29 setembro 2005

Arma eleitoral

Acaba de mostrar a TVI:

Candidada do CDS, de Porto de Mós, aparece num cartaz eleitoral com uma pistola bem visível em cima da secretária.

Entrevistada pelo repórter, esclarece que não se trata, afinal, de verdadeira pistola mas sim de um isqueiro oferecido por pessoa amiga. E como nunca o tira da secretária também não seria agora que o iria tirar só para tirar a fotografia eleitoral...

Não sei o que mais me tocou. Se a "ingenuidade" da candidata, se a pirosidade de um certo Portugal "pimba" que aqui se retrata. Sejamos claros (como dizem os políticos): um candidato pode ter um gosto duvidoso, não pode é ser desprovido do mínimo bom senso.

28 setembro 2005

O que é ser racional?

A proposta de Nozick foi que não temos que ficar com os desejos como dados brutos, como de certa forma quis Hume, mas também não podemos, seguindo Kant, considerar que nos movemos a puros princípios e que apenas isso é a nossa racionalidade - não podemos transcender desse modo os nossos desejos, deixá-los simplesmente para atrás. (*)

(*) Miguens, Sofia, (2004), Racionalidade, Porto: Campo das Letras, p. 192

27 setembro 2005

O diálogo político

Fazer política é renunciar a qualquer modo de proceder que não seja convencer, mas convencer é uma coisa que nunca pode estar plenamente garantida. Ainda que as regras do jogo estejam muito claramente estabelecidas, quem entra num diálogo não sabe com exactidão como ele terminará. Só é sincero um diálogo em que eu possa convencer outros mas no qual também possa ser convencido, no todo ou em parte. Os outros diálogos são encenações para a autoconfirmação.

Innerarity, D. (2005), A Transformação da Política, Lisboa: Editorial Teorema, p. 29.

Importante: não confundir políticos "convencidos" com políticos que se deixam convencer...

25 setembro 2005

A dita eloquência (49)

"Um mundo que não se cala de vez em quando é a imagem mais perfeita da demência"

João Pereira Coutinho (*), Expresso, 24 Setembro 2005

(*) Comentando a "sinfonia inacabada" para que nos conduzem novas tecnologias de comunicação como o telemóvel e o Skype.

Não sei porque é que este dito de JPC me fez pensar nos políticos...

Excerto de um livro não anunciado (259)

Defendemos já a ideia de que, face à actual compreensão do fenómeno retórico, não se deve isentar o manipulado da quota de responsabilidade que lhe cabe pela manipulação de que é alvo. É essa mesma ideia que aqui se pretende reafirmar, à luz do binómio responsabilidade-liberdade que preside a toda a escolha num contexto retórico. Com efeito, parece que endossar todas as culpas ao manipulador seria o mesmo que fazer do manipulado um mero autómato, um ser sem discernimento, sem capacidade de reacção, numa palavra, um não-humano. Uma tal posição, porém, não só se mostra moralmente condenável como estaria igualmente contra o espírito que enforma todo o movimento da nova retórica, que recordemos, desde o início se afirma como uma retórica, antes de mais, verdadeiramente humanista. De resto, nunca a ausência de manipulação garante o bem fundado das escolhas consensuais. Para que uma questão retórica receba a melhor solução possível, exige-se sempre algo mais do que um orador técnica e eticamente irrepreensível, não sendo mesmo descabido afirmar que a qualidade da própria retórica depende mais da capacidade crítica dos auditórios do que da eloquência dos respectivos oradores. No mesmo sentido, aliás, se pronuncia Perelman, nesta passagem do seu livro Retóricas: “Qual será então a garantia de nossos raciocínios? Será o discernimento dos ouvintes aos quais se dirige a argumentação” (*). O autor explica porquê: “toda a eficácia da argumentação é relativa a um certo auditório. E a argumentação que é eficaz para um auditório de gente incompetente e ignorante não tem a mesma validade que a argumentação que é eficaz para um auditório competente. Daí resulta que derivo a validade da argumentação e a força dos argumentos da qualidade dos auditórios para os quais tais argumentos são eficazes” (**).

(*) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 87
(**) Ibidem, p. 313

24 setembro 2005

O eterno retorno

Sócrates, Sócrates, Sócrates! É necessário invocar-te três vezes e eu fá-lo-ia até dez se fosse necessário. O mundo teria muita necessidade, dizem-nos, de uma república, de uma nova ordem social, mesmo de uma nova religião; mas ninguém pensa que aquilo de que o mundo precisa, na confusão em que o lançou tanta ciência, é precisamente de um Sócrates! Aliás se alguém se lembrasse disso e sobretudo se alguém lhe desse crédito isso provaria que se tinha menos necessidade dele. A necessidade mais premente para uma época que se desorienta, é sempre aquela de que ela tem menos consciência - Kierkegaard, A Doença Mortal (1849)


"Uma época que se desorienta" - poderia muito bem ser o título deste "filme" que corre pelo país e de que ainda só vimos as primeiras cenas. Mas já quanto a Sócrates... será que não temos consciência de como ele é necessário? Era só o que faltava: que não soubéssemos ainda como já somos felizes.

22 setembro 2005

Debater com moderação

Na sua crónica de ontem, no Público, Eduardo Prado Coelho denuncia a agressividade política, o mau gosto e a falta de pudor que alguns conhecidos candidatos às autárquicas têm exibido nesta pré-campanha eleitoral, mas logo adianta que o debate Carmona Rodrigues - Manuel Maria Carrilho também não foi bom exemplo. “Em primeiro lugar, porque os argumentos não se ouviram, esmagados pela gritaria em que foram envolvidos (…) Em se­gundo lugar, o público rejeita logo de entrada este tom violento, e prefere a serenidade inteligente de Maria José Nogueira Pinto, ou o tom inespe­radamente professoral de um excelentemente preparado Ruben de Carvalho.”

