31 outubro 2003

A dita eloquência (41)

"Agora terei de ouvir novamente que minha filosofia é desesperada somente porque me expresso conforme a verdade, mas as pessoas querem que se lhes diga que o Senhor Deus tenha feito tudo do melhor modo. Dirijam-se à igreja, e deixem em paz os filósofos."

Schopenhauer


in
Schopenhauer, A., (1991). O mundo como vontade de representação, III Parte; Crítica da filosofia kantiana; Parerga e paralipomena, capítulos V, VIII, XII, XIV / Artur Schopenhauer; Traduções de Wolfgang Leo Maar e Maria Lúcia Mello e Oliveira Cacciola. (5.ª ed.), S. Paulo: Nova Cultural, p. 223

Excertos de um livro não anunciado (117)

(...) Mas a nova retórica vem romper totalmente com essa distinção, na medida em que passa a dizer respeito aos discursos dirigidos a todas as espécies de auditórios, quer se trate de reuniões públicas, de um grupo fechado, de um único indivíduo ou até, de nós mesmos (deliberação íntima). (...)

30 outubro 2003

Retórica & Artifícios (2)

Caro Pedro Caeiro,

Tenho muito prazer em trocar ideias consigo e estou-lhe muito grato por dar continuidade ao que simpaticamente designou de “agradável conversa”. Embora sem a pretensão de corresponder totalmente à sua expectativa, aqui estou - hoje sim - a tentar responder ao teor do seu último post.

Sobre os artifícios retóricos. Deixe-me dizer-lhe, Pedro, que em nenhum momento pressupus uma conotação pejorativa no uso que fez do termo "artifício". A prova é que procurei “impessoalizar” (repito) o comentário que fiz com o único propósito de afastar a equivocidade da referida expressão. É que, a retórica, como sabe, continua a ser associada, na maioria das vezes, a um conjunto de artifícios ou truques discursivos, mais ou menos floreados, mais ou menos enganosos, onde tudo vale para se conseguir a adesão do auditório. E neste contexto, falar de “artifícios retóricos” poderia tornar-se tão equívoco como falar, por exemplo, de “floreados retóricos”. Quem desconhece que, regra geral, estas duas expressões remetem para obscuros estratagemas e linguagens rebuscadas (que de modo algum se inscrevem na matriz disciplinar da retórica)?

Sobre a linguagem e as figuras de estilo. Aqui não compreendi a intenção argumentativa do Pedro, já que:

1) não assimilei os artifícios retóricos aos que se empregam nos "usos de linguagem" comuns

2) não considerei o artifício retórico apenas na estrita medida em que toda a linguagem é artifício ou dispositivo.

3) e como aliás, já expliquei, as figuras de estilo não comportam necessariamente "um elemento dinâmico (dado pelo fim persuasivo) que exorbita da linguagem enquanto mero aparelho de comunicação).


E, como se sabe, sem dito não pode haver contradito.

Sobre o argumentum ad hominem. O facto do emissor desconhecer, no momento da declaração, a identidade concreta de eventuais opositores não “afasta a possibilidade de vermos aí um argumento ad hominem”. Recordemos que um argumento é “ad hominem” muito simplesmente porque ataca a pessoa em vez de debater as razões para aceitar ou não a conclusão (ideia, proposta ou solução). É esse o critério da definição. Uma ideia, qualquer ideia, há-de ter valor ou desvalor em si mesma. Ora isso independe das características ou atributos pessoais de quem a possui ou defende.

É por isso que chamar troglodita a alguém representa um caso particular de ataque à pessoa (ad hominem) seja ela quem for, presente ou ausente, determinada ou indeterminada, real ou potencial. O procedimento é claramente erístico (vencer por vencer, vergar o adversário) e não retórico (vencer com razões, respeitar o oponente) e ocupa, pode dizer-se, um lugar central no quadro das chamadas falácias de “fugir ao assunto”.

Quanto ao cerne do problema. O PC tinha inicialmente colocado a hipótese de “adjectivar possíveis objectores de trogloditas” com o único intuito (expresso) de esvaziar previamente o efeito do eventual uso do mesmo termo contra si. Veio agora acrescentar-lhe uma segunda intenção: a de desvalorizar também a eventual linha de argumentação contrária. Mas este aditamento não só não altera o essencial da questão como tem até a vantagem de vir dar mais visibilidade ao que realmente está em jogo. Ou seja:

- O orador recorre a um insulto (estou a supor que o concreto uso do termo “troglogita” nao seja eticamente neutro, nem, muito menos, elogioso) com o duplo objectivo de “atenuar” os efeitos de igual tratamento por parte dos discordantes e de “descentrar” a discussão para o aspecto lateral de se saber “quem é o troglodita”.

Com isto o que é que fica claro? Fica claro que ou o orador está de “má fé” discursiva (tentando fazer aprovar uma ideia que sabe de antemão ser indefensável) ou tem o duplo receio de que:

1) os seus argumentos não se mostrem convincentes para alguns opositores

2) no caso dos opositores reagirem, pela via do insulto ou pela via de uma argumentação inconsistente, não disponha de competência argumentativa ou de razões válidas para os desqualificar.


Vai daí, recorre ao “golpe baixo” do já citado argumento ad hominem esperando desse modo colher os dividendos a que não chegaria pela simples apresentação das suas razões.

É caso para dizer que talvez não precisasse de tanto se o auditório fosse cego, surdo e mudo. Mas em condições normais, essa “habilidade” não passaria despercebida a quem seguisse o debate. Pelo que à rejeição ética (e não apenas deontológica como PC sugere no final do seu post) deste procedimento, haverá que somar ainda a sua mais que provável ineficácia.

O Pedro parece recear que eu não tenha captado bem o “cerne do problema” quando vinca que não se trata apenas de “insultar antes de ser insultado” e sim de “prevenir um ataque muitro concreto”. Mas fique certo que explicou muito bem a sua questão. Foi, por isso, sempre muito claro, também para mim, que, naturalmente, o verdadeiro objectivo não seria insultar, seria prevenir. Mas o que se passa é que seria prevenir à custa de um insulto. É certo que de um insulto como meio e não como fim. Mas ainda insulto. Coisa que só encontraria cobertura num regime retórico de “olho por olho, dente por dente” em que o orador se encontrasse legitimidado para ofender os seus adversários, à primeira suspeita de que pudesse vir a ser ofendido. Enfim, um regime, esse sim, mais próprio de verdadeiros trogloditas.

