31 maio 2005

É só fazer as contas...

No Parlamento, perante a acusação de ter encenado a sua surpresa quanto ao défice de 6,83 %, o Primeiro-Ministro defende-se desta maneira:

Eu estava convencido de que o défice era de 5%. E nenhum dos economistas que na altura ouvi, afirmou algum dia que o défice era superior a 6%...

Bom... é só fazer as contas: pelos vistos, há 1% do défice que nunca preocupou o Primeiro Ministro.

30 maio 2005

Voto de contrabando

Segundo Pacheco Pereira (*) é o que teremos na votação do Tratado Constitucional Europeu se se mantiver o actual défice democrático de informação e debate sobre o que realmente está em jogo. Por outras palavras, se algumas das nossas mais destacadas figuras políticas insistirem em associar o SIM à salvação e o NÃO à catástrofe, em vez de promoverem a aberta e franca discussão pública. Não sei se Pacheco tem razão. Mas razões, seguramente que as tem, ao denunciar os "burocratas de Bruxelas" por quererem impor uma constituição quando não existe nação nenhuma, por procurarem um consenso meramente formal e abstracto (o do Tratado) quando não há entendimento nos mais importantes dossiers (vide, pescas e agricultura) e por insistirem na construção de uma Europa de ficção, completamente à margem da vontade dos respectivos cidadãos. Convenhamos que, no mínimo, são três boas razões para pensar, quem sabe até, para repensar, o voto de cada um.

(*) em declarações à TSF, reproduzidas no seu forum de hoje.

29 maio 2005

Faltar à palavra

Sócrates anunciou em plena campanha eleitoral (mas também já depois das eleições) que não mexeria nos impostos. Chegado ao Governo, foi a primeira coisa que fez: aumentou-os. Depois, em jeito de esfarrapada desculpa, veio dizer-nos que ignorava a real dimensão do défice. Não surpreende, por isso que, ainda que indirectamente, António Barreto o acuse, no Público de hoje, de incompetente ou mentiroso e haja até quem o considere uma e outra coisa.

O Rui, do Blasfémias, porém, parece ter outra explicação para o socrático zig-zag:

"Eu sei que o Engº Sócrates prometeu em campanha eleitoral que um governo liderado por si não aumentaria os impostos. Mas também sei que ninguém acreditou verdadeiramente nisso."

Bom... se ninguém acreditou no que Sócrates prometeu (hipótese meramente académica), é porque logo se viu que era mentira. E se era mentira, não deixou de sê-lo só porque a vítima não se deixou enganar. Não é esta, no entanto, a opinião do Rui que retoma a defesa do nosso primeiro com este surpreendente argumento:

"Os socialistas são verdadeiramente defensores do Estado Social, que criaram e querem preservar a todo o custo. Nesse aspecto, diga-se em abono da verdade que Sócrates nunca mentiu: ele é socialista e defende o modelo social (...)"

Isso mesmo, sem tirar nem pôr: "Sócrates nunca mentiu: ele é socialista e defende o modelo social(...)". Como diria um amigo meu, não vale assobiar para o ar. Quer o Rui fazer-nos crer que quem defende um "modelo social" se pode dar ao luxo de faltar à palavra sem que por isso seja eticamente responsabilizado? E já agora: será preciso recordar-lhe que se Sócrates mentiu foi por prometer não aumentar os impostos e não por se afirmar socialista ou defensor do modelo social?

(*) Post "ESPANTADOS? COM QUÊ?", de 25.05.2005

Na passada quarta-feira

Tive o prazer de assistir a uma excelente representação do "Fantasma da Òpera", de Lloyd Webber, por parte dos alunos da Escola E,B 2/3 de Fânzeres, no Auditório Municipal de Gondomar. Só visto. Largas dezenas de participantes em palco, guarda-roupa de luxo, coreografias impecáveis, actuação "à profissional" (com natural destaque para a Joana do 9.º D no papel de Christine). Cenografia, luz e som, a condizer. Merecidos, muito merecidos aplausos.

Uma palavra de reconhecimento para o departamento de Educação Musical e Educação Física pela excelência desta sua produção artístico-musical, bem como para o Conselho Executivo da escola, na pessoa da sua incansável presidente, Dr.ª Susana Sistelo. Parabéns.

27 maio 2005

Campeões, campeõezinhos e... campeõezecos

"Campeão, para mim, é aquele que ao longo de um ano, mostra futebol de qualidade superior à generalidade dos restantes clubes" - diz Pedro Caeiro na sua resposta ao João (que talvez não se tenha dado conta da amigável ironia do post sobre os Campeõezinhos).

Se bem percebi, o meu muito estimado amigo Pedro Caeiro defende que um clube pode ganhar o campeonato e não ser campeão, bastando para isso que não tenha mostrado um "futebol de qualidade superior à generalidade dos restantes clubes". De onde se infere que pode haver um campeão mesmo sem ter vencido o campeonato, desde que jogue o tal "futebol de qualidade superior à generalidade dos restantes clubes".

Mas temos aqui um primeiro problema que é o de não haver um Campeão para o Pedro Caeiro e outro, por exemplo, para mim. O que há é um Campeão para todos. O segundo problema é que a "qualidade" do futebol, seja lá o que isso for, não é nem nunca foi requisito de Campeão. Aliás, ao contrário do que sucede com a Taça, o Campeonato (ou Liga) é, como se sabe, uma prova de regularidade na conquista de pontos e não de boas exibições. O Pedro vai-me desculpar mas isso do "Campeão em qualidade de futebol" é coisa que já nem se usa. Faz lembrar as famosas vitórias morais de antigamente.

Mas lá que a distinção entre Campeões e Campeõezinhos teve a sua graça, isso teve. Sugiro até a incorporação de uma terceira categoria na mesma galeria: a dos Campeõezecos (os que recorrem à "fruta", por exemplo...)