Realmente, nunca sei o que passa pela cabeça de candidatos culturalmente tão qualificados para, sem a menor cerimónia, descerem num ápice aos mais primitivos níveis de discussão. E já se sabe: quando não se pode contar com o bom-senso (e boa educação?) dos próprios candidatos, só mesmo um bom moderador nos pode salvar. Segundo Eduardo Prado Coelho, porém, também aí algo não terá corrido bem: o “simpático moderador foi demasiado simpático e pouco moderador. Não seria tarefa fácil, mas nas circunstâncias era imprescindível.”

Foi justamente por partilhar desta dupla preocupação (quanto à qualidade do debate e da própria moderação), que há dias saudei o João Paulo Menezes, do Blogouve-se, pelo seu oportuno post “Debater o debate” e lhe enviei também o seguinte comentário:

Do ponto de vista jornalístico, entendo que a primeira coisa a privilegiar em qualquer debate é a sua função, o seu principal objectivo, a sua razão de ser. Se o que está em causa é o esclarecimento e a adesão do eleitorado, o debate pré-eleitoral cumpre tanto melhor a sua função quanto mais informativo, dialéctico e persuasivo for. E isto não implica que se caia numa "seca", embora aqui tudo ou quase tudo dependa, obviamente, da capacidade oratória dos respectivos candidatos que, desse ponto de vista, são o que são e nunca o que o jornalista e o leitor, ouvinte ou telespectador gostariam que fossem. Mas é também para evitar essa "seca" que o moderador lá está, no cumprimento de uma missão muito ingrata mas para a qual dispõe, como se sabe, de alguns trunfos de que não pode nem deve abdicar.

Confesso que já não partilho a ideia de que o debate em que os candidatos falam uns sobre os outros seja um debate animado e divertido, como o parece admitir JPM (embora logo reconhecendo que aí se perde "uma parte significativa do que disseram, sendo que os ouvintes foram penalizados"). E isto porque o "falar sobre os outros" é sempre uma tentativa de calar os interlocutores, um passar da força da razão para a razão da força e, desde logo, uma desconsideração para o moderador e para o auditório. Dir-se-á, portanto, que se a dado momento de um debate começam todos a falar uns sobre os outros, aquilo a que a partir daí se passa a assistir pode ser muito emocionante ou espectacular, mas seguramente que já não será um debate.

Ora o moderador está lá justamente para assegurar o debate e não para permitir que descambe num espectáculo degradante, como tantas e tantas vezes acontece entre nós. Pessoalmente, prefiro a moderação que "deixa falar", que "não se vê" e que intervém só em última racio, para evitar os pontos mortos, para fazer um breve balanço das opiniões ou argumentos já lançados, para fazer pequenas perguntas ou introduzir novos temas no debate. Isto em condições normais. Mas quando o regime se altera para o "o falar sobre os outros" defendo uma moderação mais directiva que poderá ir das meras chamadas de atenção até à suspensão do próprio debate. Tudo ou quase tudo é preferível à anti-democrática estratégia de falar sobre os outros.

Tem razão JPM, portanto, quando prefere um debate com urbanidade e no respeito de regras mínimas (assim o interpreto) "em que se percebe tudo e sem agressões aos ouvintes" porque essa é a única opção que se enquadra com a função e o objectivo de um debate: o esclarecimento de diferentes propostas, ideias ou opiniões. Mas a pergunta "quanto tempo deve um interveniente poder falar sem que se torne maçador?" mais do que suscitar uma (impossível) resposta sugere o elevado índice de dificuldade e aventura que esperam o moderador de qualquer debate. Na moderação, como na retórica em geral, confrontamo-nos com idêntica perplexidade: assim como nunca é possível saber de antemão qual o argumento que se irá mostrar mais persuasivo – porque só a adesão ou não adesão do auditório o permitirá classificar (ou não) como tal – também nunca poderemos saber previamente quanto tempo deve um interveniente poder falar sem que se torne maçador - porque seria necessário esperar que ele se tornasse maçador para anotar o tempo durante o qual não maçara ninguém...

Falta alguém no retrato

Quando a direita perde, os comentadores de direita acham que quem perdeu foi o País, e é uma pena; e quando é a esquerda que perde, acham que quem perdeu foi a esquerda, e foi bem feito...

Vital Moreira, Causa Nossa, Causa Nossa, 22.09.05

Retrato muito bem tirado. Mas ficou alguém de fora. Não se vê, por exemplo, a figura que fazem os comentadores da esquerda quando a esquerda perde...

Excerto de um livro não anunciado (258)

Desfeita a esperança de que a razão, a experiência ou a revelação, permitam chegar à resolução de todos os problemas, os homens são chamados a deliberar sobre os valores e as normas de sua própria criação, pelo recurso a uma discussão que não garante a verdade nem tão pouco a justiça ideal, mas que radica na mais característica dignidade a que podem aspirar: o respeito pelo outro, o sentido da responsabilidade, o exercício da sua liberdade. “Quando não há nem possibilidade de escolha nem alternativa, não exercemos a nossa liberdade”, diz Perelman (*). Mas a escolha a que aqui se alude, não é uma escolha arbitrária, leviana ou comodista. É sempre a que se julgue corresponder à melhor escolha, a preferível entre todas as possíveis. É alem disso, uma escolha que permanecerá sempre discutível, apesar de se considerar a mais eficaz face às determinações concretas em que ocorre e tendo em consideração o específico problema que urge resolver. É que o critério de eficácia, a que se subordina a retórica, não permite, obviamente, distinguir entre a argumentação de um charlatão e a de um orador que apela à compreensão e sentido crítico do auditório, desde logo, porque o verdadeiro charlatão é aquele que se faz passar por não o ser. Daí a responsabilidade que de uma qualquer escolha sempre deriva quer para quem a propõe, quer para quem a aceita. Podemos então retomar, agora de um novo ângulo, a questão da co-responsabilidade do manipulador e do manipulado, num eventual uso indevido da retórica.