O problema não é portanto o recurso à prolepse, isto é, à preventiva antecipação do argumento do adversário. Por exemplo, nada haveria a opôr se com a mesma finalidade o orador , em vez de apelidar de trogloditas todos os eventuais discordantes, argumentasse qualquer coisa de parecido com isto:

“ poderão alguns chamar-me de troglodita para assim tentarem desvalorizar o que digo; só não conseguirão vencer a força das razões que acabei de apresentar”

Repare-se como esta antecipação de um presumível ataque se limita a evocar e refutar a sua mera possibilidade. É uma estratégia legítima. É uma prolepse. É uma antecipação evocativa do possível argumento do adversário. Não é a pura imitação do que poderá ser o seu argumento ou ofensa, tal como acontece no nosso caso do “troglodita”. Logo, Pedro Caeiro, o procedimento que em boa hora lançou para a nossa conversa ou diálogo é, para todos os efeitos, a prolepse de um argumento ad hominem.

Quanto ao termo troglodita ser ou nao insultoso, aí teremos mesmo que nos decidir: ou é um insulto... ou não faria qualquer sentido estar preocupado com a hipótese dos eventuais discordantes lhe virem a chamar o mesmo nome a si. Não acha? Não me diga que vamos ter que reformular toda a questão... (risos)

Abençoada blogosfera

O debate. Palco privilegiado para a partilha, para a crítica, para a refutação ou consenso de opiniões. A maravilhosa aventura intelectual de examinar o mundo, as pessoas, a vida. Sempre à procura de compreensão e de sentido, de novos enigmas para desvendar. O Eu e o tu. O nós e os outros. Um trilho comum. O debate do nosso retórico existir. Abençoada blogosfera.

Excertos de um livro não anunciado (116)

(...) Essa oposição, contudo, é fortemente tributária da distinção que o velho filósofo fazia entre uma e outra: a dialéctica como estudo dos argumentos utilizados numa controvérsia ou discussão com um único interlocutor e a retórica, como dizendo respeito às técnicas do orador "dirigindo-se a uma turba reunida na praça pública, a qual não possui nenhum saber especializado e que é incapaz de seguir um raciocínio um pouco mais elaborado" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 24

29 outubro 2003

Excertos de um livro não anunciado (115)

(...) Comprova-o, desde logo, o facto de Perelman assumir um diferente posicionamento quanto à relação entre a retórica e a dialéctica. Recordemos que nos seus Tópicos, Aristóteles concebe a retórica como oposta à dialéctica, chegando a considerá-la mesmo como o reverso desta última. (...)

28 outubro 2003

A dita eloquência (40)

"A liberdade de opinião é uma farsa se a informação sobre os factos não estiver garantida e se não forem os próprios factos o objecto do debate"

Hannah Arendt


in Arendt, H. (1995), VERDADE E POLÍTICA, Lisboa: Relógio D'Água, p. 24

Excertos de um livro não anunciado (114)

(...) No âmbito da nova retórica, porém, o estudo da argumentação, visando a aceitação ou a rejeição duma tese em debate, bem como as condições da sua apresentação, não se limita à recuperação e revalorização da retórica de Aristóteles. (...)

27 outubro 2003

Distinção

O MATA-MOUROS na sua já imprescindí­vel "Revista de Blogues" atribuiu esta semana ao "Retórica e Persuasão" o Prémio "Melhor Lição" pelo post Retórica & Artifí­cios. Não há a menor dúvida: vinda de onde vem, foi uma honrosa distinção.

Excertos de um livro não anunciado (113)

(...) Em todos estes casos, não se demonstra (como nas matemáticas), argumenta-se. Daí que Perelman conclua: "É pois normal, se se concebe a lógica como estudo do raciocínio sob todas as formas, completar a teoria da demonstração, desenvolvida pela lógica formal, com uma teoria da argumentação, estudando os raciocínios dialécticos de Aristóteles" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 24

26 outubro 2003

A dita eloquência (39)

"a opinião tem de ser secundada por conhecimento"

Pedro Robalo

in Complot - post "Se7en - 7 desculpas para não blogar - Desculpa #2 - Relatividade opinativa:"

Excertos de um livro não anunciado (112)

(...) Essa denúncia assenta basicamente na constatação de que se a lógica formal e as matemáticas se prestam a operações e ao cálculo, é também inegável que continuamos a raciocinar mesmo quando não calculamos, no decorrer de uma deliberação íntima ou de uma discussão pública, ou seja, quando apresentamos argumentos a favor ou contra uma tese ou ainda quando criticamos ou refutamos uma crítica. (...)

25 outubro 2003

E eu aqui tão perto...

Não é que o CAA do Mata-Mouros fez esta semana a apresentação do seu livro "É difícil ser liberal em Portugal" no Café Magestic, Porto, sem ter mandado convites para a "malta" dos blogues? Oh Carlos de Abreu Amorim... isso não se fazia. E logo eu, aqui tão perto...

Retórica & Artifícios

O Pedro Caeiro, no seu post “ARTIFÍCIOS DE RETÓRICA”, no MarSalgado, interpela-me sobre o “mecanismo retórico” pelo qual o orador decide “adjectivar possíveis opositores de trogloditas ou cavernícolas, assim esvaziando previamente o efeito do eventual uso do termo” contra ele mesmo. É certo que apenas me pergunta se este mecanismo é conhecido e se tem algum nome técnico, ao mesmo tempo que avança com uma possível designação bastante lógica: “neutralização por antecipação”. Mas como hoje é sábado e o tempo lá fora está como se sabe - pelo menos, aqui, no Porto – peço ao Pedro permissão para impessoalizar a sua questão de modo a vincar algumas das ideias gerais que presidem à retórica crítica contemporânea. Insisto: não se trata de uma resposta ao Pedro, mas antes de aproveitar o seu simpático post para, generalizando, tentar delimitar o que recai ou não sobre o âmbito da retórica.


“Artifícios de retórica"

Esta expressão só faz sentido na estrita medida em que todos os usos de linguagem (retóricos ou não) comportam artifícios (no sentido de engenho e não de ardil). E isto porque a retórica não é, nem teria que ser, o terreno exclusivo ou privilegiado dos artífícios de linguagem (muito menos dos de raciocínio). Por exemplo, as próprias figuras de estilo só são bem-vindas (que o mesmo é dizer, só se assumem como figuras retóricas) quando se mostram relevantes do ponto de vista argumentativo.


“tornar pública uma ideia”

Quando a intenção é apenas a de tornar pública uma ideia, ainda não se pode falar de retórica, pois daí não decorre o deliberado propósito de persuadir alguém (indispensavel à retórica).


“receio que, em virtude dessa minha opinião, outros que dela discordem venham a considerar-me, muito justamente, um troglodita ou um cavernícola”

O receio de que os “outros (...) dela discordem”, evidencia que, de facto, não é a própria discordância (de ideias) que se receia mas sim a possibilidade dos discordantes insultarem. Ora a retórica trata de argumentos e contra-argumentos. Não trata de insultos e contra-insultos.


