31 agosto 2003

Exagero simpático

O Alfacinha diz hoje - neste seu post - que o "Retórica e Persuasão" é de leitura obrigatória e... "verdadeiro serviço público". Um exagero, obviamente. Mas, ainda assim, um exagero muito simpático. Obrigado, Carlos.

Excertos de um livro não anunciado (58)

(...) Nos capí­tulos XIII a XIX do Livro III, Aristóteles aborda a ordem do discurso e define que as suas partes essenciais são a exposição do tema e a argumentação persuasiva da tese do orador. Diz, além disso, que costuma juntar-se no iní­cio do discurso um preâmbulo que equivale ao prólogo do poema e ao prelúdio da composição musical e no final, um epílogo. (...)

O "tom" dos blogues

A Carla Hilário de Almeida tem todas as razões para estranhar que estivéssemos a pensar um no outro: eu a escrever aqui sobre ela enquanto ela escrevia sobre mim. O que ainda não sabe é de outra estranheza. É que a Carla refere-se ao "tom" do meu blogue e eu ia, justamente, elogiar o "tom" do seu (entre outros altos méritos). Tudo isto porque considero que o "tom" de um blogue é, regra geral, um dos traços mais identificativos do(a) autor(a) ou das pessoas que partilham a sua autoria. Creio mesmo que é nesse "tom" que se condensam os mil e um motivos do nosso gosto ou preferência. Que se estranhe, pois, tudo, menos isto: o Bomba Inteligente é um blogue de leitura diária e obrigatória.

Muito obrigado pelas suas palavras, Carla. Quanto às três muito interessantes perguntas que me colocou e que, desde já agradeço, responderei separadamente.

A dita eloquência (25)

"Na blogosfera conhecemos as pessoas pelo fim. Através da escrita, vemos os seus pensamentos e a forma como se exprimem antes do seu aspecto e tudo o resto"

Carla Hilário de Almeida - Bomba InteligenteVisão em 26.06.2003)

30 agosto 2003

A dita eloquência (24)

"É difícil não mentir para alguém que sabe muito"

Ludwig Wittgenstein

in Wittgenstein, L., (1996), Cultura e Valor, Lisboa: Edições 70, p.96

Excertos de um livro não anunciado (57)

(...) Aristóteles critica o estilo pomposo, poético e artificial, o abuso de palavras complicadas, de epí­tetos desnecessários e de metáforas obscuras. O discurso deve ser claro, adequado, escorreito e ser pronunciado de forma eficaz. Defende igualmente que, embora o estilo escrito costume ser mais exacto e o falado mais teatral, mais apropriado à  interpretação, o orador técnico deverá dominar os recursos de ambos.(...)

29 agosto 2003

Leitura blogosférica

Final de semana. Altura ideal para ler blogues e reordenar a minha hierarquia de preferências. Aproveitarei para reformular a relação dos "Blogues que eu leio".

Excertos de um livro não anunciado (56)

(...) O recurso literário mais importante da oratória é a metáfora. Mas é preciso saber encontrar metáforas adequadas, nem muito obscuras nem triviais. Por outro lado, o discurso, embora sem cair no verso, não pode renunciar ao ritmo. E Aristóteles explica porquê: "a forma que carece de ritmo é indefinida e deve ser definida, ainda que não seja em verso, já que o indefinido é desagradável e difícil de entender" *.(...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 263

28 agosto 2003

Voltou tudo

Retomando a palavra: voltou o telefone, voltou a internet, voltou a vida.

Excertos de um livro não anunciado (55)

"Por isso não convém que se note a elaboração nem dar a impressão de que se fala de modo artificial mas sim natural (este último é o persuasivo, pois os ouvintes predispõem-se para contrariar, quando ficam com a ideia de que se está a metê-los numa armadilha, tal como acontece com os vinhos misturados)"*.

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, 1998, p. 242

Decisões reflectidas

‘todas as decisões são um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção: a gente hesita, pensa, pesa “os prós e os contras” e, de repente, decide.’

PVG, no cristóvao de mourapost "DECISÕES TERRORISTAS", de 23.08.2003


Ainda o processo de decisão. Evidentemente que há decisões que são um salto no escuro. Se, por exemplo, me despeço da empresa onde trabalho sem ter ainda garantida uma nova colocação profissional, essa minha decisão constituiu-se como um salto no escuro. Neste caso, um salto para o desemprego. Mas não é, certamente, a este "escuro" que PVG se refere. O seu "salto no escuro" terá mais a ver, assim interpreto, com uma suposta interrupção causal entre o pensamento e a decisão de agir. Ora esta formulação de PVG surpreende, por dois motivos.