(*) Perelman, C., (1997), Retóricas, S. Paulo: Martins Fontes, p. 90

21 setembro 2005

Um cartaz que até fala

Imagine que está à espera do Metro junto a um cartaz electrónico onde aparece a fotografia de um candidato às autárquicas. Para matar o tempo, resolve passar os olhos pelo jornal mas, de repente, é interpelado(a) pela própria foto do político que lhe oferece um amável sorriso, puxa conversa consigo e lhe pede, de viva voz, o seu voto. Já pensou como iria reagir? Não? Se não pensou, pense enquanto é tempo porque, mais dia menos dia, é o que nos espera.

A sorte é que os nossos candidatos ainda não descobriram este poster interactivo que acaba de ser lançado pela Ogilvy Belgium na sua campanha de publicidade à Ford. Trata-se de uma placa electrónica que é capaz de manter uma conversação inteligente com humanos. Parece uma coisa de outro mundo mas a verdade é que, como tantas vezes sucede no ilusionismo, também aqui o truque só funciona por inteiro enquanto se desconhece o segredo - veja-se este pequeno filme (*). É por isso quase imperdoável que a Ogilvy tenha desvendado o truque deste "cartaz que até fala": um actor escondido numa cabina próxima vai controlando as expressões vocais e faciais do rosto que aparece no respectivo poster. Ora bolas. Ou melhor, ora cartaz...

(*) Via we make money not art

Criativo

Foi o modo como Luis Carmelo respondeu a um leitor, nos "Comentários" do Miniscente, a propósito do lançamento do seu novo livro "Manual de Escrita Criativa":

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O que é escrita não criativa?
tim | 09.15.05 - 8:54 am | #

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É a escrita que, no seu sistema (publicitário, desportivo, científico,jurídico,jornalístico, etc.), se subsume aos dispositivos estritos e restritivos do código, ou, se se preferir, ao respectivo senso comum. Não é certamente o caso (do registo que se pressupõe flexível) da sua pergunta. Abraço, LC.
Anonymous | 09.15.05 - 11:51 am | #

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20 setembro 2005

Governo preso por ter cão

E também por não ter. Sinceramente que ainda não entendi porque razão o Governo é acusado de se "acobertar" na opinião das respectivas chefias para proibir os militares de participarem na manifestação da próxima quarta-feira.

Seria, porventura, mais defensável que o Executivo proibisse a referida participação sem auscultar o parecer dos chefes militares ou o fizesse contra a vontade destes?

Deveria o Governo "fingir-se de morto" mesmo sabendo que tais chefias consideram que a participação de militares na dita manifestação põe em risco a coesão e a disciplina das Forças Armadas?

Por incrível que pareça, ainda há quem não faça a mínima ideia do que é lidar com armas.

19 setembro 2005

Em defesa do meu (bom) nome

Verifico que este post para além de ter sido editado em 15 de Setembro, que é (foi) o dia do meu aniversário, versa a história de um "amigo desconhecido" chamado Américo que, pelos vistos, deu em se auto-excluir do seu grupo de amigos só porque atingiu, entretanto, grande sucesso profissional e o correspondente poder aquisitivo. Não será caso único porque como muito bem observa o 1entre1000 nos respectivos comentários, há muitos Américos por aí...

Pois há. Mas à cautela, vou dizendo que não tenho nada a ver com nenhum deles. Muito menos com este ingrato Américo que parece, inclusive, ter esquecido o seu melhor amigo. A Asas de Cera ou a ÍCARO (não percebi bem de quem é o lamento) posso até garantir que, pela minha parte, sempre estaria mais para "desconhecido amigo" do que para "amigo desconhecido". E mais não preciso de argumentar já que a falta de sucesso e o fraco poder aquisitivo falam por mim...

Prémio "retórica negra"

E neste fim de semana o prémio da "retórica negra" foi para Marques Mendes que discursando no Alentejo, acusou Sócrates de ter enganado duas vezes o povo português: uma, antes de ser eleito, ao prometer que não iria aumentar os impostos e a outra, já depois de eleito, quando os aumentou.

Mas talvez seja tempo de Marques Mendes abdicar desta retórica negra que mais tarde ou mais cedo se virará contra si próprio. É que, seguindo o mesmo raciocínio, também ele nos enganou duas vezes: uma, antes de ser eleito no congresso do PSD, quando nos prometeu uma oposição credível, e a outra, por estes dias, em que vem fazendo precisamente o contrário.

Astúcia Socrática

Darei instruções para que a partir do dia oficial de início da campanha nenhum membro do governo participe em inaugurações - anuncia Sócrates. O objectivo, acrescenta, é o de acabar com o "carrossel de inaugurações" com que os partidos do governo (PS incluído, lógico) costumam dar um "empurrãozinho" eleitoral aos seus candidatos autárquicos. É uma boa medida. Tão boa que deverá merecer a concordância de todos. E, todavia, há que reconhecer o seguinte:

Esta decisão de nenhum membro do governo participar em inaugurações vai ter um alcance prático diminuto dado que vigorará apenas durante os 11 dias de campanha oficial, quando, como se sabe, as actividades de propaganda eleitoral (comícios, outdoors, jantares-convívio, visitas guiadas, contactos com a população, entrevistas nos media, etc., etc.) já estão no terreno há vários meses.

Poder-se-á argumentar que a medida vale, sobretudo, simbolicamente, como afirmação de um princípio ético-político do actual governo. Seria como se Sócrates estivesse dizendo ao país: "O governo sabe que inaugurações com a presença de ministros ao lado dos autarcas do PS iriam beneficiar eleitoralmente estes últimos mas considera que isso não é eticamente aceitável, logo, não o fará".

Mas se a decisão obedecesse, basicamente, a um imperativo ético, não precisaria de ter sido anunciada por Sócrates com toda a pompa e circunstância. Bastava que, chegado o período oficial da campanha, nenhuma inauguração tivesse lugar na presença de qualquer ministro acompanhado do respectivo autarca. E fim. O bem pratica-se, não se anuncia. Se se anuncia é porque é outro o efeito pretendido.

