioso, senão não teria graça nenhuma"

Fica explicado porque Louçã tem muita graça?

Excertos de um livro não anunciado (125)

(...) Além disso, a demonstração - que se processa em conformidade com regras explicitadas em sistemas formalizados - parte de axiomas e princípios cujo estatuto é distinto do que se observa na argumentação. (...)

07 novembro 2003

Excertos de um livro não anunciado (124)

(...) Torna-se pois imperioso distinguir entre demonstração e argumentação, o que Perelman faz com assinalável clareza, começando por salientar que, em princípio, a demonstração é desprovida de ambiguidade (ou, pelo menos, assim é entendida) enquanto a argumentação, decorre no seio de uma língua natural, cuja ambiguidade não pode ser previamente excluída.(...)

06 novembro 2003

Palavras que podem ferir

"(...) julgo que uma coisa é evidente: depois de conhecermos as pessoas, a agressividade atenua-se. Mesmo quando não gostamos das ideias ou da pinta de alguém (em pessoa), sempre temos a noção de que do outro lado não está apenas um p.c., de que as palavras voam e ferem, e isso torna-nos um bocadinho mais humanos." - Pedro Mexia

Subcrevo inteiramente. Excelente ideia. A reter nesta nossa aventura virtual.

Excertos de um livro não anunciado (123)

(...) Vislumbram-se aqui os primeiros alicerces fundacionais daquilo a que, numa das suas obras, virá a chamar “O império retórico” e que se tornam ainda mais visíveis quando afirma que a nova retórica “não se limitará, aliás, ao domínio prático, mas estará no âmago dos problemas teóricos para aquele que tem consciência do papel que a escolha de definições, de modelos e de analogias, e, de forma mais geral, a elaboração duma linguagem adequada, adaptada ao campo das nossas investigações, desempenham nas nossas teorias” * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico. Porto: Edições ASA, p. 27

05 novembro 2003

A dita eloquência (44)

"Todas as ciências começam com a filosofia"

António Damásio

in "O Independente" de 2003.10.31.

Excertos de um livro não anunciado (122)

(...) Como já vimos, Perelman toma partido por esta segunda hipótese, o que o leva a considerar a nova retórica como um instrumento indispensável à filosofia, na convicção de que "todos os que crêem na existência de escolhas razoáveis, precedidas por uma deliberação ou por discussões, nas quais as diferentes soluções são confrontadas umas com as outras, não poderão dispensar, se desejam adquirir uma consciência clara dos métodos intelectuais utilizados, uma teoria da argumentação tal como a nova retórica a apresenta” * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico. Porto: Edições ASA, p. 27

04 novembro 2003

Falta de correspondência

Ou a carta foi roubada ou o carteiro está muito atrasado (a última vez que passou foi já em "Sexta-feira, Outubro 17"). Vamos lá a dar notícias. Nem que seja um postalzinho...

Excertos de um livro não anunciado (121)

(...) A questão é esta: ou se admite que se pode fundar teses filosóficas com base no critério da evidência e, nesse caso, a filosofia bastar-se-á a si própria, não só quanto à sua elaboração mas também no tocante à sua demonstração ou não se admite que se possa fundar teses filosóficas sobre intuições evidentes e será preciso recorrer a técnicas argumentativas para as fazer prevalecer. (...)

03 novembro 2003

A dita eloquência (43)

"Somente a crença ilusória na realidade dos opostos - a crença de que não existe apenas o que é, mas também o que não é - conduz à ilusão de um mundo em mudança"

Karl Popper

Popper, K., (2003), Conjecturas e Refutações. Coimbra: Livraria Almedina, p. 201

Excertos de um livro não anunciado (120)

(...) Nesta afirmação poderemos surpreender uma outra inovação no seu pensamento retórico, pois dela decorre, como ele próprio assume, uma subordinação da filosofia à retórica, ao menos, no momento em que se trate de verificar se as teses da primeira merecem ou não ser acolhidas. (...)