Um regime de democracia irresponsável

É como Medina Carreira acaba de classificar o nosso, na SIC-Notícias.

E num país onde o impensável se aproxima perigosamente da verdade, o aviso não parece nada alarmista.

26 maio 2005

Aumentar impostos é um erro

Quem o afirma é Marques Mendes que, por outro lado, não se cansa de repetir que a sua oposição a este Governo será sempre uma oposição credível (*).

Pois é. Mas se o líder da oposição quer mesmo ser credível aos olhos da populaça tem que justificar cada uma das suas críticas ao Governo. Vir dizer que "aumentar os impostos é um erro" tanto pode consistir num reparo louvável como em pura demagogia. Sucede que, neste caso, a balança tende bem mais para a demagogia pois, a avaliar pelo que aqui se diz, Marques Mendes ter-se-á limitado a acenar com a alternativa da "redução da despesa pública como solução para combater o défice". Ora não se pode dizer que uma decisão seja errada só porque existe alternativa. Será que é errado eu ir a Lisboa de carro, só porque tenho a alternativa de ir a pé?

Até pode ser que o aumento dos impostos configure o primeiro grande erro deste Governo e que, como tal, deva ser denunciado. Mas urge que os nossos políticos percebam que não basta comunicar aos seus concidadãos a opinião que têm sobre este ou aquele assunto. Bem mais importante do que saber o que pensam, é ter acesso à informação relevante, às razões ou premissas que os encaminharam para uma dada conclusão. De outro modo, como poderão ser conscientemente avaliados (como tanto reclamam)?


(*) Uma oposição verdadeiramente credível não precisa de se anunciar como tal, muito menos, fazê-lo até à náusea. Ninguém é tomado a sério só porque se auto-intitula de credível. Pode até suscitar alguma desconfiança essa necessidade de afirmação...

Excertos de um livro não anunciado (235)

A retórica aparece-nos então como lugar de encontro do eu com o outro, onde os sujeitos se constituem reciprocamente, no quadro de uma “intersubjectividade na qual um Eu pode identificar-se com outro Eu, sem abandonar a não identidade entre ele e o seu outro” (*). Argumenta-se a favor ou contra uma tese, uma proposta. Mas em qualquer caso, cada participante é chamado a fazer uma escolha, a decidir sobre uma preferência, com base no critério da razoabilidade. O consenso que daí resulte, pode então ser visto como ascensão ao mundo da intersubjectividade, um mundo em que, segundo Sartre “o homem decide sobre o que ele é e o que são os outros” (**). A subjectividade a que apela a retórica não é pois a subjectividade de uma consciência individual que se debruça sobre si própria nem a de um eu “ontológico” pre-existente a toda a relação. Pelo contrário é na relação interaccional com o outro que ela se determina. Na medida em que a auto-consciência é sempre a “consciência de algo” o eu só é pensável na co-presença de um tu. Logo, dizer tu é estabelecermos uma ponte de nós para os outros. “Não é que apenas o ‘outro’ se implicite no mais rudimentar da nossa vida quotidiana, não é que apenas o exijamos nas mais elementares necessidades do dia a dia. Mas como conceber até um ‘eu’ se o não concebêssemos inexoravelmente num ‘tu’? Como imaginar a nossa individualização sem um ‘tu’ que a determine?” (***).


(*) Habermas, J., (1997), Técnica e ciência como ideologia, Lisboa: Edições 70, p. 36
(**) Sartre, J. e Ferreira, V.,(1978), O Existencialismo é um humanismo, Lisboa: Editorial Presença, p. 250
(***) Ferreira, V., II-Existencialismo, in Sartre, J. e Ferreira, V., (1978), O Existencialismo é um humanismo, Lisboa: Editorial Presença, p. 104

24 maio 2005

Mas que grande finta

Alguém pode explicar como é que um treinador de futebol promete ser campeão na próxima época e ao mesmo tempo confessa que ainda está pouco identificado com o plantel?

23 maio 2005

Fim do 1.º Acto

E a retórica da dramatização continua:

1) o governador do Banco de Portugal dirige-se a S. Bento para entregar o seu relatório ao Primeiro-Ministro.

2) cerca de uma hora e meia depois, o Ministro das Finanças comunica ao país as principais conclusões do relatório:

a) Défice previsto: 6,83% (o rigor é persuasivo)
b) Situação orçamental: mais difícil do que se esperava (isto é repetido)
c) Posição do Governo: preparado para tomar as medidas adequadas (quem terá duvidado?)

(FIM DO 1º ACTO)

22 maio 2005

Lusa manipulação

O Provedor do Jornal de Notícias trouxe à edição de ontem o caso de uma inacreditável manipulação jornalística levada a cabo pela Agência Lusa. A coisa parece ter sido tão grosseira que chega a lembrar o que por cá se passava noutros tempos e que, pelos vistos, continua a ser o pão nosso de cada dia por estas longínquas paragens. Mas vamos aos factos:


Tudo começa com uma notícia do Público, no passado dia 14, sob este título:

"PJ investiga empreendimento viabilizado por Sócrates e Capoulas"

Importante: segundo o Provedor do JN, da notícia do Público apenas se podia concluír que Sócrates estava a ser investigado por eventual tráfico de influências, e que dessa investigação não havia ainda conclusões.

Nesse mesmo dia (desconhece-se se por iniciativa própria ou a pedido dos respectivos visados), a Polícia Judiciária torna público um comunicado sobre o assunto, que é difundido pela Lusa com o seguinte título:

"PJ sem provas contra Sócrates no caso 'Nova Setúbal'"

Neste seu comunicado a PJ nega que existam "quaisquer elementos que permitam concluir" pela existência da "prática de um crime de tráfico de influência imputável aos visados na notícia" sem desmentir, contudo, a notícia da investigação em curso. Aliás, nem o poderia ter feito pois, como muito certeiramente deduz o Provedor do JN, "para a PJ dizer que não há indícios da prática de um crime é porque existe ou existiu investigação".