A verdade é que, ao anunciar previamente que vai acabar com o “carrossel de inaugurações” durante o período oficial da campanha eleitoral, Sócrates está a tomar uma medida não menos eleitoralista do que seria a de manter o dito “carrossel”. Tudo isto porque, muito provavelmente, percebeu, e bem, que poderia obter mais proveitos políticos com a mediatização deste anúncio do que com a continuidade das respectivas inaugurações...

18 setembro 2005

O que é um editorial? (2)

Menos mal: contra toda a evidência (para quem faz a respectiva consulta electrónica) o Editorial do DN de ontem (versão online) não é, afinal, do dirigente do PS, Jorge Coelho (*). Disso me dá conta o Director Interino, João Morgado Fernandes, que amavelmente explica tratar-se de "um irritante erro informático na transcrição do jornal para a Net" que faz com que o artigo de opinião mais próximo apareça como se fosse o próprio Editorial. Aqui fica o devido esclarecimento.

Nada teria a acrescentar se se tratasse de um problema acidental ou isolado. Mas ao tomar conhecimento de que o erro informático que cria estes ilusórios Editoriais já se arrasta há anos, começo por confessar a minha perplexidade perante a aparente negligência ou incapacidade do jornal em resolver o problema. E depois, tratando-se do DN, isto é, de um jornal de referência, o mínimo que se esperaria é que a versão digitalizada contivesse algum aviso sobre a possibilidade de aparecer como Editorial um artigo de opinião que com ele nada tem a ver. Fica a sugestão.

(*) O verdadeiro Editorial do DN de 16 de Setembro encontra-se aqui:
http://dn.sapo.pt/2005/09/16/editorial/quando_lobis_exageram.html.

17 setembro 2005

O que é um editorial?

No Manual de Jornalismo, de Anabela Gradim:

O editorial é um texto da responsabilidade da direcção do jornal, que deverá acompanhar cada número da publicação, e que se debruça sobre os acontecimentos mais marcantes da actualidade ou dessa edição do periódico, comentando, analisando, exortando – em suma, fazendo opinião; não uma opinião qualquer, mas a opinião do jornal. E é esta característica que distingue o editorial dos restantes textos de opinião do jornal

No editorial do Diário de Notícias de ontem:

Aposta no futuro. O que está a ser feito no sector da educação não pode passar despercebido. Em menos de um ano, o actual Governo, em conjugação com os serviços centrais e regionais do Ministério da Educação e com as autarquias, concretizou muitas medidas (Jorge Coelho, dirigente do PS)

Pergunta-se: o que leva o D. N. a optar por um editorial que, salvo melhor opinião, pode fazer confundir a opinião do jornal (seja lá isso o que for) com a mais descarada propaganda ao governo socialista?

O caso da "mão estendida"

O caso da "mão estendida" de Carmona Rodrigues traduz a grosseira deselegância de Manuel Carrilho para com um seu adversário político. Não foi pouco, mas foi apenas isso. Um acto de má educação, de falta de maneiras, não é um problema ideológico, é uma falha de relacionamento pessoal que só compromete quem o pratica.

Não faz, por isso, qualquer sentido chamar à baila a cada vez mais artificial divisão esquerda-direita, quer para identificar a suposta supremacia moral quer para dela se defender, como, de algum modo, se faz
aqui. Se a chamada “direita” tem tanto assim de que acusar a chamada “esquerda” então não a deveria imitar precisamente naquilo de que a acusa. De resto, basta olhar o passado recente da vida política portuguesa para se perceber que a “intolerância” e a “arrogância”, assim como os “bons” ou os “maus” da fita, não escolhem cor nem lugar ideológico ou partidário e, por vezes, surgem até, de onde menos se espera.

A “cena” final de Carrilho, no debate de ontem da SIC-Notícias, foi sem dúvida lamentável. Mas só um pouco mais lamentável do que já tinha sido o próprio debate. E se não se poderia esperar de qualquer dos dois candidatos um programa melhor para Lisboa (por ser presumível que já o tivessem apresentado se de tal fossem capazes) já quanto à correcção do debate temos o direito de exigir a ambos mais seriedade, mais civismo, mais respeito pelo eleitor. Numa palavra, desculpa-se a falta de talento. A falta de educação, não.

Branco mais branco não há

Ninguém deve ser prejudicado por pertencer a um partido - mas, sobretudo, ninguém deve ser prejudicado por não pertencer.

Filipe Luís, Visão, Edição N.º 654, 15 Setembro 2005

Lapidar.

16 setembro 2005

O sentimento em alta

Noticiário das 14 h de ontem, da TSF. O locutor de serviço passa a palavra a uma jornalista especializada em assuntos financeiros que, de imediato, anuncia:

"A Bolsa hoje com um sentimento muito positivo"

Numa altura em que (para alguns) os afectos parecem já nada contar para a política, é consolador verificar que, afinal, o sentimento continua em alta.

As duas anedotas do ano

«Soares não tem perfil para presidente», disse Marques Mendes.

E logo Vital Moreira promoveu (e bem) essa afirmação a "anedota do ano", para além de concluir que "Há momentos em que mesmo pesssoas sensatas perdem a noção do ridículo".

Nem de propósito, Mário Soares declarava no mesmo dia, à Rádio Alfa, em Paris:

"Cavaco Silva não tem perfil para ser Presidente da Republica"

Conclusão: segundo o melhor critério de Vital Moreira há já duas anedotas do ano e não apenas uma...

15 setembro 2005

Há coincidências?

No entanto, verificada a susceptibilidade prevalecente, a última impressão ou suspeita que Sócrates devia deixar criar é a de privilegiar critérios de pertença partidária nas nomeações de cargos públicos sem evidente natureza política, em especial lá onde, no conceito público, até pode justificar-se alguma distância em relação ao Governo.