“ao expressar a minha ideia, trato de simultaneamente adjectivar possíveis opositores de trogloditas ou cavernícolas, assim esvaziando previamente o efeito do eventual uso do termo contra mim”

Podemos ver neste procedimento como que uma aplicação da conhecida máxima futebolística “o ataque é a melhor defesa”. Só que no futebol, como na argumentação, nem sempre esta táctica leva ao resultado esperado, maxime quando o atacante constrói uma jogada perigosa mas já para além das “quatro linhas”. E é justamente isso que sucede quando o orador insulta os possíveis opositores mesmo antes destes se pronunciarem livremente. Porquê? Porque está, desse modo, a “sair do terreno de jogo” da retórica ou argumentação que, naturalmente, não é um campo de confronto de pessoas mas sim de apresentação e debate de ideias, propostas ou soluções. Ou seja: trata-se de uma “jogada baixa” e argumentativamente gratuita porque não acrescenta qualquer razão fundante ou probatória da ideia que se quer tornar pública. E, sendo assim, um interlocutor nimimamente preparado não terá qualquer dificuldade em denunciar publicamente esse “fugir ao assunto”, àquilo que realmente deveria estar em discussão. Resultado mais que provável: “pior a emenda do que o soneto”.

Por outro lado, o que pode levar um orador a imaginar que chamando troglodita a alguém esvazia “previamente o efeito do eventual uso do termo” contra ele? No caso de uma situação a dois, seguramente que tal não acontecerá pois não é por um deles tomar a iniciativa de “chamar nomes” ao outro que vai impedir uma reacção eventualmente grosseira ou agressiva. Pelo contrário, parece razoável admitir que isso só vá lançar mais achas para a fogueira.

Sendo assim, somente nos casos de debate público se poderia esperar algum benefício do recurso ao insulto. Porque numa situação pública, os intervenientes directos no debate estão sujeitos à observação de todo o auditório e é a este que cabe a palavra final não só sobre o assunto em questão como também sobre o “modus operandi” de cada orador. Logo, é de admitir que quem tome a iniciativa de chamar trogloditas aos presumíveis discordantes, o faça com o intuito de os desqualificar e assim desvalorizar os seus esperados insultos. E deste ponto de vista, não há dúvida de que algum efeito positivo emergirá, já que ser insultado por trogloditas pode até ser levado à conta de um grande elogio. Mas este é só um dos lados do problema. O outro, menos optimista, é o que veremos a seguir.


“Este mecanismo retórico é conhecido actualmente, ou seria preciso escavar na paleontologia da arte? E tem algum nome técnico? A mim só me ocorre qualquer coisa como "neutralização por antecipação".

Não sei da existência de uma designação técnica específica para o “mecanismo” a que se refere o Pedro Caeiro. De resto, o conjunto de figuras, mecanismos, técnicas e estratégias argumentativas é tão numeroso e variado que desmobiliza o mais fervoroso adepto da taxinomia. Mas a estrutura geral do procedimento, essa é bem conhecida. Tecnicamente, trata-se de uma das mais grosseiras variações do famoso argumentum ad hominem que, apesar da designação, de verdadeiro argumento nada tem. No plano lógico, é uma falácia. No plano ético, um comportamento abusivo ou censurável. É uma falácia porque foge ao assunto e não se sustenta em razões. É abusivo ou censurável porque constitui um “ataque à pessoa” e não às suas ideias.

Podemos então retomar agora o analítico “deve e haver” relativo ao recurso à ofensa ou insulto, como técnica de obter vencimento para as ideias que propomos ou defendemos. É que, por natureza, o auditório a tudo e a todos observa: quem argumenta e quem aprecia ou debate a argumentação mas também quem invectiva e quem é invectivado; quem exibe ou não um raciocínio logicamente válido ou consistente mas também quem age de modo eticamente censurável. Logo, o orador que toma a iniciativa de insultar os possíveis discordantes, não só procede abusivamente como perde, logo aí, a possibilidade de vir a desqualificar quem o insulta. Porque nessa altura, é a sua própria credibilidade que já se encontra afectada. Com esse gesto menos feliz, acaba por se colocar a par de quem o iria ofender e a quem, muito curiosamente, agora bastará permanecer calado para se fazer passar por vítima e capitalizar assim a adesão do auditório. O que quer dizer que, em termos argumentativos, chamar “nomes feios” ao interlocutores discordantes, pode ser um desastre...

Excertos de um livro não anunciado (111)

(...) O que Perelmam denuncia é a suposta "purificação" feita pela lógica moderna, especialmente depois de Kant e dos lógicos matemáticos terem identificado a lógica, não com a dialéctica, mas com a lógica formal, acolhendo os raciocínios analíticos, enquanto os raciocínios dialécticos eram pura e simplesmente considerados como estranhos à lógica. (...)

24 outubro 2003

A dita eloquência (38)

"É importante lembrar que falar e escrever são duas inovações completamente distintas, separadas por centenas de milhares (ou talvez milhões) de anos e que cada uma tem o seu conjunto distinto de potencialidades."

Daniel Dennett


Dennet, D., (2001), Tipos de Mentes, Lisboa: Rocco-Temas e Debates, P. 169

Excertos de um livro não anunciado (110)

(...) Constata-se assim uma nítida preocupação de revalorizar os raciocínios dialécticos, sem contudo pôr em causa a operatividade dos raciocínios analíticos. (...)

23 outubro 2003

Dupla "DUPLICIDADE"

Há dois dias atrás, Pacheco Pereira escreveu no seu blogue:

"DUPLICIDADE
Se há coisa que peço a mim próprio, e, se não fosse incréu, ao Senhor, é não cair na duplicidade na análise deste processo, todo ele impregnado de duplicidade. Tenho as minhas opiniões, gostos e antipatias, que é impossível não mostrar; posso cair em contradição, porque isso, às vezes, é inevitável, mas farei todo o possível para não ser dúplice."


Foi, pois, com indisfarçável surpresa que o vi repetir, ipsis verbis, o conteúdo de tal post na sua crónica no Publico de hoje. E embora não tenha ainda opinião formada sobre esta dupla "DUPLICIDADE" de Pacheco Pereira, a verdade é que desde já me interrogo:

1) Tratou-se de mero lapso ou de uma decisão consciente?

2) E a confirmar-se a segunda hipótese:

a) dever-se-á reconfigurar a "novidade" como requisito da publicação jornalística?
b) poderá a prévia edição num blogue servir de "balão de ensaio" para a publicação no jornal?

Excertos de um livro não anunciado (109)

(...) Pode então fazer-se a distinção entre os raciocínios analíticos e os raciocínios dialécticos com base no facto dos primeiros incidirem sobre a verdade e os segundos sobre a opinião. É que, como diz Perelman, seria “...tão ridículo contentarmo-nos com argumentações razoáveis por parte de um matemático como exigir provas científicas a um orador" * (...)

Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 22

22 outubro 2003

O que (não) dizem as palavras

Leio no reflexos de azul eléctrico:

"O drama dos poetas é terem de descrever com palavras a falha das palavras em restituírem as coisas em si mesmas."