Percebo perfeitamente o incómodo e até a revolta de quem vê o seu nome publicamente associado a uma investigação deste género e, por outro lado, questiono-me mesmo sobre a noticiabilidade do assunto. Também não posso deixar de estranhar a coincidência temporal da notícia do Público com as investigações que decorrem noutros quadrantes político-partidários. Mas isso são contas de outro rosário. O que aqui está em causa é antes um tipo de manipulação jornalística que só pode descredibilizar quem a ele recorre. Como foi o caso da Lusa quando, pouco depois de ter difundido o comunicado da PJ distribuiu uma correcção na qual mantinha o corpo da notícia, mas alterava o seu título para:

"PJ nega investigação a Sócrates no caso 'Nova Setúbal'"

Ou seja, em duas penadas, a Lusa ousou "corrigir" o próprio comunicado da PJ e fê-lo aditando-lhe a falsa informação de que a PJ negara a própria investigação, quando o comunicado não lhe fazia sequer a menor referência. O Provedor do JN chama-lhe "trapalhada mediática" mas o seu particular modus faciendi parece remeter-nos para uma falha bem mais grave. Porque é bom de ver que não se tratou de um vulgar lapso de urgência. A Lusa, aliás, começou por transmitir a verdade (no primeiro título) só a degradando precisamente na versão mais demorada (segundo título). Daqui até à conclusão de que foi um erro deliberado pode ir uma distância tão pequena que não falte quem a percorra e, nesse caso, em se tratando da maior agência de notícias de Portugal e de língua portuguesa, é quase inevitável que surjam as habituais especulações sobre a instrumentalização governamental.

Mas era só o que nos faltava que numa altura em que duas cadeias de televisão públicas russas são fortemente criticadas por darem um lugar priveligiado aos discursos do presidente Vladimir Putin tívessemos por cá uma agência noticiosa que chega ao ponto de corrigir o comunicado de uma instituição como a Polícia Judiciária só para defender o bom nome de membros do Governo. O mínimo que se pode exigir é que a Lusa dê publicamente a mão à palmatória e explique a que se ficou a dever este seu tao censurável atropelo da objectividade jornalística. Está em jogo a sua própria credibilidade.

Adenda:
É verdade que o JN "embarcou" na manipulação da Lusa quando, no dia seguinte, noticiou igualmente a não existência de uma investigação sobre o assunto. Mas aí, não só haverá a atenuante de ter confiado na agência noticiosa, como o próprio erro foi prontamente admitido pela respectiva editora de Política. E se no jornalismo um erro é, por princípio, sempre indesejável, também o saber reconhecê-lo é meio caminho para evitar a sua repetição, para além de traduzir a dignidade profissional de quem o assume. Foi o caso.

Blogues de causa: sim ou não?

Pacheco Pereira (mais uma vez) abriu as "hostilidades" ao criar o Sítio do Não para promover o debate sobre a Constituição Europeia. Muito saudavelmente os responsáveis do Tugir responderam com o Sítio do Sim. Louvem-se as duas iniciativas pelo capital de esclarecimento que, por certo, irão trazer à blogosfera.

Mas do ponto de vista de uma retórica verdadeiramente crítica, é pena que não se possa ir um pouco mais além. Porque nos termos em que estão anunciados - e ainda que seja outra a intenção dos seus promotores - é muito possível que os dois sítios tendam a funcionar mais como propaganda de uma decisão já tomada, do que como centros de reflexão e escrutínio crítico para descobrir a melhor resposta ou melhor solução. Ou seja, não haverá propriamente questão alguma por resolver mas antes uma convicção que se pretende fazer partilhar ou impor (e já não reavaliar, muito menos, pôr em crise).

Logo, por mais diferentes que se revelem nas opções e nos fundamentos, os dois blogues serão sempre dois blogues de causas. E sabe-se como a lógica de causa se esquiva da argumentação crítica, na medida em que passa por cima da escolha e da valoração da própria causa que lhe dá origem. A lógica da causa não é, pois, uma lógica da questão ou do problema: é a lógica da resposta e da solução. O que não só não favorece a invenção como afasta as eventuais alternativas. Passe o trocadilho, a causa não está em causa. É reconhecida, a priori, como uma boa causa e isso é quanto basta para justificar a respectiva argumentação.

Mas foi precisamente esta inversão do sentido argumentativo que Olivier Reboul criticou duramente pois, segundo ele, "o critério supõe que o valor da causa seja conhecido antes da argumentação encarregada de estabelecê-lo: o que equivale a julgar antes do processo, a eleger antes da campanha eleitoral, a saber antes de aprender. Não existe dogmatismo pior" (*).

Dir-se-á que não é por um blogue se chamar Sítio do Não que fica impedido de analisar as consequências mais vantajosas do Sim (ou vice versa). Pois não. Mas a questão não é essa. A questão é que, por definição, o Sítio do Não é o sítio dos que já decidiram votar Não, tal como o Sítio do Sim é o dos que já decidiram votar Sim. Pergunta-se então: o que há para argumentar nos dois sítios se os participantes em cada cada um dos blogues já estão todos de acordo? Alguém acredita que um blogue em que o Não é consensual vai perder tempo a debater ou aprofundar os argumentos favoráveis ao Sim? Não seria isso um atentado à economia da atenção, do pensamento e dos próprios interesses?

Entendamo-nos: um blogue de causa não visa, em primeira linha, descobrir a verdade, nem tão pouco a melhor solução. Um blogue de causa orienta-se, sobretudo, para a produção do resultado previamente definido e só esse, mesmo quando reproduz alguns textos ou opiniões contrárias. Pouco importa até que sejam muito diferentes as razões que levam cada qual a aderir à mesma causa. O grande objectivo é conseguir o maior número de adesões e não tanto sujeitar o Sim ou o Não (conforme o caso) ao teste de uma genuína contra-argumentação. O que levanta desde logo o problema dos que ainda não se decidiram nem pelo Sim nem pelo Não. Para que lado deveriam cair?