Vital Moreira, in "O Factor partidário", Causa Nossa

E lá continua o nosso professor a insistir no argumento da susceptibilidade da opinião pública e das críticas da oposição. Compreende-se. É uma forma (subtil) de discordar do Governo sem ter que o declarar, de criticar na forma sem questionar a substãncia, de transferir o erro das nomeações propriamente ditas para as suas consequências junto da opinião pública. Só faltou mesmo vir dizer que o erro é do Governo, mas a culpa é da Oposição (que é uma desconfiada).

Sejamos claros: que pessoas de "elevadíssimo gabarito" não fiquem sujeitas a uma "capitis deminutio" por serem "membros, dirigentes e/ou deputados do partido governamental" é coisa que não suscita a menor controvérsia na sociedade portuguesa. O que pode custar a engolir é que tais pessoas de "elevadíssimo gabarito" tenham ido todas ou quase todas parar ao partido do governo, como as mais recentes nomeações governamentais dão a entender. Ou há coincidências?

14 setembro 2005

Contas à moda de Sócrates

A propósito da escolha de Guilherme de Oliveira Martins para presidente do Tribunal de Contas, diz Vital Moreira:

(...) o Governo, ao nomear um deputado da sua bancada parlamentar, mesmo se independente, para tal cargo, expõe-se facilmente à crítica das oposições. Por princípio, deveriam ser evitadas as transferências directas do campo governamental para órgãos independentes cuja função principal é controlar... o Governo.

Realce-se a tonalidade crítica deste comentário tanto mais que o seu autor é um dos mais empenhados defensores do Governo. Oxalá que Sócrates se encontre entre os seus inúmeros e atentos leitores. Mas ainda assim, repare-se como Vital Moreira parece surgir mais preocupado com a previsível "crítica das oposições", do que propriamente com a violação do princípio que ele mesmo defende: o de os Governos deverem evitar as "transferências directas do campo governamental para órgãos independentes cuja função principal é controlar... o Governo".

E, todavia, é o desrespeito desse princípio que se mostra democraticamente condenável e não o facto da nomeação sujeitar o Governo a mais ou menos reparos da oposição (ou até de alguns dos seus apoiantes, como no caso de Vital Moreira). Não se pode, por isso, confundir a avaliação das concretas medidas tomadas por um Governo com as maiores ou menores dificuldades que as suas escolhas possam ocasionar. Fazê-lo seria trocar o essencial pelo acessório.

Por outro lado, o que se questiona não é a competência nem a seriedade de Guilherme de Oliveira Martins (um político, a muitos títulos, exemplar). O que se questiona é a própria medida, ou seja, a nomeação de um deputado da bancada PS para fiscalizar um Governo do PS. Se um partido (qualquer partido) é, para todos os efeitos, uma família política, temos que com esta nomeação, ficará tudo em família. Logo, não se estranhe que o presidente do Tribunal de Contas possa, objectivamente, ser visto como juiz em causa própria...

13 setembro 2005

Alegre: que triste figura

Que triste figura vem fazendo o político Manuel Alegre. Insinuar agora que continua na corrida às presidenciais é pura e simplesmente, dar o dito por não dito, já que não será preciso ser mestre em pragmática do sentido para perceber que o que Alegre disse (e o que não disse) em Viseu, só poderia ter um significado: desistência da candidatura. Arrependeu-se, foi o que foi. Mas agora é tarde. Era só o que nos faltava ver em Belém: um presidente feito de indecisão e zig-zags.

Tempo de pancadas esparsas?

Uma mais ou menos súbita curiosidade pelo estado do tempo que faz ou que está previsto para a minha região levou-me a colocar, ali ao lado, um link para o site brasileiro do The Weather Channel. E logo no segundo dia em que o consulto, dou-me conta de que fará sol até ao próximo domingo. Nada mau, para começar. O problema é o tempo que lá aparece anunciado para a segunda feira seguinte: "Pancadas esparsas". Não fora o símbolo e ficaria sem saber que teremos uma segunda-feira de chuva esporádica ou dispersa. Mas, francamente: pancada de chuva? Também era a única pancada que faltava neste blogue.

11 setembro 2005

Talvez

A (*) Carla Hilário Quevedo, na sua crónica de ontem na ÚNICA (Expresso), define o programa "Estes difíceis amores", da :2, como uma "espécie de clube de leitura de cartas de espectadores em difícil situação afectiva". O programa, para quem não sabe, roda à volta de dois eminentes psiquiatras e sexólogos (os Drs. Júlio Machado Vaz e Gabriela Moita) e de uma leiga: a jornalista Leonor Ferreira (LF). E é precisamente por notar o fraco desempenho desta última que a Carla, construtivamente, sugere: "Talvez se LF lesse as cartas, a coisa funcionasse melhor".

Trata-se, realmente, de uma excelente dica. Por duas razões:

Primeiro, porque a Leonor Ferreira anda frequentemente "aos papéis" e, não raras vezes, mais parece uma autêntica paciente, que aproveita a presença dos dois renomados especialistas da coisa psíquica para tirar a limpo os seus próprios males. Mas é claro que pode ser só impressão minha. Seja como for, se passasse a ler as cartas dos espectadores justificaria, ao menos, a sua presença em estúdio.

Segundo, porque a leitura das cartas feita pelos próprios especialistas, para além de configurar um péssimo momento televisivo, é rematado desperdício, face à sua alta qualificação científica. Quem vê o programa não ligou a televisão para ficar a ouvir o Dr. Júlio Machado Vaz e a insigne colega a lerem as cartas que lhes escrevem. Quer, isso sim, ficar a conhecer as suas abalizadas respostas, os seus preciosos ensinamentos.

(*) Carla - e não Clara como por lapso escrevi inicialmente. Eu sei o que foi: a crónica estava tão clara, tão clara, que Clara me pareceu o seu próprio nome. Desculpas.