Em primeiro lugar porque universaliza e toma como imperativo o dito salto no escuro, ao referir que "todas" as decisões representariam uma catástrofe entre pensamento e acção. O que, como se sabe, não corresponde à realidade. Há e sempre houve decisões impulsivas, tomadas inopinadamente e até em direcção contrária à do pensamento que as antecedeu. Mas não se pode confundir a excepção com a regra, e muito menos, fazer da excepção lei.

Em segundo lugar porque tal salto no escuro ficar-se-ia a dever a uma descontinuidade lógica entre o raciocínio e a acção. É, pelo menos, o que se depreende da expressão "de repente", a qual implicitamente sugere que o balanço analítico de "os prós e os contras" não será tido em conta, ao menos, como factor determinante da decisão. O que (embora não afirmado) deixa em aberto que a decisão emergiria (teria de emergir) da pura irracionalidade.

Será isto sustentável? Sabe-hoje que analisar previamente todos "os prós e os contras" de uma situação ou problema, não é o único caminho de que dispomos para chegar a uma boa decisão ou à melhor decisão possível. Se só dispuséssemos dessa estratégia, diz-nos António Damásio, a racionalidade nela presente não iria funcionar. Quer porque em certos casos mais complexos a decisão levaria demasiado tempo a chegar, quer porque presos nos meandros do respectivo cálculo poderiamos até não chegar nunca a uma decisão.

Damásio é categórico: "não vai ser fácil reter na memória as muitas listas de perdas e ganhos que necessita de consultar para as suas comparações (...). A atenção e a memória de trabalho possuem uma capacidade limitada. Se a sua mente dispuser apenas do cálculo puramente racional, vai acabar por escolher mal e depois lamentar o erro, ou simplesmente desistir de escolher, em desespero de causa (...). E no entanto, apesar de todos estes problemas, os nossos cérebros são capazes de decidir bem, em segundos ou minutos, consoante a fracção de tempo considerada adequada à meta que pretendemos atingir e, se o conseguem com tanto ou tão regular êxito, terão de efectuar essa prodigiosa tarefa com mais do que a razão pura. Precisam de qualquer coisa bem diferente” *.

Ora essa coisa bem diferente, é justamente o marcador-somático que Damásio concebe como um caso especial do uso de sentimentos que foram criados a partir de emoções secundárias. À medida que estas emoções e sentimentos se manifestam, vão sendo ligados por via da aprendizagem a certos tipos de resultados futuros conexionados, por sua vez, a determinados cenários. De tal forma que, quando um marcador- somático é justaposto a um determinado resultado futuro, a combinação funciona ou como uma campaínha de alarme, no caso do marcador ser negativo, ou como um incentivo, quando o marcador é positivo.

Basicamente é assim que tudo se desenrola. No momento em que nos surgem os diversos cenários, desdobrados na nossa mente, de modo demasiado rápido para que os pormenores possam ser bem definidos (e antes que tenha lugar tanto a análise lógica de custo/benefícios como o raciocínio tendente à solução), se, por exemplo, surge um mau resultado associado a uma dada opção de resposta, por mais fugaz que seja, sente-se uma sensação visceral desagradável. Daí a explicação de Damásio: “como a sensação é corporal, atribuí ao fenómeno o termo técnico de estado somático e porque o estado ‘marca’ uma imagem, chamo-lhe marcador”.

Mas que relação de semelhança se pode estabelecer entre este marcador-somático e um suposto "salto no escuro" na decisão? A meu ver, nenhuma. O salto no escuro, seja lá o que for - momentânea cegueira, ruptura do pensamento lógico, abandono total da razão - representaria a generalizada incapacidade (ou voluntária recusa) de se chegar a uma decisão racional. Já o marcador somático configura-se tão somente como filtro ou mecanismo (neurobiológico) de selecção que actua mais rápida e directamente do que o cálculo lógico de perdas e ganhos, na procura da melhor resposta para cada questão ou problema. Por isso poderemos também dizer que do lado do salto no escuro nos espera o mergulho na mais completa irracionalidade, enquanto que do lado do marcador somático encontramos uma racionalidade enriquecida pelas emoções agora entendidas, não apenas como fonte de perturbação do raciocínio mas também como condição da sua própria possibilidade.