Seria por isso desejável que se fosse um pouco mais além da criação de um blogue do Sim e de outro blogue do Não - em que cada um defende a sua própria ideia sobre a Constituição Europeia - e surgisse um único blogue mais abrangente, que poderia chamar-se, por exemplo, o Sítio do Sim ou Não, onde fosse acolhidos testemunhos e participações de ambos os lados. Tudo em nome de um confronto dialéctico mais esclarecedor e informativo, mas, sobretudo, de decisões criticamente avaliadas. Como seguramente desejam os distintos criadores dos dois sítios.

(*) Reboul, Olivier, (1998), Introdução à Retórica, S. Paulo: Martins Fontes, p. 99

20 maio 2005

Uma aula de oposição

Por muita aversão que se tenha à foice e ao martelo, forçoso é reconhecer que Jerónimo de Sousa deu hoje uma "aula de oposição" ao denunciar a hiper-dramatização das finanças públicas como pretexto para o Governo se furtar a cumprir os seus compromisso eleitorais. Oxalá não tenha razão. Mas como de outro modo entender a retórica da repetição e da multiplicação de alertas cada vez mais preocupantes e menos informativos com que a chamada Comissão Constâncio (e afins) nos tem brindado ultimamente? A ver vamos.

O Crítico dois anos depois

Roubo ao Henrique Silveira as palavras finais com que no passado dia 6 assinalava o segundo aniversário do Abrupto e afixo-as à entrada do seu próprio blogue:

"O Crítico é necessário".

Parabéns, Henrique.

19 maio 2005

Excertos de um livro não anunciado (234)

E uma vez afastada a tentação dogmática, a crença numa hipotética verdade absoluta, é a relatividade que se assume como condição e possibilidade da própria argumentação. De facto, como lembra Oswaldo Porchat Pereira (*), a força de um argumento é sempre relativa. É relativa, em primeiro lugar, à maior ou menor competência de quem o utiliza. É relativa também aos interlocutores concretos que se visa persuadir. É ainda relativa às circunstâncias particulares em que o argumento tem lugar. Mas, além disso, a argumentação, no seu todo, é sempre relativa a uma visão do mundo mais ou menos comum aos interlocutores, onde se pode encontrar as premissas consensuais, a partir das quais se estrutura a própria discutibilidade. “Exorcizado o fantasma da verdade, valorizam-se o diálogo e o consenso intersubjectivo, mesmo se apenas prático, temporário, relativo. E a argumentação, por eles trabalhando, integra os discursos da subjectividade na trama da racionalidade intersubjectiva” (**).

(*) Pereira, O., Cepticismo e argumentação, in Carrilho, M. (org.), Retórica e comunicação, Porto: Edições ASA, 1994, p. 152
(**) Ibidem, p.154

Os dois anos do Almocreve

Fez dois anos o Almocreve das Petas, um blogue onde a erudição e o olhar crítico de masson nos enriquece a cada visita. Parabéns.

17 maio 2005

Eu vou ser muito breve

Na sua última crónica, na Visão, Ricardo Araújo Pereira analisa com insuperável humor o caricato caso daqueles ouvintes que telefonam para um programa de opiniões sem ter opinião nenhuma. E dá mesmo um exemplo retirado do Forum TSF que é, como se sabe, moderado pela quase evangélica paciência de Manuel Acácio:

Ouvinte:
-Ó sr. Manuel Acácio, eu vou ser muito rápido, muito conciso e muito breve. E, pelo sim pelo não, vou ser um bocadinho sintético, também. Porque há ouvintes que ligam para cá e perdem-se em prolegómenos e contextualizações que não servem para nada, em vez de irem ao cerne da questão e deixarem falar os outros, que também têm direito. Fica uma pessoa às vezes horas e horas à espera que uma palerma qualquer esteja para aqui a desbobinar um grande relambório sem interesse algum. Isto é como diz o outro: eles falam, falam, e não dizem nada, não é?.(pausa) Estou?

Manuel Acácio:
-Sim, estamos a ouvi-lo.

Ouvinte:
-Ah. É que por momentos fiquei sem sinal. Capaz de ser do telefone, ou assim. Já me tem acontecido o mesmo em conversa com malta amiga. Estes telefones novos... Dava um tema para o vosso programa, um dia destes. Ora bem, é a segunda vez que participo no Forum TSF...Ou é a terceira? Não, minto, é a terceira. Assim é que é. Só que numa das vezes eu cheguei a entrar no ar mas a chamada caiu. Ficou só aquele pi,pi,pi,pi,pi. Por isso não sei se conta.

Manuel Acácio: ...

Ouvinte:
-É capaz de não contar. Pronto, é só a segunda vez que participo, digamos assim. Vou então explanar a minha opinião. Ora bem, antes de mais nada, muito bom dia ao auditório.

E, como diz Ricardo Araújo Pereira, é por esta altura que se acabam os dois minutos a que o ouvinte tem direito. O que só confirma o velho ditado: "De boas intenções está o mundo cheio". Um ouvinte que começara por anunciar a sua intenção de ser breve e conciso, acabou por revelar-se tão palavroso e "agarrado ao microfone" que já nem dispôs de tempo para deixar a sua opinião, se é que a tinha.

Mas verdade se diga que é sempre assim. Por exemplo, quando deparo, em alguma cerimónia que meta discursos, com um orador que começa por dizer Eu vou ser muito breve, já sei que vai ser precisamente o contrário. É matemático. Ou quase. O que também não deixa de ter a sua graça.