Como avaliar a riqueza de um país

Nos comentários do 4R-QuartaRepublica, Antrax alega que nada percebe de economia e por isso mesmo, pergunta: como é que sabemos que a economia do país cresce ou não?

Tonibler, um outro habitual comentador do mesmo blogue, responde-lhe com requintes de descomplicação:

Essencialmente, criam-se indicadores para saber aquilo que é impossível de saber com rigor e juntam-se coisas com algum rigor. A tudo isto juntam-se pressupostos. Fazem-se inquéritos às empresas (são menos rigorosas) e aos bancos(mais rigorosas porque o dinheiro passa por eles), junta-se o investimento público (admitindo que é de facto investimento). Assim, junta o que é consumo privado, com o consumo público e o investimento público e tem aquilo que chamam de procura interna, aquilo que se vivesse isolado do mundo seria o dinheiro que circulou. Daqui soma o dinheiro que entrou, exportações, com aquele que saiu, importações, e tem a riqueza do país.

Era mais ou menos isto que eu gostaria de ter escutado durante a primeira aula de economia política, naquele tempo em que ainda não fazia a mínima ideia de que o futuro iria ser o que foi.

Excerto de um livro não anunciado (257)

E como este mesmo autor acentua [Norbert Elias], não se pode imaginar estas relações “como algo de semelhante a uma relação entre bolas de bilhar: batem umas nas outras e depois distanciam-se novamente umas das outras. Exercem, assim se diz, um efeito recíproco entre si” (*). Os fenómenos de interdependências que se observam no encontro de pessoas, são algo completamente distinto desse tipo de “acção recíproca” das substâncias, pois não se resumem nunca a uma convergência ou divergência, meramente aditivas. Para ilustrar a distinção, Norbert Elias recorre a uma figura relativamente simples de relações humanas, a conversação, descrevendo o processo que, regra geral, a caracteriza: “um parceiro fala; o outro replica. O primeiro responde; o outro replica novamente. Se observarmos não só o enunciado isolado como também a réplica ao mesmo, mas todo o diálogo no seu curso como um todo, a sequência dos pensamentos entrançados, a forma como mutuamente se movem numa interdependência constante, deparamos com um fenómeno que não pode ser dominado de maneira satisfatória, nem pelo modelo físico de uma acção recíproca das esferas, nem mesmo pelo fisiológico da relação entre o impulso e a reacção. Os pensamentos tanto dum falante como do outro podem mudar no decurso da conversa” (**). Ora a retórica contém em si a chave compreensiva desse fenómeno de inter-influências em que, basicamente, se funda toda a conversação, no decurso da qual, em cada um dos participantes, se formam pensamentos que neles não existiam antes ou se desenvolvem outros que já existiam, mas numa formulação diferente. A formação e o desenvolvimento de tais pensamentos, lembra Norbert Elias, “não se explica contudo apenas através da estrutura de um parceiro ou de outro mas pela relação entre este e aquele” (***). Relação essa, frisemos, de que é indissociável o elemento persuasivo, como factor determinante para a adesão total ou parcial ao pensamento do outro. É desse modo que os homens, interagindo uns com os outros, redefinem mutuamente o seu espaço de convivência e tecem os consensos que lhes proporcionam a estabilidade necessária a uma vida em comum.

(*) Elias, N., (1993), A sociedade dos indivíduos, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1993, p. 42
(**) Ibidem
(***) Ibidem, p. 43

08 setembro 2005

Senectude versus Juventude

"A juventude é tempo, não é virtude" - assim titulava Manuel António Pina a sua crónica de ontem, no JN, confessadamente inspirado na sentença que um dia O'Neil ditou: "Senectude é tempo, não é virtude".

No texto, fica bem claro o que cronista quer: quer defender Mário Soares daqueles que apontam os seus oitenta anos como factor impeditivo da candidatura à Presidência da República. E fá-lo com a habitual acutilância, procurando sempre chamar os nomes às coisas. Depois de denunciar a falta de moral de muitos dos que criticam a idade de Soares mas que noutras ocasiões são os primeiros a “bajular os idosos e a apelar ao seu voto”, sustenta que a ideia de que os mais velhos servem “para votar mas não para ser eleitos” em muito se ficará a dever ao culto da imagem e da novidade que atravessa o nosso tempo. E remata com um “Nunca como agora se viram tantos velhos de 30 40 anos”, numa aparente alusão à eventual “juventude” de Mário Soares.

Também não creio que a idade avançada (porque é disso que se trata) de um candidato à Presidência da Republica seja um factor impeditivo da sua candidatura ou sequer relevante para a respectiva apreciação política. Tanto mais quando se trata do titular de um alto cargo que, no seu exercício, contará com um batalhão de assessores e especialistas. Assim, do ponto de vista do esforço físico, um Presidente da Republica não faz: manda. Logo, no caso de garantida boa saúde física e mental, como penso ser o caso de Mário Soares, a idade não deve para aqui ser chamada. Mas por estas (e outras) razões e não por aquelas a que o título da crónica alude, o qual, embora muito poético e persuasivo, não possui o menor fundamento lógico-argumentativo. Tanto que, se fosse levado à letra, tornar-se-ia caricato. Ora vejamos:

Juventude é tempo, não é virtude (afirma Pina)
Senectude é tempo, não é virtude (escreveu O’Neil).
Logo, Juventude e Senectude são tempo(s), não são virtudes

De onde resulta que Juventude e Senectude seriam a mesma coisa, seriam tempo. Quer dizer: seriam iguais. Mas não são, claro. É aqui que toda a persuasão se desmorona e ficamos perante o mais radical limite da retórica: ou a palavra diz a realidade ou a realidade denuncia-a.