* Damásio, A., (1995) O Erro de Descartes, Mem Martins: Public. Europa-América, (15ª. ed.)

27 agosto 2003

Sem pio

Falhou a linha telefónica. E falhou a PT também que, passadas 30 horas após o meu "registo de avaria", continua a não saber (ou a não me querer dizer) quando poderá iniciar a eventual reparação. Bonito serviço.

É no que dá esta modernice a que poderí­amos chamar "triângulo do não é nada comigo" e que consiste em vender o produto ou serviço num local, atender as reclamações noutro e implantar os serviços técnicos noutro ainda. Convenhamos que não há melhor maneira de cortar o pio ao consumidor.

Excertos de um livro não anunciado (54)

(...) Quanto ao discurso retórico propriamente dito, pode dizer-se que, ao contrário da prosa científica, ele tem pretensões literárias, pois brilhar, surpreender e até divertir, pode contribuir decisivamente para persuadir o auditório. Mas isso, segundo Aristóteles, não deve confundir-se com o recurso a um estilo poético, pesado, como o de Górgias, já que o uso de um estilo sereno, claro e natural é o mais adequado quando se pretende ser convincente. (...)

26 agosto 2003

A dita eloquência (23)

"Só surpreendemos dos nossos sentimentos o seu lado impessoal, esse que a linguagem pôde fixar de uma vez por todas porque é mais ou menos o mesmo, se as condições se mantiverem as mesmas, para todos os homens"

in Bergson, H., (1991), O Riso, Lisboa: Relógio D'Água, p. 99

Excertos de um livro não anunciado (53)

(...) A intensidade e o tom da voz que emprega, o ritmo que dá ao seu discurso e a gesticulação com que o acompanha, configuram aquilo a que se pode chamar a actuação do orador, que neste aspecto, é como um actor de teatro. Será necessário cuidar da expressão já que "não é suficiente que saibamos o que devemos dizer, é forçoso também saber como devemos dizer, pois isso contribui em muito para que o discurso pareça possuir uma determinada qualidade” *. Por isso a técnica retórica deve abranger a actuação do orador.(...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 237

25 agosto 2003

Objectividade & Capitalismo

Escreveu Paulo Querido, ontem, no seu (O VENTO LÁ FORA), post de 24.08.2003, "DA OBJECTIVIDADE AO ISLÃO":

"É falacioso aplicar aos jornalistas de hoje a pretensão da objectividade: desde que o sistema capitalista se insinuou nos media adeus, bye bye objectividade. Acreditar nela é como acreditar que o Pai Natal é cristão."

Mas o que é que isto dizer?

1- que o sistema capitalista também é responsável pela falta de seriedade no jornalismo?
2- que a objectividade jornalística é, do ponto de vista epistemológico, uma rematada impossiblidade?
3- que o jornalista em reportagem no Iraque poderia fazer igual ou melhor (e mais barato) trabalho se tivesse ficado em Lisboa a olhar as imagens da tv?
4- que... (outra coisa qualquer)?

Antes de um comentário mais desenvolvido, seria bem-vinda a explicação de Paulo Querido.

A dita eloquência (22)

"se pudéssemos conhecer a verdade, haveríamos de nos preocupar com o que dizem os homens?" (SÓCRATES)

in Platão, (2003), Fedro, S. Paulo: Editora Martin Claret, p. 118

Excertos de um livro não anunciado (52)

(...) Os capítulos I a XII do Livro III da Retórica tratam da elocução, a que Aristóteles chamava a expressão em palavras do pensamento. Na prosa científica essa expressão é directa, sem adornos, como convém aos que têm espírito aberto e buscam a verdade. Mas não costumam ser assim os ouvintes da oratória, pois trata-se maioritariamente de gente vulgar e sem grande preparação intelectual. Aristóteles reconhece que o justo "seria não debater mais que os puros factos, de sorte que tudo o que excede a demonstração é supérfluo. Contudo, [tal excesso] tem muita importância, devido às insuficiências do ouvinte” * (...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 239

24 agosto 2003

Como se decide

No seu cristovao-de-moura, Paulo Varela Gomes deu-nos ontem a conhecer uma visão muito pessoal sobre o fenómeno do terrorismo. Pacheco Pereira reagiu, abrindo um debate que muito promete e que irei seguir com toda a atenção. O nível dos dois interlocutores, a complexidade do tema e o alcance planetário que este já atingiu, assim o exigem.