Excertos de um livro não anunciado (233)

Nestes termos, a concepção interrogativa não só pode aspirar à elaboração de uma teoria completa da argumentação como “permite compreender uma oposição entre dois usos da retórica: aquele que visa manipular os espíritos e aquele que, pelo contrário, torna públicos os procedimentos da primeira, e de um modo mais geral todos os mecanismos da inferência não-lógica” (*). Por isso a retomaremos no próximo capítulo a propósito do possível uso da retórica como instrumento de manipulação ou engano. Por agora, detenhamo-nos um pouco mais sobre o bom uso da retórica, ou seja, aquele que permite aos homens exercer em plena consciência o seu sentido crítico e o seu juízo. Uma retórica que promove “(...) o encontro dos homens e da linguagem na exposição das suas diferenças e das suas identidades. Eles afirmam-se aí para se encontrarem, para se repelirem, para encontrarem um momento de comunhão ou, pelo contrário, para evocarem essa impossibilidade e verificarem o muro que os separa” (**). É que, como sublinha Meyer, se há uma constante na relação retórica ela é, desde sempre, a das relações entre os sujeitos, o que, pressupondo a existência de um locutor e um interlocutor (ou auditório), prefigura uma dinâmica argumentativa cuja especificidade mais notória será o papel que nela desempenham as subjectividades.


(*) Meyer, M., (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 46

(**) Idem, p. 26

16 maio 2005

Não sei se diga, não sei se cale...

Imagino que seja qualquer coisa assim que Ana Sousa Dias fica a pensar durante o "apagão" a que o Professor Marcelo a submete, domingo após domingo. Que posição mais ingrata, a sua: se fica calada reduz-se a peça meramente decorativa; se fala, é imediatamente "cilindrada" pela interrupção do Professor.

Pior do que isso só quando o "entrevistado" resolve passar a conduzir a "entrevista", como bem ilustra Pedro D'Anunciação (*): "se ela ensaia uma colherada própria, Marcelo ignora-a. ("vamos começar por Blair", tentou a entrevistadora no último domingo, ao que imediatamente o protagonista contrapôs:"vamos antes começar por aquelas notinhas mais breves")"

"Ana Sousa Dias está a prejudicar a sua imagem de grande entrevistadora", conclui Pedro D'Anunciação, o que, aliás, só um cego é que não vê. Só um cego e, pelos vistos, a própria entrevistadora. Mas talvez estejamos a ser demasiado rigorosos. Quem disse que aquilo é uma entrevista? Não senhor. Aquilo não é entrevista nenhuma. Quer dizer, parece uma entrevista mas nao é. No dizer da própria RTP, tudo não passa de uma "conversa com a jornalista". Mas que conversinha...


(*) in Expresso de 2005.05.14

15 maio 2005

Os melhores discursos da América

A ninguém surpreende que o discurso "I Have a Dream" de Martin Luther King Jr, apareça como o primeiro desta lista dos 100 melhores discursos políticos do séc. XX, na América. O que pode surpreender é que o 35.º discurso da mesma lista seja de Hilary Clinton e não do seu famoso marido, que teve que se contentar com um mais do que "anónimo" 92.º lugar. Bem feito. Para a próxima que aproveite melhor o que tem em casa.

Canzoada retórica

A canzoada da imprensa e da televisão que se contente com retórica e generalidades. Não merece mais.

Vasco Pulido Valente in Público, 2005.05.13


De como uma retórica só pode ser afastada por outra. Neste caso, pela de Vasco Pulido Valente.

14 maio 2005

Governo calado para não dizer asneira

Vasco Pulido Valente, na sua crónica de hoje, no Público:

"O Eng.º Sócrates, em geral, não fala (...) O Governo também está calado. Por ordem do chefe, com certeza. Um ou outro ministro que se distraiu (Correia de Campos, Manuel Pinho) arranjou logo um sarilho e tão cedo não volta sequer a suspirar. (...) A paz reina. Não sucede nada. O responsável por este grande silêncio em que de repente se instalou o regime é Santana Lopes. Santana declarava, acrescentava, emendava; e tornava a declarar, a acrescentar, a emendar e a negar. À volta dele zuniam intrigas, desmentidos, dramas. Mas Santana deixou uma herança: hoje o objectivo de qualquer político é não ser Santana."

Note-se como Pulido Valente começa por denunciar o actual silêncio governativo mas logo a seguir atira as culpas para Santana Lopes por este, enquanto esteve no poder, ter passado a vida "a declarar, a acrescentar, a emendar e a negar".

É lógico que o errático estilo de Santana Lopes nunca poderia servir de modelo ao homem que lhe sucedeu. Mas deve reconhecer-se que Santana não caiu em desgraça por ter dado explicações a mais ao país e sim, porque frequentemente informava mal, entrava em contradição ou falava de assuntos que não dominava.

Logo, se José Sócrates não se queria parecer com Santana, bastava-lhe informar correctamente, não se contradizer nem dizer disparates. O nosso Primeiro, porém, optou por não falar. Tem esse direito. Mas fica a impressão de que impõe a lei da rolha a si próprio e ao seu Governo só para evitar aquele tipo de trapalhadas que minaram o anterior Executivo. Por outras palavras: o Governo fica calado... para não dizer asneira. Ora isto é, no mínimo, confrangedor. Qualquer dia fica quieto só para não errar.

DefiniçãoZita de coerência

Coerência é estarmos de acordo com o que pensamos - dizia a ex-comunista e actual "social-democrata" Zita Seabra, há aguns minutos atrás, na SIC-Mulher.

Vê-se bem que a sua definição de coerência é tão minimalista, tão minimalista, que não passa de mero jogo de palavras. Mas, ao menos na política, não será tudo o que resta depois de uma cambalhota mal dada?