07 setembro 2005

Excerto de um livro não anunciado (256)

Como já se viu, pode acontecer que a retórica conduza à manipulação, mas o mesmo se dirá da discursividade em geral, pois como tão incisivamente sustenta Meyer, “censurar o discurso por ser manipulador reduz-se na realidade a censurar o discurso por ser. Porque está na natureza da discursividade apresentar-se desde logo como um responder, como resposta, tal como está nas mãos dos homens decidir encarar ou não esse facto, aceitá-lo ou não, jogar ou não o jogo, procurar os problemas subjacentes, enfim, pronunciar-se livremente ou fiar-se no que os outros lhe propõem, muitas vezes em função de interesses próprios” (*). A situação retórica será pois apenas mais uma entre tantas outras situações de vida em que os homens surgem no confronto de ideias, crenças, valores, opiniões e interesses, à procura daquilo a que Norbert Elias chama de “um certo equilíbrio entre conflito e colaboração” (**) nas relações que mantêm entre si.

(*) Meyer, M., (1994), As bases da retórica, in Carrilho, M. (org.), Retórica e Comunicação, Porto: Edições ASA, p. 70
(**) Elias, N., (1993), A sociedade dos indivíduos, Lisboa: Publicações D. Quixote, p. 199

05 setembro 2005

Guerra dos sexos

Gostaria de voltar a ter actividade sexual (...) perdi a erecção. Às vezes parece que vai começar qualquer coisa, mas logo depois esmorece. Eu até tomaria Viagra, mas a minha mulher é um bocado conservadora e talvez não levasse a bem isso. Era como se alguém estivesse a empurrar-me. (...) Eu gostaria muito de continuar, mas tenho medo que ela me leve a mal. (...) Antes ela gostava muito, acompanhava-me e até às vezes abdicava da posição passiva e tornava-se activa. (...) Andávamos sempre no pagode e o pagode estendia-se à cama.

Sérgio, reformado, 95 anos

in Pública, n.º 483, 28 Agosto 2005

O lugar do mal

Em entrevista à Notícias Magazine, de 21 Agosto 2005, Rui Marques, do Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas (ACIME), citava Soljenitsine:

Que bom era que houvesse uma linha que separasse os homens bons dos homens maus, porque colocava os homens maus todos num sítio e acabava a maldade na Terra

para logo questionar:

O problema é que a linha do bem e do mal separa o coração de cada homem e como é que fazemos para separar o coração de cada um?

Evidentemente que não está provado que a maldade seja "um traço humano que atravessa todos os homens e mulheres", como defende Rui Marques na mesma entrevista. O mesmo se diga, aliás, da antónima bondade. Mas que é uma hipótese bem verosímil, é. Ou haverá pior maldade do que ver a maldade apenas nos outros?

04 setembro 2005

A política do bota-abaixo

1.
Estado de penúria: défice monstruoso, desemprego crescente, sobrecarga de impostos, reforma pelas horas da morte. Criação de riqueza: zero. Fábricas que fecham todos os dias. Muitas outras em desesperado processo de endividamento, com meses e meses de salários em atraso. Um futuro cada vez mais negro para quem vive do seu trabalho. É assim nos texteis, no mobiliário e no calçado, mas também na metalo-mecânica, na construção. É assim em quase todas as actividades empresariais, excepto, claro está, nos bancos, nas seguradoras e em empresas afins. Os agentes económicos retraem-se e o Estado, que se pensaria especialmente vocacionado para acudir em momentos de crise como os que vivemos, mostra-se, afinal, completamente incapaz de inverter ou desviar o rumo dos acontecimentos.

2.
Mas não se chega a uma situação destas da noite para o dia. Seria, pois, rematada tolice ou cegueira política endossar as culpas a um Governo que tão recentemente entrou em funções. Tão pouco se deve agora exigir-lhe milagres quando, há que reconhecê-lo, vem governando em condições muito difíceis. O que se passa é que o Governo não tem dinheiro. Não tem dinheiro para assegurar os mínimos cuidados de saúde aos seus cidadãos. Não tem dinheiro para comparticipar no custo dos medicamentos. Não tem dinheiro para salvar vidas ameaçadas por intermináveis listas de espera pela operação. Dói o coração saber, por exemplo, que para algumas das pessoas que integram tais listas de espera, a morte pode chegar antes da sua vez de entrar no bloco operatório. Mas esse é o desumano preço do nosso atraso ou imprevidência. O que não se pode é exigir ao Governo que gaste o que não tem.

3.
O que se pode então exigir a um Governo em época de tão profunda crise? A meu ver, pode-se e deve-se exigir que se cinja às medidas prioritárias e que o faça no quadro de uma gestão muito ponderada e rigorosa. Mas, sobretudo, que se abstenha de atirar pela janela fora o pouco dinheiro que ainda lhe resta. Ora, salvo melhor opinião, um Governo que não tem dinheiro para construir os hospitais de que precisa, não pode fazer da destruição do Prédio Coutinho (ou de qualquer outro) um ponto de honra. Não pode enveredar por uma política de "bota-abaixo", de delapidação patrimonial, e ficar indiferente aos seus altos custos (financeiros e sociais). Não pode também ignorar o sinal de um despesismo supérfluo que é o que acaba por transmitir aos portugueses, justamente numa altura em que lhes pede para apertar o cinto.

4.
Não, a demolição do Prédio Coutinho não é apenas uma decisão arbitrária, uma birra ou capricho meramente estético dos seus defensores. É, antes de mais, um atentado contra as finanças do país, um capricho próprio de quem tem "bolsa de pobre e boca de rico" e até, aparentemente, um abuso de poder. Por isso, sim. Por isso deve o actual Governo ser responsabilizado o que, aliás, ou muito me engano, ou não tardará tanto como se pensa.

5.
Recuso-me a crer que a satisfação de Vital Moreira pela expropriação e demolição deste prédio, tenha unicamente a ver com a sua condição de declarado apoiante do actual Governo. Mas a verdade é que não consigo entender o que o terá levado a afirmar que "Por vezes a virtude triunfa, mesmo que com custos pesados para o erário público (lucros privados, custos públicos...). Virtude? Mas que virtude seria essa? A de criar "custos pesados para o erário público" só para fazer desparecer uma sombra ou alargar o alcance de um olhar? Se for essa a virtude, será caso para dizer: vivó luxo.