Mas o que mais particularmente aqui cabe analisar é o modo como PVG descreve o processo de decisão:

(...) todas as decisões são um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção: a gente hesita, pensa, pesa “os prós e os contras” e, de repente, decide. Quando se decide, abdica-se de continuar a pensar. Uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação. Deste modo, ao decidir, erra-se – sempre. Não há, por definição, decisões acertadas. Quem quer à viva força acertar, acaba por não decidir nunca porque é impossível ter a certeza de que se está a decidir bem.(...)

Veja-se, antes de mais, como nesta descrição tudo parece corresponder ao que realmente acontece no momento de tomar qualquer decisão. Nisso consiste a arte de dizer, que, pela amostra, PVG perfeitamente domina. O que vai sendo dito, é dito de uma tal maneira que cada nova afirmação surge ainda mais persuasiva. Cria-se, assim, no leitor uma atmosfera de facilidade, um registo comódo e agradável, que só seriam de louvar, não se desse o caso, como frequentemente se dá, de poderem produzir indesejáveis efeitos secundários. E o pior de todos, é, seguramente, o de ocultar a problematicidade inerente a todo o discurso: reduzem-se as alternativas, afunila-se o leque de opções. Aquilo que é afirmado parece então tão certo (quando não único) que, se abrandarmos a nossa atenção, corremos o risco de aderir acriticamente ao que se lê.

Quero com isto dizer que PVG fez um uso abusivo da linguagem, com ele tentando iludir ou manipular os que o lêem? De maneira nenhuma. Pelo contrário. A maneira como argumenta em favor do "salto escuro" de toda a decisão, da inevitabilidade do errar sempre que se decide, de que não há por definição decisões acertadas ou que quem quiser à viva força acertar acabará por nada decidir, só favorece o leitor, no que toca ao grau de convicção com que este formará a sua própria opinião no final da respectiva leitura. E por uma razão muito simples. É que não ficam agora quaisquer dúvidas de que PVG comunicou as suas ideias de forma altamente persuasiva, "potenciando-as", em termos comunicativos. Logo, se ainda assim, não se revelam totalmente convincentes é porque, muito provavelmente, não serão tão boas ou tão certas como PVG as julga. E penso que, de facto, não o são. Vou dizer porquê.

Quando se fala em decisão, fala-se, naturalmente, da melhor decisão possível. O que nos remete para a concreticidade das situações. E para os seus limites, também: de lugar, de tempo, de informação, etc. Mas isso nao significa que "uma decisão é sempre a decisão de ignorar vários aspectos da realidade e a complexidade real de qualquer situação". Conforme disponho ou não de tempo suficiente e das restantes condições operatórias, poderei considerar mais ou menos aspectos da realidade (e da sua complexidade). Mas não estou fatalmente impedido de chegar à melhor decisão possivel. Também não se pode dizer que ao decidir erramos sempre. Longe disso. Erramos apenas... quando erramos. Naturalmente. Mas se ao sair de casa peguei no chapéu-de-chuva porque estava a chover, tomei uma decisão certa. Sem a menor dúvida. Porque há mesmo decisões certas. Também não se pode, seriamente, estar contra quem procura acertar sempre. Até porque procurar acertar sempre, não quer dizer que só se deve decidir quando se esteja absolutamente certo de que é a melhor decisão. Numa palavra, não se pode confundir indecisão com incerteza. Uma pessoa indecisa pode até ter mais certeza do que uma outra que seja mais rápida a decidir. Não obstante, não decide ou leva mais tempo a fazê-lo. Já quanto à afirmação de PVG de que "quando se decide, abdica-se de continuar a pensar" não posso estar mais de acordo, principalmente se com isso se pretende referir a qualquer destas duas situações:

1a.
Quando se escolhe um entre vários caminhos possíveis, continuar a pensar nas opções já rejeitadas seria enfraquecer a "força" da própria decisão.

2ª.
Quando elegemos uma determinada opção (de que não se tem a certeza que seja a melhor) estamos, automaticamente, a rejeitar todas as outras opções, entre as quais pode estar alguma que se pudesse revelar mais adequada.