13 maio 2005

De gritos

Segundo Nuno Crato, tudo aconteceu durante uma acção de formação de professores realizada ontem em Lisboa, na Casa Pia. Duas senhoras monitoras, qual delas a mais credenciada - uma apresentando-se como "graduada em astropsicologia" e a outra como "terapeuta holística" - desataram a fazer uma análise astral aos presentes e a pedir a todos os professores para tirarem os sapatos, fecharem os olhos e começarem a gritar, com os braços erguidos, para criar energias positivas que se propagassem pelo grupo. Tudo isso no escuro. Estão a imaginar a cena? Deve ter sido lindo. E não há quem ponha mão nisto?

Abençoada crónica.

11 maio 2005

Boas palavras

Nas presentes circunstâncias, não estou disponível - diz Manuel Alegre a propósito da sua propalada candidatura à Presidência da República, segundo relata o JN de hoje.

Boas palavras, porque querem dizer que... temos candidato. Falta só alterar as "presentes circunstâncias". Boas palavras, também porque o verdadeiro candidato é aquele a quem se tem que pedir muito. E para isso, declarar-se "não disponível" é um primeiro passo, quase obrigatório. Mas sem muita convicção, não vá pensarem que está mesmo desinteressado...

09 maio 2005

Excertos de um livro não anunciado (232)

Mas quais são e em que consistem esses três grandes níveis de articulações interrogativas? Para Meyer são a factualização, a qualificação e a legitimação. A factualização que incide sobre o “que”, ou seja, quando está em questão se este ou aquele facto se produziu. Quanto à qualificação esta actua sobre o “o que”, onde já não está em causa se o facto se verificou ou não (por já se encontrar admitido) mas sim a sua caracterização, como por exemplo, quando encontramos uma pessoa inanimada e nos interrogamos se terá sido devido a doença, acidente ou crime. Por último, a legitimação - que pode ser considerada como um meta-nível na medida em que se trata da questão de legitimidade – onde o que está em causa é a “legitimidade daquele que fala, do seu direito a interrogar-nos, das razões que pode ou não invocar, das normas argumentativas que também reconheceremos como válidas entre nós, de facto ou de comum acordo expresso” (*). A cada uma destas três grandes articulações interrogativas Meyer associa ainda uma diferente concepção de argumentação. Assim, no primeiro tipo de interrogação teremos a argumentação como dialéctica, em que se procura saber se uma proposição é verdadeira ou se um facto ou acontecimento se produziu ou não. No segundo tipo de interrogação surge a argumentação como “retórica do sentido, das figuras, da interpretação do sentido e já não do debate contraditório” (**). O terceiro tipo de interrogação é aquele em que o objecto do debate já não é o sentido mas sim a identidade e a diferença entre os seres que, ao comunicarem o que os identifica, deixam também mais nítido tudo o que os separa.

(*) Meyer, M., (1998), Questões de retórica: linguagem, razão e sedução, Lisboa: Edições 70, Lda., p. 45
(**) Meyer, M., As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), (1994), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, p. 63

A arte de bem navegar

O Mar Salgado completou o seu segundo ano a navegar sempre em boas águas, com rumo bem definido e tripulantes de reconhecido valor. É, sem sombra de dúvida, uma embarcação virtual exemplar. Parabéns.

08 maio 2005

Também gostava de saber

Estou como o João: aquela música do do Eixo do Mal, na Sic Notícias é um verdadeiro achado. Mas... de que CD será?

Vivó Abrupto

Vivó Abrupto e parabéns a Pacheco Pereira, pelos dois primeiros anos na blogosfera. Não é preciso estar sempre de acordo com o que escreve para reconhecer a especial valia da sua opinião sobre os factos ou acontecimentos a que livremente se reporta.

Diz Luis Carmelo que o Abrupto tem uma linha editorial virada para a atmosfera e não para a blogosfera. Concordo inteiramente. Mas isso sempre aconteceria, independentemente de corresponder ou não a um propósito pessoal, dado que, como se sabe, Pacheco já dispunha de enorme capital de influência nos media, na política e na cultura portuguesa em geral, mesmo antes de criar o seu tão famoso blogue.

Foi esse seu capital de influência que veio sacudir a blogosfera. As actualizações regulares, a qualidade dos textos e a atenção que Pacheco Pereira desde sempre dedicou ao seu blogue (mesmo em viagem), fizeram o resto. Junte-se-lhe aqui e ali um pozinho de novidade e/ou provocação política e aí temos o Abrupto em grande destaque nos próprios meios de comunicação tradicionais. Não surpreende, portanto, que Pacheco escreva também (ou até principalmente) para fora da blogosfera.

O que surpreende é que tenha ficado muito chocado com uma hipotética campanha activa contra a colocação de links para o Abrupto já que, ao não colocar, ele próprio, qualquer link permanente para outros blogues, tudo levava a crer que não atribuisse a menor importância a tal facto. Ou me escapa algo, ou esta sua posição colide com a coerência que lhe reconheço.

Não comungo, porém, das acusações que, a propósito da sua silenciosa política de links lhe são feitas e que vão da mera sobranceria à infracção ética inter-pares. Porque cada um de nós linka ou não linka conforme lhe dá na real gana. Os meus links permanentes, por exemplo, estão ali ao lado principalmente para me facilitarem a vida quando quero visitá-los e seguramente que não traduzem uma preferência única nem definitiva. Aliás, por esta ou aquela razão, há alguns blogues que, apesar de os visitar assiduamente, ainda não constam da lista. Resumindo: os links devem ficar à vontade do freguês, quero dizer, do autor de cada blogue, sem pressões ou insinuações de qualquer espécie.

Uma coisa é certa: o Abrupto é um espaço editorial que o seu autor exerce e partilha com a maior abertura opinativa, chegando mesmo ao ponto de publicar algumas críticas que não passam de grosseiros ou deselegantes ataques pessoais. Também por isso é credor de especial saudação: vivó o Abrupto.