E pergunto-me se este drama que José Miguel Bragança tão certeiramente atribui aos poetas não será, afinal, o drama de todos nós. É que nada melhor do que a palavra nos aproxima e afasta das coisas. E isso pode levar-nos a uma estranha hipótese: a da intercompreensão se ficar a dever mais ao não-dito que a própria palavra delimita do que àquilo que ela diz.

Excertos de um livro não anunciado (108)

(...) Mas se o raciocínio dialéctico parte do que é aceite, com o fim de fazer admitir outras teses que são ou podem ser controversas, é porque tem o propósito de persuadir ou convencer, de ser apreciado pela sua acção sobre outro espírito, numa palavra, é porque não é impessoal, como o raciocínio analítico.(...)

Mau sinal

Sua Excelência o Sr. Presidente da República de Portugal comunicou ontem ao paí­s que não utilizou as informações e relações privilegiadas de que dispõe para obstruir ou influenciar a marcha da justiça.

Mas se, como afirmou, tal estava fora de questão porque sentiu, afinal, necessidade de o declarar publicamente? Excesso de defesa? Desconfiança no sistema judicial? Seja lá o que for, é mau sinal.

21 outubro 2003

Fiat lux

O FNV do MarSalgado teve a gentileza de atender o meu pedido de esclarecimento. Saúdo e agradeço o gesto que me permitiu finalmente compreender o sentido do seu post "JÁ DIZIA O NOSSO PC".

Ou seja, o FNV interpretou os meus comentários às ideias do JPP como uma "defesa dos Jornalistas" e vai daí, saiu a terreiro em "defesa de Pacheco Pereira", tanto mais que considerou excessiva a "intensidade" da minha reacção.

É então a minha vez de esclarecer:

1) Não sou jornalista nem comentador dos media.

2) Reconheço a Pacheco Pereira uma invulgar qualificação político-cultural e, por isso mesmo, nada do que diga ou escreva me é indiferente.

3) Sou a favor da controvérsia, enquanto confronto crítico de opiniões ou ideias e não entre pessoas ou personalidades.

Evidentemente que enunciar intenções ainda não é cumpri-las. Por isso, muito grato teria ficado ao FNV se me tivesse dito o que o levou a medir a intensidade da minha reacção. Não o disse, porém. E pensando bem, nesta altura, também já seria pedir de mais. Por certo que haverá mais marés. Um abraço, Filipe.

Excertos de um livro não anunciado (107)

(...) Naturalmente que se a verdade é uma propriedade das proposições, independentemente da opinião dos homens, o raciocínio analítico só pode ser demonstrativo e impessoal. Esse não é, porém, o caso do raciocínio dialéctico, que Aristóteles define como sendo aquele em que as premissas se constituem de opiniões geralmente aceites, por todos, pela maioria ou pelos mais esclarecidos (o verosímil será então aquilo que for geralmente aceite, cabendo aqui referir, no entanto, que, para Perelman a expressão “geralmente aceite” não deve ser confundida com uma probabilidade calculável, por ser portadora de um aspecto qualitativo que a aproxima mais do termo "razoável" do que do termo "provável" * (...)

Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 22

20 outubro 2003

Excertos de um livro não anunciado (106)

Assim, a afirmação “se todos os A são B e se todos os B são C, daí resulta necessariamente que todos os A são C”, traduz uma inferência que é puramente formal por duas razões: é válida seja qual for o conteúdo dos termos A, B e C (na condição de que cada letra seja substituída pelo mesmo valor sempre que ela se apresente) e estabelece uma relação entre a verdade das premissas e a da conclusão.

19 outubro 2003

A dita eloquência (37)

"a credibilidade de um facto depende muito da sua integrabilidade teórica"

António Amorim

In Amorim, A. (2002), Espécie das Origens. Genomas, linhagens e recombinações. Lisboa: Gradiva, p. 112

Excertos de um livro não anunciado (105)

(...) Para o efeito socorre-se dos Analíticos onde Aristóteles estuda formas de inferência válida, especialmente o silogismo, que permitem inferir uma conclusão de forma necessária, sublinhando o facto de a inferência ser válida independentemente da verdade ou da falsidade das premissas, ao contrário da conclusão que só será verdadeira se as premissas forem verdadeiras. (...)

18 outubro 2003

Premonição

Na passada terça feira, dia 14, Pedro Lomba confessava no seu blogue:

"PALESTRAR: Não gosto de frequentar o Chiado. O Chiado é uma zona armadilhada.(...) A neurose da cidade começa ali. As esplanadas estão cheias. Os transeuntes sobem e descem, numa despreocupação irreprimível. Quando passo pelo Chiado, nunca atinjo a enchente de pessoas (...)"

No dia seguinte (quarta-feira, dia 15) - segundo o Tal & Qual desta semana - o Chiado era invadido por mais de 500 pessoas completamente nuas (o jornal chama-lhes "corpos"...) na esperança de serem vestidas gratuitamente pela Yorn Store.

Olhando para a fotografia "nua e crua" com que o mesmo semanário resolveu ilustrar a notícia, não consigo reprimir um sorriso. Pedro Lomba teve razão de véspera: o Chiado é mesmo uma "zona armadilhada"...

Excertos de um livro não anunciado (104)

(...) Percebe-se que Perelman quer deixar bem clara a diferença entre estas duas espécies de raciocínio, porque, além do mais, a análise dessa diferença serve na perfeição para ilustrar a indispensabilidade da retórica.(...)

17 outubro 2003

Excertos de um livro não anunciado (103)

(...) Daí que parta igualmente da distinção aristotélica entre duas espécies de raciocínio - os raciocínios analíticos e os raciocínios dialécticos - para evidenciar a estreita conexão destes últimos (os dialécticos) com a argumentação. (...)

A imaginação como exercí­cio de sobrevivência

As pessoas estão sempre com problemas de perda e não percebem. Não percebem tudo o que perdem por cada coisa que ganham. E, por isso, estão sempre a mudar. Sempre à procura de alguma coisa. É uma técnica comum: agarramos os sonhos, as fábulas, a imaginação, como exercício de sobrevivência - João Lourenço

Não há princípio nem fim. Há momentos, apenas. Fugazes, efémeros, apagáveis a curto prazo.. Nada dura para sempre, mesmo quando é mau. E esse será o maior consolo da vida (...) o mundo imaginário partilha, em quantidades idênticas, protagonismo com o Mundo real - Helena Teixeira da Silva

***

Estas palavras não foram retiradas de qualquer ensaio sócio-filosófico mas sim da apresentação feita pelo JN da peça teatral, "O Bobo e a sua mulher esta noite na Pancomédia", de Botho Strauss, que estreou hoje no Teatro Nacional S. João, no Porto. Há momentos assim. Quando pretendia apenas passar os olhos pela ficção eis que me deparo com a mais eloquente imagem do real. Dá que pensar...