Não estaria de acordo, é claro, se a interpretação tivesse que ir no sentido de que já não se pensa depois de decidir. Porque, como é obvio, não se pensa menos quando se decide nem depois de se decidir. Pensa-se é em coisas diferentes.

A questão das decisões serem ou não "um salto no escuro, uma catástrofe entre pensamento e acção", ficará para outro post. Não quero terminar, porém, sem fazer uma chamada de atenção que me parece eticamente obrigatória: é que a descrição de PVG foi por mim analisada fora do contexto (do seu post), ou seja, apreciei-a apenas do ponto de vista da sua (sempre) possível generalização. Isso, justifica, por si só, que estes meus apontamentos se traduzam numa mera proposta de recepção. E não tanto numa crítica, a que, seguramente, faltou, não só o engenho, mas também a intenção.

Uma bruta saudação

Leio no Glória Fácil (a própósito de um post de FNM, no MarSalgado):

"Um psiquiatra bruto dá sempre jeito numa comunidade". ASL

Entretanto FNV envia um "mail" ao GlóriaFacil a informar que é formado em psicologia clínica.

ASL recorre então a um novo post para corrigir apenas a profissão de FNM e explica porquê:

"Aqui fica feita a correcção. O "bruto", como se depreendia no 'post' anterior, era uma saudação"


Ponto para o psicólogo,
porque graças à sua reacção
o "bruto" não só ganhou aspas
como passou a "bruta" saudação...

Excertos de um livro não anunciado (51)

(...) Com isto Aristóteles leva a cabo, de certo modo, o programa que Platão traçara na sua obra Fedro para uma possí­vel técnica retórica genuí­na e onde punha como condição o conhecimento dos diversos tipos de emoção e de carácter, a fim de que fosse possí­vel actuar também sobre cada carácter despertando nele a emoção adequada. (...)

23 agosto 2003

A dita eloquência (21)

"Saber calar-se é mais dificil que falar bem" (Provérbio israelita)

Cit. in de Smedt, M., Elogio do Silêncio, Lisboa: Oficina do Livro, p. 14

Excertos de um livro não anunciado (50)

(...) Mas apesar da profundidade com que analisa cada uma das paixões, a sua finalidade é sempre eminentemente técnica: "Portanto, é evidente que é possível provar que tais pessoas são amigos ou inimigos; se não o são, dar a impressão de que são e se se presume que o sejam, refutá-los, e se discutem por ira ou inimizade, levá-los para o terreno que se prefira” *(...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 156

22 agosto 2003

APODIOXE: a rejeição de qualquer argumento

Televisor ligado.
Está a dar o debate entre o político A e o político B.
A certa altura o primeiro lança uma violenta crítica ao segundo.
Este, em vez de refutar, ponto por ponto, volta-se para o seu interlocutor e dispara:

"Fique sabendo que não lhe reconheço legitimidade para me fazer essa crítica. Quem é você para me censurar? Nessa matéria nao recebo lições de ninguém."

O que é que isto significa?
Significa, como é evidente, que o político B está a furtar-se ao contraditório,
pois em vez de rebater o mérito da crítica opta por desqualificar quem a formulou.
E sendo assim, qualquer que fosse o argumento do político A,
o resultado seria sempre o mesmo,
já que o procedimento do político B visa,
sem a menor dúvida,
rejeitar qualquer argumento.

Nisso consiste a APODIOXE.

Excertos de um livro não anunciado (49)

(...) De cada paixão dá uma definição, considerando além disso, a disposição mental em que surgem, as pessoas sobre quem recaem e os objectos ou circunstâncias que as provocam. Por exemplo, em relação ao amor, define-o como "o querer para alguém o que se considera bom, no seu interesse, e não no nosso, e estar disposto a levá-lo a efeito, na medida das nossas forças” *. Daqui deriva a sua concepção de amizade pois que para ele “amigo é o que ama e é correspondido no seu amor” ** (...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 152
** Ibidem

21 agosto 2003

A dita eloquência (20)

"Mil vezes o alento de uma mentira pacífica do que a verdade bruta, vil e desumana"

Pedro Lomba in flor de obsessão - post "VERDADE DA MENTIRA", de hoje.