OBS:

a) Concretamente, que mal é que o Prédio Coutinho causou à cidade e à sua população ao longo de tantos anos já decorridos sobre a data em que foi edificado, para se tornar agora tão imperiosa a sua demolição? Ao fim de tanto tempo já deveria ser extensa a lista...

b) Se como o próprio professor reconhece "Infelizmente, há muitos prédios coutinhos por esse país fora", que razões levaram a considerar que o Prédio Coutinho é insuportável e os outros nao?

c) Declaração de interesses: não conheço ninguém que esteja minimamente ligado ao Prédio Coutinho.

Foi cómico

Em plena visita à Festa do Avante, Carmona Rodrigues fez questão de declarar que não estava ali como candidato, ao mesmo tempo que ia manifestando a convicção de para o ano regressar à Festa já na qualidade de presidente da Câmara de Lisboa. Não sei se teve direito a palmas mas lá que foi cómico foi.

Cf. JN, 04 Setembro 2005

03 setembro 2005

Drama a preto e branco

Excerto de um livro não anunciado (255)

A retórica pressupõe, por isso, a competência argumentativa dos seus agentes, pois, como diz Aristóteles, “é preciso que se seja capaz de convencer do contrário, não para que possamos fazer indistintamente ambas as coisas (pois não se deve convencer do mal), mas para que não nos iludam e se alguém fizer um uso injusto de argumentos, sejamos capazes de refutá-los” (*). Talvez que esta recomendação de Aristóteles tenha vindo a ser sistematicamente interpretada como dizendo respeito essencialmente ao orador, mas o facto é que a discutibilidade da retórica remete desde logo para o confronto de opiniões, para o debate, para a alternância no uso da palavra, pelo que, sem dúvida, aplica-se igualmente ao auditório. Em que consiste, porém, essa capacidade de convencer do contrário? Perelman deixa muito claro que “a competência argumentativa não diz, apenas, respeito à arte de falar eloquentemente, mas a uma eloquência indissociável do raciocínio e do discernimento pensante” (**). Não basta por isso falar fluentemente, colocar bem as palavras, fazer um discurso que emocione e cative o auditório. Mais do que construir frases de grande efeito, mais do que dominar as técnicas do dizer, é preciso saber pensar, articular as razões ou os argumentos, perceber as eventuais objecções, decidir sobre a sua pertinência, acolhê-las ou rejeitá-las, segundo se mostrem ou não passíveis de enriquecerem as respectivas propostas. E acima de tudo, é necessário ter sempre presente que o falar só faz sentido se for a expressão de um raciocinar. É esta competência argumentativa que se assume como requisito da retórica a um tempo eficaz, racional e livre. E só nestes termos se pode falar, como o faz Rui Grácio, de uma ética da discussão, “fundada no princípio da tolerância, no pluralismo e na rejeição da violência” (***).

(*) Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 50
(**) Cit. in Grácio, (1993), R., Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 148
(***) Grácio, R., (1993), Racionalidade argumentativa, Porto: Edições ASA, p. 103

02 setembro 2005

Sem nexo

(...) Enquanto isso, o que discute o país político? Discute, assaz naturalmente, as eleições presidenciais (...). Evidentemente, não existe o mais vago nexo entre a corrida a Belém, uma mostra deprimente de ambições pessoais e a resolução da desgraça generalizada.

Alberto Gonçalves, Correio da Manhã, 30 Agosto 2005


Pois não. Mas face à falta de resolução dessa desgraça generalizada (e consequente mal estar), só mesmo o folclore das presidenciais para funcionar como anti-depressivo. O que não assegurando ainda o nexo, sempre prolonga a ilusão. Neste caso, talvez mesmo o engano.

Retóricas descaradamente acríticas

Cavaquistas versus Soaristas

Duas crónicas tão facciosamente orientadas para cada uma das candidaturas que mais parecem "agressivos" textos de publicidade paga.

Falsos candidatos

É falta de consideração pelas pessoas apresentar candidatos que depois desistem. Então não são candidatos.

Francisco Louçã, à SIC Notícias, 01 Setembro 2005


Não posso estar mais de acordo.

01 setembro 2005

Dúvida macaca

Cientistas revelaram sequência genética do chimpazé e as semelhanças com o ser humano

SIC Notícias, 01 Setembro 2005

Fica a dúvida: a quem mais honrará esta semelhança? Ao macaco ou ao homem?

O que diz um cronista?

Está então o cronista diante do mundo e de si próprio. E só pode repetir (na melhor das hipóteses por outras palavras, donde o título genérico destas crónicas) aquilo que cada homem imemorialmente repete: o amor e a morte, o medo e a esperança, a alegria e a decepção. Acontece assim nos sonhos. Temos medo e sonhamos com a esfinge. A verdade, porém, não é a esfinge, a verdade é o medo; a esfinge é só a imprecisa forma do nosso medo. Também a crónica aqui falará, a partir de hoje, de gente, de factos, de acontecimentos, mas o que dirá é outra coisa. E essa coisa é que é a verdadeira.

Manuel António Pina in Jornal de Notícias, 01 Setembro 2005

Que coisa é essa que o cronista nos vai dizer? Meia resposta já foi dada: não serão apenas factos, gentes ou acontecimentos. O autor admite também repetir assuntos, embora por outras palavras. Este é, porém, um cuidado excessivo. Porque quem escreve com o brilho literário de Manuel António Pina jamais se repete. Ainda que use as mesmas palavras.

As segundas férias de Sócrates

Reportagens, entrevistas, debates e notícias repetidas ad nauseum. Na terça-feira foi o tão aguardado jantar de Alegre, em Viseu. Ontem, a anunciada apresentação de Mário Soares, como candidato à presidência. Até Outubro, teremos as autárquicas. Entretanto, fora do agenda-setting mediático, vai ficando o Governo. São as segundas férias de Sócrates.