16 outubro 2003

Com sal

Imagino que a minha qualidade de leitor diário do Mar Salgado (link à esquerda) me dê o direito (que nao invoco) de saber o que por lá se diz de mim e da minha criatura Retórica & Persuasão. Admito, porém, que já nem o próprio FNV saiba muito bem o que queria dizer (mas não disse) neste post:

JÁ DIZIA O NOSSO P.C., velho companheiro de embarcação: ao isco mais apetitoso acorre logo o peixe mais guloso. Vejam a reacção do Retórica &Persuasão, do Terras do Nunca e do Glória Fácil (links na coluna respectiva), aos escritos de JPP sobre as cumplicidades mediáticas. É tiro e queda.

Se ainda se lembrar, agradeço o esclarecimento. Se não for o caso, também não é grave. Porque quando se recorre a metáforas como "embarcação", "isco" e "peixe", o mais natural é que também se meta água.

Excertos de um livro não anunciado (102)

(...) Confessa, aliás, que foi da leitura e estudo da retórica de Aristóteles e de toda a tradição greco-latina da retórica e dos tópicos que lhe surgiu a surpreendente revelação de que "nos domínios em que se trata de estabelecer aquilo que é preferível, o que é aceitável e razoável, os raciocínios não são nem deduções formalmente correctas nem induções do particular para o geral, mas argumentações de toda a espécie, visando ganhar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam ao seu assentimento".* (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 15

15 outubro 2003

Caro inquérito

"O professor universitário responsável por um inquérito passado em escolas do concelho de Coimbra -sem autorização dos pais nem da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) - foi obrigado a pagar uma multa de 1500 euros por ter feito o tratamento daqueles dados."

Fundamentação:

"Era possível através da comparação dos suportes (questionários e computador com aplicação informática) identificar os titulares dos dados". Algo que carece de autorização prévia da CNPD, como refere a Lei da Protecção de Dados Pessoais (Lei 67/98, de 26 de Outubro), pois "estão em causa dados sensíveis, relativos à vida privada e dados de saúde dos adolescentes".

A notícia vem no Jonal de Notícias de hoje.

Excertos de um livro não anunciado (101)

(...) Sabe-se como Perelman foi conduzido à retórica. Inicialmente interessado na investigação de uma hipotética lógica de juízos de valor que permitisse demonstrar que uma certa acção seria preferível a outra, acabou por retirar desse estudo duas inesperadas conclusões: primeiro, que não existia, afinal, uma lógica específica dos juízos de valor e, segundo, que aquilo que procurava "tinha sido desenvolvido numa disciplina muito antiga, actualmente esquecida e menosprezada, a saber, a retórica, a antiga arte de persuadir e de convencer" * (...)

* Perelman, C., (1993), O Império Retórico, Porto: Edições ASA, p. 15

14 outubro 2003

Afinal: funciona ou não funciona?

Como é possí­vel afirmar que o sistema judicial de um paí­s "funciona", quando se leva quatro meses e meio para concluir que um arguido foi injustamente preso?

Não. O sistema não funciona. Ou funciona mal, muito mal, o que dá no mesmo. Isso é evidente. E contra o que é evidente não se argumenta. Cale-se, portanto, a própria retórica.

Nota-José Vitor Malheiros diz tudo no Público de hoje. Leia aqui

Excertos de um livro não anunciado (100)

(...) Esse é o campo da argumentação que ele identifica com a retórica e por cuja reabilitação e renovação se bate ao fundar a sua teoria da argumentação numa filosofia do razoável. Desse modo, a razão humaniza-se e ganha um novo rosto: a racionalidade argumentativa. (...)

13 outubro 2003

Um argumentador nato

Mais do que tribuno ou orador, Pacheco Pereira parece-me um dialéctico, um argumentador nato. Preferirá sempre, por isso, aquele diálogo animado em que as próprias perguntas do interlocutor lhe servem de guião, motivam e iluminam o seu responder. Refiro-me, naturalmente, ao diálogo real e não àquele que é (bem intencionadamente) simulado pela Jornalista de serviço. É natural, portanto, que a qualidade da sua prestação vá subindo de domingo para domingo, à medida que se for adaptando a esta nova situação. Ontem, por exemplo, esteve excelente, com mais ritmo e vivacidade (mais expressão gestual, também) mas sempre sem cair no "espectáculo televisivo" da concorrência. No que faz muito bem. A cada um o seu estilo. E há público para os dois.

Excertos de um livro não anunciado (99)

(...) Analisando sobretudo as características do raciocínio prático, ele propõe-se mostrar como a razão é apta a lidar também com valores, a ordenar as nossas preferências ou convicções, logo, a determinar, com razoabilidade, as nossas decisões. (...)

12 outubro 2003

A persuasão moralista

"Parafraseando o Liberdade de Expressao, o pior moralismo vem dos anti-moralistas."

Pedro Lomba, hoje, no seu Flor de Obsessão


A propósito:

1) Sendo embora altamente persuasiva, a afirmação de que "o pior moralismo vem dos anti-moralistas" é tão verdadeira ou tão falsa quanto a afirmação inversa de que "o pior anti-moralismo vem dos moralistas". Logo, assim avulsa, nada nos diz sobre o que com ela se pretenderia dizer.

2) Da mesma maneira que não é anti-higiénico combater a conhecida "obsessão de lavar as mãos" também não é anti-moralista quem critica a "obsessão moralista" (ou o exagero do julgamento moral). Anti-moralista seria não entender isto.

Em defesa do publicozinho

Pedro D'Anunciação, na "Actual" do "Expresso" de 2003.10.11:

"Vejamos o que sucede com os novos comentadores da SIC - Pedro Santana Lopes, Manuel Maria Carrilho e José Pacheco Pereira. Na realidade, nenhum deles faz comentários jornalísticos, mas os três tecem as suas opiniões. Não estão ali para ajudarem os espectadores a compreender uma situação e a tirarem as suas próprias conclusões, mas procuram induzi-los no seu próprio caminho polí­tico."

Acrescenta Pedro D'Anunciação que estes comentadores deveriam ser apresentados como são: como polí­ticos que expressam as suas opiniões polí­ticas e que estão ali para isso. Mas pergunto: no caso dos três polí­ticos em causa ainda seria necessário apresentá-los como tal? Parece-me que está na hora de abandonarmos de vez esta paternalista representação do público (leitor-espectador-ouvinte) como uma multidão de ingénuos, impreparados ou ignorantes, numa palavra... um publicozinho. De resto, quem gostaria de o integrar?

Excertos de um livro não anunciado (98)

(...) Para isso, é necessário afastar do espírito qualquer ideia de uma razão impessoal e absoluta. E é o que Perelman faz, quando rejeita a identificação do racional com o necessário e do não-necessário com o irracional, no reconhecimento de que há entre esses dois extremos absolutos todo um imenso campo em que a nossa actividade racional se exerce enquanto instância da razoabilidade. (...)