A dita eloquência (19)

"não há maior homenagem que possa ser feita a um político do que haver um adversário com a intenção de o calar"

José Sócrates in Visão, Nº. 546, 21 a 27 de Agosto de 2003

Excertos de um livro não anunciado (48)

(...) É que, como já ficou dito a propósito dos jurados e juízes, segundo a emoção que experimentem num dado momento, os ouvintes estarão predispostos a decidir num sentido ou no seu oposto. Nos capítulos II a XI do Livro II da Retórica, Aristóteles estuda as paixões dos ouvintes e fornece ao orador lugares, opiniões, informações e critérios que o ajudarão a provocar essas paixões quando isso for do seu interesse. Fá-lo agrupando as paixões em pares de contrários, como por exemplo a ira e a calma, o amor e o ódio, etc. (...)

20 agosto 2003

A "anti-retórica" de Platão

SÓCRATES para CÁLICLES:

"...se concordares comigo sobre as opiniões da minha alma, é porque essas opiniões são verdadeiras"

"... sempre que concordares comigo em relação a um ponto da nossa discussão, considerá-lo-emos suficientememnte provado e não teremos de o submeter a novo exame"

"...o nosso acordo significará, portanto que atingimos a verdade"


in Platão, (1991), GORGIAS, Lisboa: Edições 70, pp. 123-124


***

Ao preconizar este "critério de verdade" (um acordo a dois), não estará aqui Platão a rivalizar com os retóricos do seu tempo e até com os próprios sofistas que tanto criticava? Pois é: "no melhor pano cai a nódoa... ". E, descontado o exagero, alguma razão poderá ter tido Isócrates na sua afirmação de que "os demais filósofos, incluindo Platão, não passariam de sofistas pouco sérios." (*)

* Sousa, A., (2000), A Persuasão, Covilhã: Editora da Universidade da Beira Interior, p. 14

Excertos de um livro não anunciado (47)

(...) O orador de êxito não pode contudo limitar-se ao conhecimento passivo do carácter dos seus ouvintes. Tem também que influenciar activamente o seu estado de ânimo, provocando-lhes as emoções ou paixões (pathos) que mais convenham à causa, pois este despertar das paixões adequadas no auditório é um dos mais importantes recursos de persuasão. (...)

19 agosto 2003

O que é a Retórica? (1)

Há quem sinta náuseas só de ouvir falar em retórica.
Há quem faça uma associação automática entre a persuasão e a manipulação.
Há quem identifique a retórica às mais ardilosas técnicas de enganar o próximo.
Há tudo isso.
Só não há a certeza sobre a que espécie de retórica se referem.

Certa e fundada é a suspeita, isso sim, de que, na maioria esmagadora dos casos, se esteja a confundir a retórica com alguns dos seus (maus) usos. E não é possível prosseguir na divulgação da retórica sem enfrentar esta realidade bem conhecida de todos. É o que tentarei fazer, a partir de hoje, deixando aqui, sempre que possível, algumas referências, "links" ou apontamentos que permitam delimitar o (meu) conceito de retórica.

Comecemos por uma tão excelente quanto breve introdução de Tito Cardoso e Cunha, distinto professor de retórica na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Não percam. Está aqui

Excertos de um livro não anunciado (46)

(...) Em relação à fortuna, Aristóteles considera os factores de nobreza, riqueza, poder e boa sorte. Assim, os nobres tenderão a ser ambiciosos e depreciativos, os ricos serão insensatos e insolentes e os poderosos parecerão como ricos, mas ainda mais ambiciosos e viris.(...)

18 agosto 2003

Em vão os sonhos se vão

Verónica Ramos, brasileira, engenheira de segurança, escreve-me lá dos lados de Porto Alegre para me dar um outro exemplo de ANTANÁCLASE: Em vão os sonhos se vão. Sinal de que o vocabulário técnico da retórica, apesar de remeter para alguns nomes muito esquisitos, não só não assusta ninguém como pode levar-nos a um exercício bem divertido: quantos exemplos de ANTANÁCLASE somos capazes de descobrir? Tente a resposta da próxima vez que se encontrar bloqueado no meio de uma interminável fila de trânsito e verá como resulta.

Excertos de um livro não anunciado (45)

(...) No que respeita à idade, distingue três classes: os jovens, os adultos e os velhos. Os jovens são apaixonados, pródigos, valentes e volúveis. Os velhos, são calculistas, avarentos, covardes e estáveis. Só os adultos maduros adoptam uma atitude intermédia e sensata. "Falando em termos gerais, o homem maduro possui as qualidades proveitosas que estão distribuídas entre a juventude e a velhice, ficando num termo médio e ajustado, pois que uma e outra ou se excedem ou ficam aquém do necessário” (...)