Argumentar do meio para o fim

07 maio 2005

Fraude democrática

Nesta tarde de sábado, está a dar na televisão o debate de 4.ª feira passada na Assembleia da Republica. Deu-me para seguir as intervenções dos respectivos deputados mas perante o formalismo e confuso palavreado do costume, só passados largos minutos percebi que o que se discutia era um relatório do deputado Idalino Canas não sei muito bem sobre o quê nem isso vem ao caso. O que vem ao caso é o número de "grande ilusão" a que, mais uma vez, pude assistir: as bancadas que se encontravam praticamente desertas durante o debate, como que por milagre, encheram-se de novo, no momento da votação.

É possível que os deputados ausentes do debate tenham estado ocupados com outras tarefas ou missões igualmente importantes para o país. Mas, com franqueza: como pode um deputado votar seriamente sobre uma medida ou assunto cuja discussão não acompanhou? Só há um nome para isto: fraude democrática.

05 maio 2005

Contra mim falo

O Neptuno, do Mar Salgado (post PRESIDENTE À PAISANA) está contra a ideia de que para garantir o cumprimento do código da estrada seja necessário recorrer a "viaturas dissimuladas com agentes da BT à paisana - para "apanhar" em flagrante os infractores". E convenhamos, que a medida, em si mesma, não tem nada de simpático.

Mas será que "as infracções rodoviárias - bem como o crime em geral - diminuem com a presença visível da BT" como afirma o Neptuno? Contra mim falo: duvido seriamente. Quando vejo uma brigada lá ao longe, sou um condutor exemplar. Mais adiante, porém, já de novo fora do seu alcance, retomo a minha "condução normal".

Sucede que o que eu penso que seja uma condução normal nem sempre coincide com o que determina o código (*). E cá para nós, se acabo de passar por uma brigada de trânsito, seria muito azar encontrar outra logo a seguir.

Mas mesmo que tal venha a suceder, se a regra for a da sua visibilidade, eu que não sou cego, terei todas as possibilidades de a avistar e tomar, de novo, as minhas providências. E assim sucessivamente.

Não. Custa reconhecê-lo, é certo, mas uma política de presença (e visibilidade) efectiva de GNR nas estradas, não previne o cumprimento das regras. Pelo contrário, se há política de prevenção que pode dar frutos é precisamente essa, de inspiração panóptica, de colocar os agentes fiscalizadores na posição de tudo observarem sem serem observados.

E nem se invoque que as viaturas dissimuladas com agentes da BT à paisana são para "apanhar" em flagrante os infractores, principalmente se na respectiva estrada existir uma indicação bem visível (aí sim) sobre o método de fiscalização a que está sujeita. Porque nesse caso, só serão apanhados os condutores que "pisarem o risco" (tal como acontece no controlo por radar). Mas esses, concerteza que não estarão à espera de um prémio...


(*) Por exemplo: a aplicação dos mesmos limites de velocidade a automóveis de muito diferentes condições de segurança (cilindrada, suspensão, sistema de travagem, etc)

03 maio 2005

É assim... é complicado.

O estilo é o homem, afirmou um dia Buffon. A frase "saiu-lhe" quando apenas pretendia dizer que o estilo é a marca que distingue o humano dos outros seres, conforme muito pedagogicamente esclarecia Eduardo Prado Coelho no seu "O Fio do horizonte" de ontem, no Público. A verdade é que a interpretação que ficou para a História, vai mais no sentido de que o estilo de alguém espelha, digamos assim, a sua própria maneira de ser.

É possível que a questão das expressões ou palavras repetidas até à náusea, a que Pedro Caeiro - por sinal, em grande estilo - aqui se refere, sejam também elas, sobretudo, uma questão de estilo. Há pessoas que prestam mais atenção à estética do próprio dizer, quer por exigência valorativa própria, quer por imposição de uma certa etiqueta social. Nesse caso, tenderão a evitar a repetição sistemática (e cansativa) de quaisquer expressões, ainda que a sua comunicação resulte menos eficaz. Outras, valorizam mais o aspecto funcional da palavra e aí o que conta é o que realmente querem dizer, logo, não hesitam em recorrer às mais estafadas formas de expressão que são, regra geral, as que a sua fraca memória tem mais à mão. E, na maioria dos casos, nem disso tomam verdadeira consciência.

O Pedro Caeiro glosa o "complicado" e fá-lo com toda a pertinência e bom humor (estou a pensar nos hilários exemplos que descreve...). Realmente, terminar (ou interromper?) uma argumentação com o "é complicado", seja numa versão simplória seja em registo mais pretensioso... é complicado. Mais complicado do que isso só vejo mesmo aquela barbaridade do "É assim..." (ou do "então é assim") que de um momento para o outro, passou a infestar o início de toda e qualquer explicação ou resposta. "É assim"? É assim... é complicado. Haja paciência.

02 maio 2005

Matemática & Influência

Como o tempo passa. Já lá vão quase dois anos e, contudo, só hoje li. Segundo Nuno Ramos de Almeida, do Muro Sem Vergonha (post “SALTITÃO DOS QUANTA”), durante um debate que teve lugar em Agosto de 2003, na Aula Magna, o Professor Nuno Crato terá feito a seguinte afirmação:

"Se o mundo fosse constituído de matemáticos os publicitários não vendiam nada"


Devo dizer que tenho muito apreço pela contribuição que o actual Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática vem dando à divulgação da ciência, nomeadamente, quando em pequenas doses e numa linguagem extremamente acessível promove a aproximação entre o real quotidiano e a sua explicação científica, como é o caso da coluna "Passeio Aleatório" que mantém na revista "Única", do "Expresso".

Não posso, contudo, deixar de considerar que esta sua afirmação de que se o mundo fosse constituído de matemáticos os publicitários não vendiam nada é menos feliz e talvez só explicável à luz de uma empobrecida concepção dos efeitos persuasivos da comunicação em geral e da publicidade em particular. Desde logo, porque está aqui implícito um duplo preconceito: que a publicidade é sempre enganosa e que só consegue persuadir a comprar, a quem não tenha formação lógico-matemática. Preconceito que, reconheça-se, não tem ponta por onde se lhe pegue.