11 outubro 2003

Acima da "Media" (2)

Ontem foi dia de jpp “disparar” uma série de “abruptas” rajadas sobre o que parece ser um dos seus alvos de estimação: os jornalistas. Profundo conhecedor (e interveniente) dos media, denuncia e critica o jogo de interesses, os “amiguismos”, a troca de favores e estratégias de poder que estarão por trás do muito que por aí se lê ou ouve. E tocou, sem dúvida em questões ético-políticas muito sensíveis que, aliás, poucos teriam o poder (ou frontalidade) de incluir na agenda blogosferica. Não me parece, porém, que, desta vez, tenha sido muito feliz em alguns considerandos e imputações.

Por exemplo:

Diz que os jornalistas gostam muito de acentuar títulos que subjectivamente lhes interessam - post “ARRASAR”. Ora seguramente que qualquer um de nós poderia dizer o mesmo também dos políticos, dos académicos, dos juristas, dos poetas, etc. Não será o que há de mais natural que todos (incluindo jornalistas) concedam destaque ao que “subjectivamente lhes interessa”? O contrário é que seria ilógico. Outra coisa é sustentar que esse “interesse subjectivo” é da ordem do censurável mas aí tem que se isolar e provar as respectivas infracções. Não o fazer é lançar a inadmissível suspeita sobre a generalidade dos jornalistas. Em minha opinião, ainda que involuntariamente, foi o que jpp fez. Compreendo por isso a imediata resposta que recebeu de jmf, do Terras do Nunca, resposta essa cujo brilho e humor são tão mais surpreendentes quanto se sabe que, ao recorrer à generalização, jpp eliminou logo à partida, qualquer hipótese de uma resposta mais substantiva.

Depois deixa perceber que a principal motivação das suas críticas é aquilo a que no seu post “INTENCIONALIDADES” chama de ”ataques aos comentadores”. Ora sendo também comentador, jpp surge a advogar em causa própria. E é essa proximidade pessoal com o objecto das suas críticas que não favorece a isenção e desprendimento que (e muito bem) gosta de ver nos outros.

Alega também que quem o vê e ouve, aos domingos, na SIC, sabe quem ele é, a que partido pertence, se tem ou não interesses na matéria, pois existe uma declaração de interesses financeiros publicada e acessível a todos. Como que o conhecimento público da sua pessoa, da sua filiação partidária e dos seus interesses financeiros, assegurasse, por si só, a sua total imunidade a “uma outra teia de amizades e influências, de “fontes” privilegiadas e contratos não escritos”. Uma falácia, portanto.

Igualmente lembra que “múltiplos canais de influência entre o poder político e os media não têm qualquer escrutínio, desde os que se fazem através dos negócios dos donos dos jornais e televisões, até a práticas que o público em geral desconhece” mas omite que tais canais de influência podem muito bem abranger os comentadores políticos. Quem escrutina os passos dados por um comentador até ao momento em que é convidado para aparecer na televisão? Poderia um ilustre desconhecido receber o convite que Pacheco Pereira recebeu ainda que estivesse igualmente preparado para a respectiva tarefa? Quem escrutina os termos do contrato que um comentador celebra com uma empresa mediática?

Por fim, a obsessão moralista, a parte do texto de jpp que mais apreciei, particularmente quando escreveu: “Do que eu gosto é da habitual moralidade das pessoas comuns, com qualidades e defeitos, que não se acham melhores do que os outros e que sabem que certas coisas não se fazem porque não se devem fazer, e, mesmo assim, de vez em quando enganam-se, que não andam todos os dias a debitar julgamentos morais sobre tudo e sobre todos.” Ainda bem que o Pacheco Pereira chama a atenção para o autêntico "big brother moral" que parece ter-se instalado entre nós com cada um a julgar-se mais santo do que o outro mas, ao mesmo tempo, a espiar tudo e todos, numa permanente caça às bruxas. Trata-se de facto, de uma obsessão moralista que só muito hipocritamente pode ser mantida, pois, como é evidente, o critério moral, qualquer que ele seja, antes de ser critério terá que ser humano.

É pois com alguma estranheza que confronto esta sua concepção sobre o julgamento moral com a persistente (ia a dizer persecutória) crítica a que vem submetendo Paulo Portas, hoje em dia já associável à popular imagem do “bater no ceguinho”. A mesma estranheza de resto, com que o vejo excepcionar das suas violentas críticas aos jornalistas, logo um profissional (Ricardo Costa) da mesma SIC que o acaba de contratar. Eu sei que pode muito bem ter sido uma coincidência. Mas as coincidências, regra geral, carecem de uma explicação. O que, até ao momento, não aconteceu.

Excertos de um livro não anunciado (97)

(...) Já se antevê o relevo que a prova vai ter na sua concepção de saber e, em especial, na recuperação do mundo das opiniões para a esfera da racionalidade, uma racionalidade assim alargada, que não se confinando mais aos estreitos limites da verdade ou certeza absoluta, opera igualmente e com não menor eficácia nos domínios da razoabilidade onde o critério qualificador do racional será o acordo ou consenso e já não a evidência cartesiana.

10 outubro 2003

Acima da "Media"

Pacheco Pereira esmerou-se nos seus posts de hoje. Vale a pena ler e reler para comparar com esta apreciação do jmf. E, se for caso disso, comentar amanhã. Para já, tenho a impressão de que gosto muito mais de ler Pacheco Pereira no seu blogue do que nos jornais. Porque será? Haverá por aí alguém a quem suceda o mesmo?

Excertos de um livro não anunciado (96)

(...) Não cremos na existência de um critério absoluto, que seja o fiador de sua própria infalibilidade; cremos, em contrapartida, em intuições e em convicções, às quais concedemos nossa confiança, até prova em contrário" *

* Perelman, C., (1997) Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 160

09 outubro 2003

Um programa de cultura

Vi ontem (mais exactamente, hoje, de madrugada), no 1º. Canal o "Livro Aberto" de Francisco José Viegas. Gostei, francamente. Diga-se (no melhor dos sentidos) que Francisco José Viegas nasceu para aquilo. Domina a matéria e a forma. Comparo-o a um maestro que não precisa de fazer piruetas com a batuta para "tirar" dos seus "músicos" a melhor nota, a pausa certa, o ritmo mais adequado: basta-lhe estar presente. Numa palavra, "faz-se ouvir" mesmo quando concede a palavra aos seus convidados. Como ontem, mais uma vez. Parabéns.

Excertos de um livro não anunciado (95)

(...) Mas Perelman não poderia estar em maior oposição à tese cartesiana. Rejeitando a possibilidade de acedermos ao absoluto, vai condicionar a qualificação de conhecimento à dimensão probatória do saber afirmado: "enquanto a intuição evidente, único fundamento de todo o conhecimento, num Descartes ou num Locke, não tem a menor necessidade de prova e não é susceptível de demonstração alguma, qualificamos de conhecimento uma opinião posta à prova, que conseguiu resistir às críticas e objecções e da qual se espera com confiança, mas sem uma certeza absoluta, que resistirá aos exames futuros. (...)