* Aristóteles,(1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 185

17 agosto 2003

Coní­mbriga é uma lição

Situadas a cerca de 15 km a sul de Coimbra, as ruí­nas de Coní­mbriga são um riquí­ssimo testemunho da nossa antiguidade. Alguns dos objectos nelas descobertos remontam, imagine-se, ao sec. IX a. C., e documentam a mais recuada fixação humana na região. A configuração urbana do lugar, essa surge principalmente depois dos primeiros contactos com os romanos na segunda metade do sec. II a. C. e muito em especial nos primeiros anos do sec. I, quando Augusto resolve dotar Coní­mbriga de aqueduto, forum, termas públicas, casas para habitação e lojas. Nos finais deste mesmo século, Vespasiano eleva-a à  categoria de "municipium".

Segue-se um perí­odo de muita construção que viria a acentuar a sua monumentalidade. As magní­ficas vivendas atapetadas de mosaico que hoje constituem a grande atracção de Coní­mbriga, datam do sec. III. Mas ainda na segunda metade deste século dá-se a crise do império romano e a chegada das primeiras invasões dos Bárbaros. O clima de instabilidade e terror que entretanto se gerou levou à  edificação de uma forte muralha, mas nem isso evitou que em 468 a cidade fosse tomada e parcialmente destruí­da, e os seus habitantes escravizados.

Ontem à  tarde, fui ver o que sobrou desta antiga cidade. E ficaram-me na retina os geométricos pisos atapetados de mosaicos, o troço empedrado com lages irregulares de calcário que integrava a antiga estrada de Olisipo (Lisboa) a Bracara Augusta (Braga) e ainda a monumentalidade arquitectónica do que terá sido o forum flaviano. Mas nestas ruí­nas são inúmeros os polos de interesse que se oferecem à  selecção pessoal de cada um. Cada visita pode transformar-se num verdadeiro achado, numa experiência única. Por mim, tive a repetida sensação de quem está a comunicar com o passado, de quem lê, finalmente, um recado que lhe deixaram. Um recado escrito há algum tempo, há muito tempo, é certo, mas que contém ainda a informação mais actualizada sobre as nossas próprias raí­zes e influências. Neste sentido, Coní­mbriga é e continará a ser uma lição.

Excertos de um livro não anunciado (44)

(...) Sendo importante que o orador saiba dar a impressão de possuir um carácter digno de confiança, é igualmente necessário que conheça o carácter dos seus ouvintes e a ele saiba adaptar-se. Por isso Aristóteles nos capítulos XII a XVII do Livro II da Retórica procede à análise e classificação do carácter em relação com a idade e a fortuna. (...)

16 agosto 2003

Excertos de um livro não anunciado (43)

(...) Só num homem insigne, a um tempo racional, excelente e bondoso, se pode confiar. Logo, o orador deve dar a impressão de que possui um tal carácter, se pretende persuadir, pois o seu êxito não depende só do que disser mas também da imagem que de si próprio projectar no auditório. (...)

Antanáclase

"O coração tem razões que a própria razão desconhece" - é um dos ditos populares mais persuasivos, que visa levar à desculpabilização, compreensão ou aceitação de uma qualquer afirmação menos pensada ou de um gesto irreflectido. Onde reside o segredo dessa persuasividade? No facto de se ter tomado o mesmo termo (razão) em dois sentidos algo diferentes. O aforismo acima é um bom exemplo. Nele começamos por encontrar a palavra razões numa acepção de justificações ou motivos. Mas, logo a seguir, o termo razão surge-nos associado à faculdade humana de raciocinar. É neste particular uso da linguagem que consiste a figura ANTANÁCLASE.

15 agosto 2003

Excertos de um livro não anunciado (42)

(...) Para despertar a confiança nos ouvintes, o orador precisa que estes lhe reconheçam três qualidades: racionalidade, excelência e benevolência. Porque se o orador não é racional na sua maneira de pensar, então será incapaz de descobrir as melhores soluções. Já um orador racional mas sem escrúpulos, pode encontrar a solução óptima mas ou não a comunica ou tenta enganar, propondo gato por lebre.(...)