É provável que muitos dos que se deixam influenciar pela publicidade não se sentissem tão atraídos a comprar o produto publicitado, se possuissem uma maior capacidade de distanciamento ou descentração da mensagem publicitária e de tudo o que esta propõe ou sugere. Mas pensar que é a formação matemática que pode tornar o cidadão "imune" aos própositos publicitários, afigura-se-me, para ser franco, rematada ingenuidade. Porque se a lógica e a matemática disciplinam o raciocínio, já nada ou muito pouco podem contra o próprio pensamento, contra os valores, contra as preferências, contra os interesses, contra a vontade, contra a emoção ou até contra a simples curiosidade que em sede de decisão, tantas vezes se sobrepõe, como sabemos, ao puro cálculo racional do custo-benefício.

Acontece que o matemático é um homem da ciência, não um homem científico. É uma pessoa, não mero dispositivo tecnológico. E as pessoas não são constituídas por faculdades completamente separadas. Como sustenta Perelman e Damásio confirma (ver a sua hipótese do marcador somático), não é possível discriminar com rigor, por exemplo, entre razão, emoções e vontade, o que por si só, deita por terra a distinção clássica entre persuasão e convencimento, segundo a qual, teríamos persuasão quando a mensagem fosse dirigida à "vontade" (irracional) e convencimento, sempre que a mesma visasse o "entendimento" (racional).

A comunicação, portanto, incluindo a publicitária, dirige-se mais exactamente ao homem no seu todo e não apenas à sua faculdade lógico-matemática. Daí que, inclusive, em situações muito específicas, o matemático possa até ser mais influenciável pela publicidade do que o comum dos mortais. Mas, já agora, qual é o problema de ser influenciável pela publicidade? Haverá ainda alguma dúvida de que todos somos mais ou menos influenciáveis?

Tenho para mim que o problema não está na nossa maior ou menor susceptibilidade à influência da publicidade ou à influência de qualquer outro tipo mas sim, no modo como lhe reagimos, pois se abdicamos totalmente da nossa consciência crítica, arriscamo-nos a ter um péssimo "despertar" e se alimentamos a ilusão de que nada nem ninguém nos conseguirá influenciar, podemos ser traídos pelo excesso de auto-confiança.

É claro que, como reconhece a psicóloga clínica Michèle Declerck (*) - que há mais de quinze anos mantém uma carreira publicitária a par da sua profissão de psicoterapeuta - o discurso persuasivo da publicidade recorre aos mesmos processos de influência da hipnose. Mas, ao contrário do que poderão fazer crer certos espectáculos de hipnotismo (o deplorável hipnotismo de palco) previamente encenados, quer pela selecção de pessoas com alta susceptibilidade hipnótica, quer pelo recurso a meia dúzia de fingidores, não é o "poder" do hipnotizador que domina o indivíduo a hipnotizar mas, pelo contrário, é o sujeito a hipnotizar que transfere para o hipnotizador o seu "poder" de se abstrair de tudo o que o rodeia e seguir apenas as "ordens" daquele a quem entregou (quase) todos os comandos.

Acresce que essa "transferência de poder" está sempre dependente da prévia decisão do hipnotizado que, de livre vontade, declara pretender ou aceitar submeter-se (é o termo) à hipnose. De onde se poderá dizer que, pelo menos até certa altura da respectiva indução hipnótica, qualquer pessoa pode tomar a iniciativa de parar ou prosseguir. O mesmo sucede com a influência da publicidade onde não é preciso ser matemático para, enquanto é tempo, controlar ou escapar aos seus efeitos menos desejados. Num e noutro caso, não se pode falar de vítimas indefesas de um qualquer processo de influência já que qualquer cidadão de mediana capacidade crítica tem o discernimento suficiente para determinar as suas escolhas. Se é assim na política, onde a persuasão impera de cara encoberta, porque não deveria ser na publicidade onde a persuasão se mostra tal qual é? O que não se vê é em que é que os matemáticos poderiam ser criticamente mais avisados ou mais imunes à persuasão do que os demais cidadãos. Com todo o respeito.

(*) Michèle Declerck, La publicité et l’hypnose, in Didier Michaux (Org), HYPNOSE, LANGAGE ET COMMUNICATION, Paris: Editions Imago, 1998

01 maio 2005

Estado de incumprimento

Concordo inteiramente com Vital Moreira quando defende que o Estado deve parar a criação de novas universidades públicas, até porque tem de as pagar principalmente se, como afirma, Portugal tem universidades a mais. Mas já não direi o mesmo quanto ao seu apoio à decisão de Mariano Gago em não dar andamento à abstrusa ideia de criar uma Universidade em Viseu, que o Governo anterior demagogicamente tinha prometido.

É que, embora os Governos mudem, o Estado permanece. E se o Governo anterior era legítimo, então, para todos os efeitos, demagogicamente ou não, foi o próprio Estado que prometeu a referida universidade. A partir daí criaram-se, por certo, naturais expectativas entre as gentes locais, expectativas que não deveriam agora ser atraiçoadas só porque o Executivo mudou. Em princípio, o actual Governo, como qualquer outro no futuro, deve honrar os compromissos assumidos pelo anterior.

A desejável alternância democrática no poder, não pode dar origem a um Estado-Múltiplo ou a uma sucessão de legislaturas sem qualquer vínculo de continuidade entre si, onde quem promete já cá não está e quem cá está já não cumpre. A noção do Estado como pessoa de bem, passa também por aqui. Logo, a manter-se, a decisão de Mariano Gago só poderia ser compreendida por razões de força maior. E até ao momento, nada leva a supor que seja esse o caso.