08 outubro 2003

Excertos de um livro não anunciado (94)

(...) Por outro lado, a separação clara e absoluta entre a teoria e a prática, faz com que, quando se trate, não da contemplação da verdade mas do uso da vida, na qual a urgência da acção exige decisões rápidas, o método cartesiano não nos sirva para nada. (...)

Livro bem aberto

"Ó Eduardo, o que é que anda a ver na televisão às dez da noite? O Big Brother? Na próxima semana, a emissão é dedicada à "escrita de humor".

Assim terminava a resposta que Francisco José Viegas deu ontem no Público a Eduardo Prado Coelho. Por sinal, um belo exercício de retórica, onde o evidente registo de ironia e de humor se casa na perfeição com o sereno (e muito educado) estilo de retorquir. É certo que Francisco José Viegas não chega a explicar o critério ou as razões que o levaram a receber Margarida Rebelo Pinto no seu programa televisivo. Mas também não era isso que estava em causa...

07 outubro 2003

A nossa triste desdita

Com o intervalo de apenas 4 dias, dois ministros de Portugal mudaram de opinião da manhã para a tarde.

Pedro Lynce:

- disse que estava tranquilíssimo. E duas horas depois... demitiu-se.

Martins da Cruz:

- afirmou que estava fora de hipótese a sua demissão. E poucas horas mais tarde... demitia-se também.


O que pensar da "dita e desdita" destes dois ex-ministros?

Há duas hipóteses: ou mentiram ao país ou apenas mudaram de opinião. Mas não será preciso esperar pela confirmação de uma ou de outra para se concluir: ainda bem que se demitiram. Porque mesmo que não tenham praticado qualquer acto reprovável (sejamos mais prudentes na censura do que no elogio) deram mostras de uma labilidade decisória que de modo algum se coaduna com as mais altas responsabilidades de governação que lhes cabiam.

Obs - A propósito de palavra de honra e de confiança, fico com a impressão de que nada terá afectado mais a credibilidade pessoal destes dois ministros do que a forma atabalhoada (e reprovável?)como lidaram com a situação. Afinal, num país democrático, o ter que prestar contas pelos seus actos não é ainda a mais natural obrigação de todo o governante? É que, além do mais, a demissão de alguém que está a ser publicamente acusado sempre poderá surgir aos olhos de uma desprevenida opinião pública como verdadeira confissão. E, tanto quanto se sabe, não é.

Excertos de um livro não anunciado (93)

(...) E deste ponto de vista, a história do conhecimento seria unicamente a dos seus crescimentos e nunca a das suas modificações sucessivas, pois "se, para chegar ao conhecimento, é mister libertar-se dos preconceitos pessoais e dos erros, estes não deixam nenhum vestígio no saber enfim purificado" * (...)

* Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 159

A persuasão ao volante

Depois de ler este post da Charlotte sobre a publicação do livro "O Meu Pipi", quem seria capaz de manter que a persuasão não tem nada a ver com conduzir?

06 outubro 2003

Excertos de um livro não anunciado (92)

(...) Com efeito, no dizer do "pai da nova retórica", Descartes elaborou uma teoria do conhecimento não humano, mas divino, de um espírito único e perfeito, sem iniciação e sem formação, sem educação e sem tradição. (...)

A dita eloquência (36)

"A primeira ponte foi o olhar"

Bragança de Miranda - Reflexos de azul eléctrico


Nota: com a saída (temporária?) do reflexos de azul eléctrico, é da erudição e da originalidade de pensamento de José Bragança de Miranda que vou sentir falta. Tenho a esperança de que volte, logo que possível.

05 outubro 2003

Ethos & Palavra de honra

Pacheco Pereira levanta a questão: "Eu, quando ouço alguém dizer que dá a sua “palavra de honra”, aceito-o, mas isso também são hábitos pré-burocráticos".

O Latinista Ilustre concorda mas acrescenta que "o bom nome e a honra impoluta ainda tem valor de prova".

Pacheco Pereira, reconhecendo esse valor de prova da "palavra de honra", clarifica: "Um homem que dá a sua palavra de honra é como um homem que jura: as suas palavras valem mais do que palavras, são um acto decisivo em que ele coloca como penhor de si próprio, e da veracidade do que diz, a sua identidade. É um acto grave e sem retorno."

***

Na medida em que nos remete para a apreciação da credibilidade, esta questão da palavra de honra tem a ver, como se sabe, com o chamado ethos retórico. Há contudo aqui uma situação muito especial a considerar. É que com o apelo retórico ao ethos (carácter e credibilidade) pretende-se, regra geral, despertar uma tal confiança no orador que leve o auditório a dar a devida atenção aos seus argumentos e a reconhecer-lhe autoridade na matéria. Mas tudo isso, note-se, apenas como complemento da força persuasiva da sua argumentação e dos factos que a sustentam.

Ora o recurso à palavra de honra ocorre num contexto completamente diferente em que não há argumentos nem factos suficientemente probatórios para exibir. Logo, a palavra da pessoa é mesmo a única coisa (a última) de que ela dispõe para se fazer acreditar. Em termos argumentativos, é, reconheçamos, uma situação dramática. Trata-se de um caso-limite em que o auditório é chamado a equacionar os prós e os contras.

Do lado dos "contras", temos que a pessoa que dá a sua palavra de honra pode estar a mentir, pode simplesmente estar errada (sem disso ter consciência) ou possuir um entendimento sobre a honra diferente do que tem o destinatário da sua declaração. Do lado dos "prós", temos que, por norma, só recorre à palavra de honra que ainda a tem (a honra), que a pessoa sabe que se for desmascarada perderá toda a credibilidade e também o facto de só ser necessário invocar a palavra de honra quando não há provas objectivas, concretas e inequívocas a apresentar (para acusar ou para defender).

Pacheco Pereira diz "Eu sou da escola em que se acredita quando alguém fala assim". E, pela minha parte, estou também convencido de que a crença na palavra de honra é a posição mais consentânea com o princípio da presunção de inocência. Só não me atrevo a defender que tudo dependa de "alguem me falar assim". Até porque, na nossa vida prática, nenhum de nós se poderia dar ao luxo de fazer as suas inferências com base apenas no que o outro lhe diz. É a vida.

E não vai para o Guinness?

O prodígio vem na Revista Única - Expresso de 04.10.2003:

Ângelo Paupério, engenheiro de 44 anos, é administrador de... 132 empresas.

Fiz "contas de merceeiro":

52 semanas a 5 dias úteis = 260 dias de trabalho
260 dias a 8 horas de trabalho diário = 2.080 h
2.080 hs a dividir por 132 empresas = 15,76 hs
15,76 hs a dividir por 260 dias = 0,06 hs = 3,6 minutos

...e concluí que, em média, este engenheiro não chega a dispor de 4 minutos, por dia, para administrar cada uma das empresas. Logo, se quiser gastar pelo menos 5 minutos a tomar qualquer decisão nunca irá decidir verdadeiramente nada. Teria a sua graça...