02 novembro 2003

Tribuno versus comentador

O Bruno do avatares de um desejo diz que "Francisco Louçã é, desde há muito, o melhor parlamentar português a discursar. Não sei que opinião faz disto o retórica e persuasão. (O Marcelo Rebelo de Sousa também daria um bom tribuno) (...)"

***

Caro Bruno,

Também considero que Francisco Loucã é realmente um tribuno de eleição, um emérito conhecedor das "leis" da retórica. Já não me parece tão evidente que seja "o melhor parlamentar a discursar" embora reconheça que o Bruno tem muito boas razões para pensar isso. Francisco Louçã é um homem que domina a palavra (e o raciocínio) como poucos e tem produzido, no parlamento e fora dele, intervenções retóricas de nível superior. Mas é curioso como o bom desempenho retórico depende, muitas vezes, de aspectos que parecem irrelevantes. Vou citar apenas um desses aspectos: a intensidade da voz.

Aquela entoação reforçada que é necessária à produção de um discurso no Parlamento requer características pessoais muito distintas da fala mais coloquial ou até intimista de um comentário na televisão, especialmente, quando este é produzido sob a forma de um "simulado" diálogo. Por exemplo, no caso de Marcelo Rebelo de Sousa, que é, indiscutivelmente, um retórico do mais alto nível, já não o vejo a conseguir, como tribuno (recordo-me de alguns discursos como Presidente do PSD), a mesma performance que revela como comentador da TVI. Marcelo é, sem, dúvida um professor de outra galáxia. Percebe-se no seu olhar o brilho de quem se regozija com a sua própria clareza analítica, a sua explicação sistemática e, acima de tudo, com a justificação das conclusões que todas as semanas nos propõe ou recomenda.

O assunto é sério, mas é tratado com tal arte e mestria que rapidamente se transforma numa diversão, numa fonte de prazer para quem o vê e escuta. E Marcelo será o primeiro a divertir-se, principalmente se, como penso, se envolve muito com o que diz, mas, verdadeiramente, nunca chega a experimentar o entusiasmo que parece viver. Nem poderia. Porque quem fala com muito entusiasmo corre o risco de perder até "o fio à meada" daquilo que tinha para dizer. E isso, como se sabe, não é coisa que se espere de "um" Marcelo Rebelo de Sousa. Ele está ali para interpretar e esclarecer, mas também para entusiasmar (e não para ser entusiasmado). No melhor dos sentidos, é um actor que leva para o estúdio da televisão o papel que costuma representar na sala de aula. Sim porque aquilo não é apenas um comentário: é uma aula em directo. E aí, ele é brilhante.

Excertos de um livro não anunciado (119)

(...) Quando muito, Perelman admite que se possa completar o estudo geral da argumentação com metodologias especializadas em função do tipo de auditório e o género da disciplina, o que levaria à elaboração, por exemplo, de uma lógica jurídica ou de uma lógica filosófica, as quais mais não seriam do que aplicações particulares da nova retórica ao direito e à filosofia. (...)

01 novembro 2003

A dita eloquência (42)

"Até mesmo aos seus ní­veis mais casuais, menos instruí­dos, todo o acto ou gesto de expressão humana é, numa ou noutra medida, retórico"

George Steiner

in Steiner, G., (2002), Gramáticas da Criação. Lisboa: Relógio D'Água, p.174

Excertos de um livro não anunciado (118)

(...) Essa é, aliás, uma das novidades da nova retórica em que Perelman põe mais ênfase e para a qual apresenta a seguinte justificação: "Considerando que o seu objecto é o estudo do discurso não-demonstrativo, a análise dos raciocínios que não se limitam a inferências formalmente correctas, a cálculos mais ou menos mecanizados, a teoria da argumentação concebida como uma nova retórica (ou uma nova dialéctica) cobre todo o campo discursivo que visa convencer ou persuadir, seja qual for o auditório a que se dirige e a matéria a que se refere" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico. Porto: Edições ASA, p. 24