Excertos de um livro não anunciado (91)

(...) Ficam assim evidenciadas as duas principais aporias da teoria do conhecimento cartesiana, por um lado, o carácter associal e an-histórico do saber e por outro, a nítida separação entre teoria e prática, aporias que irão ser, de resto, o principal alvo da vigorosa crítica de Perelman. (...)

04 outubro 2003

Um livro inquietante

O filósofo Desidério Murcho apresenta-nos hoje no Público o livro “ENCOUNTER WITH TIBER”, onde os seus autores, John Barnes e Buzz Aldrin (precisamente o segundo homem a caminhar na Lua, em 1969) alertam para o perigo da actual ignorância quanto a uma possível catástrofe cósmica.

Este alerta tem como pano de fundo a ideia de que um pequeno acontecimento sem importância cósmica pode vir a extinguir o género humano. A tragédia não é difícil de ficcionar: "um dia, os astrónomos descobrem que a órbita do seu planeta entrará inexoravelmente em colisão com outro. Uma pequena coincidência cósmica, mas que representa a extinção certa – a menos que se use todo o engenho, toda a energia e visão para que não se perca uma civilização no frio nada interstelar”. E acrescenta Desidério: "ainda que nenhuma catástrofe cósmica faça o planeta desaparecer, o Sol nao é eterno - e sem Sol a vida na Terra será impossível. Teremos a visão, a determinação e a inteligência para compreender isso a tempo de se fazer alguma coisa?”

Que responda quem souber. Mas do jeito que este mundo está, temo que a resposta venha a ser ainda mais inquietante do que a pergunta.

Presunção & Dignidade

Eduardo Dâmaso, no Público do passado dia 1, a propósito da actual discussão sobre a Justiça:

"Todos fizeram da arrogância argumentativa a arma essencial da luta entre uns e outros, esquecendo que todos estão vinculados ao compromisso da verdade material e do respeito absoluto pela presunção de inocência. Nada disto é incompatí­vel com uma investigação que chegue a bom porto, sustentada em provas que sirvam a justiça, o que tanto vale para culpar como para absolver."

Sábias palavras cujo sentido prudencial traduz a necessidade de se observar um respeito mí­nimo pela dignidade do outro sem quebra do apuramento da verdade. Importa, por isso, tê-las sempre presentes. Também aqui, na blosfera.

Excertos de um livro não anunciado (90)

(...) No plano prático, porém, o prévio impõe-se como indispensável sob pena de se ficar condenado a uma total arbitrariedade. É o que Descartes reconhece quando depois de ter formulado os seus preceitos morais provisórios, atribui a estes um fundamento que não vai além da utilidade instrumental de que se revestem: "as três máximas precedentes [as regras da sua moral provisória] outro fundamento não tinham senão o propósito de continuar a instruir-me...." * (...)

* Descartes, R., (1988), Discurso do Método, Porto: Porto Editora, p. 82

03 outubro 2003

Demissão ou "tira-nódoas"?

OS FACTOS:

("Filme" retirado, hoje, do Público)


09h55 - O ministro Pedro Lynce declara que está "tranquilí­ssimo" quanto ao caso da filha de Martins Cruz

10h45 - O ministro Martins da Cruz anuncia que a sua filha já não vai ocupar a vaga na Universidade

11h00 - O deputado Marques Mendes, representante da bancada parlamentar do PSD informa que o ministro Pedro Lynce está disponí­vel para ir ao Parlamento (ainda hoje) para esclarecer o caso do alegado favorecimento

13h24 - O ministro Pedro Lynce apresenta a sua demissão mantendo que está de "consciência tranquila" mas que a a sua permanência no cargo poderia "prejudicar as reformas" em curso no sector

14h16 - O pedido de demissão do ministro da Ciência e do Ensino Superior, Pedro Lynce, foi aceite pelo primeiro-ministro, Durão Barroso, apesar deste realçar o "excepcional trabalho desenvolvido pelo ministro, as suas notáveis qualidades humanas e o alto sentido de dignidade com que tomou... a decisão de se demitir


AS PERGUNTAS:

1) Deveria Pedro Lynce ter-se demitido (quando estava "tranquilí­ssimo") só porque se levanta uma suspeita?

2) Deveria a filha de Martins Cruz ter desistido de ocupar a vaga, no caso de considerar que tudo decorrera de forma eticamente irrepreensí­vel?

3) Deveria o primeiro-ministro ter aceite a demissão de um seu ministro a quem só faz elogios?


A CONCLUSÃO:

Para quem responder a estas três perguntas com um categórico "não", a verdadeira suspeita sobre o que se terá passado só agora vai ter iní­cio...

Excertos de um livro não anunciado (89)

(...) Daqui decorre o diferente estatuto que o cartesianismo confere a todo o conhecimento anterior. No plano teórico, tudo o que é prévio surge como não confiável, como potencial fonte de erro e obstáculo à clareza e distinção de uma razão que se crê portadora de uma garantia divina e que por isso mesmo contém em si própria o critério para distinguir o verdadeiro do falso. (...)

02 outubro 2003

Seis meses depois...

O que seria da blogosfera portuguesa sem este notável blogue? Será que sem ele ainda seria?

(Parabéns pela passagem do 6.º mensário)

A dita eloquência (35)

"Não é razoável que a correcção de procedimentos tenha de passar pelas mais altas instâncias de apreciação, quando é o mais elementar que está em causa"

Jorge Sampaio, Presidente da República

citado por Leonete Botelho, no Público de hoje.

Excertos de um livro não anunciado (88)

(...) É que se "teoricamente, é possível permanecer-se irresoluto, sendo mesmo, como Descartes pensa, indispensável esse momento de purificadora suspensão para que o espírito se purgue de todo o tipo de preconceitos e para que as opiniões possam ser ajustadas 'ao nível da razão', já no domínio da acção o mesmo não se passa, pois estamos sempre, irremediavelmente in media res, incontornavelmente inseridos em contextos e situações, apegados a valores, convicções e normas ou, para o dizer abreviadamente, indissociavelmente ligados a uma ordem prévia determinante das possibilidades de sentido para a nossa acção" (*)

(*) Grácio, R., (1993), Racionalidade Argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 18

01 outubro 2003

O Jornalismo não merece isto

Eu vi com estes meus olhos: o que o masson, do Almocreve das Petas, diz aqui sobre Manuela Moura Guedes e o telejornal da TVI, é a mais pura das verdades.

Excertos de um livro não anunciado (87)

(...) Há aqui, como bem observa Rui Grácio, uma nítida distinção entre os domínios da teoria e da prática e o implícito reconhecimento das dificuldades que o recurso à epoché sempre coloca quando se trate de articular a razão com a acção. (...)