TSF

Comecei a ler "Tudo o que se passa na TSF", de João Paulo Menezes. Estou a gostar e voltarei para fazer uma aprecição global. Mas a avaliar pelo que sobre a situação actual da emissora tem sido dito nos blogues, nada de ilusões: o livro está longe de retratar "tudo" o que realmente se passa na TSF.

14 agosto 2003

Excertos de um livro não anunciado (41)

(...) Persuade-se pelo carácter quando “o discurso se pronuncia de forma que torna aquele que fala digno de crédito pois damos mais crédito e demoramos menos a fazê-lo, às pessoas moderadas, em qualquer tema e em geral, mas de maneira especial parecem-nos totalmente convincentes nos assuntos em que não há exactidão mas sim dúvida (....) e não há que considerar, como fazem alguns tratadistas da disciplina, a moderação do falante como algo que em nada afecta a capacidade de convencer, mas antes, que o seu comportamento possui um poder de convicção que é, por assim dizer, quase o mais eficaz” * (...)

Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, pp 53-54

Menção

O Retórica e Persuasão passou a ter links permanentes também nos seguintes blogues:

Outro, Eu
Respirar o mesmo ar
The Serendipitous Cacophonies
A origem do amor

Obrigado.

13 agosto 2003

Excertos de um livro não anunciado (40)

(...) Não se trata portanto - frise-se uma vez mais - da opinião prévia que o auditório possa ter sobre o orador nem tão pouco do carácter que este realmente possui, mas sim, do que aparenta ter quando se dirige ao auditório. É isso que pode ser decisivo para inclinar o auditório a aceitar as suas propostas.(...)

ACONTECE: a "ingrata" gratidão

Ao sabor da minha própria errância pela blogosfera, deparo com quatro referências ao fim do programa "ACONTECE" (que, parece, afinal, não ter deixado ninguém indiferente). Duas são arrasadoras: as do Alexandre, do Desejo Casar e do Alberto Gonçalves. As outras duas, mostram-se mais caridosas: as do Pacheco Pereira e do Francisco José Viegas. As primeiras são muito directas, nelas se podendo ler que a «cultura» que o «Acontece» encontrou e fomentou é a cultura dos pasmados, donos de uma visão acrítica e reverente (Alberto Gonçalves) e "Já quase ninguém via o programa" (Alexandre, do Desejo Casar). Duas opiniões críticas muito cáusticas que Carlos Pinto Coelho não terá, por certo, qualquer dificuldade em interpretar. Mas sucederá o mesmo com as outras duas? Vejamos:

No Abrupto, escreve JPP: "O Acontece retratava bem o carácter almofadado e reverente da nossa cultura oficial, cheia de lutas surdas de turf e de salamaleques, vivendo das partilhas de vã glória e dos subsídios, onde todos os livros são bons e ninguém é mau poeta, mau romancista ou mau coisa nenhuma. Mas eu tenho razões seguras para reconhecer em Carlos Pinto Coelho um mérito de fair play"

Por sua vez, no Aviz, refere FJV: "Mas o «Acontece» não seria, nunca, o meu programa, nem vale a pena explicar isso agora. O Carlos P. C., como JPP reconheceu, é uma pessoa com fair play"

Aparentemente, há em JPP e FJV a preocupação adicional de contrapôr o lado humano (positivo) do autor à apreciação do programa (que se mantém negativa). Essa preocupação surge, porém, expressa de uma forma que ilustra com a maior nitidez o carácter problematizante da linguagem e, mais especificamente, a sempre possível divergência entre o que se quer dizer e o que fica dito.

Notemos que, num e noutro, é a existência de um mas que vem dar o sentido último ao respectivo enunciado. Um "mas" tão determinante como na Antífrase - figura retórica que consiste em dizer o contrário do que se pretende dizer (Ex: eu posso ser um idiota, mas....) - embora de sentido inverso, pois aqui, de facto, não foi o contrário que JPP e FJV quiseram dizer. Foi o contrário que ficou dito. Porque, em termos práticos, tudo se passa como se realmente tivessem afirmado: "ele é uma pessoa encantadora mas faz um programa que não presta".

Abundam os testemunhos de que Pacheco Pereira e Francisco José Viegas são duas pessoas gratas. Nenhuma dúvida substirá também, sobre a consideração que Carlos Pinto Coelho lhes merece. Mas podem, neste caso, ter sido traídos pelo evidente registo de tolerância que costumam manter até nos seus mais veementes comentários críticos. O ponto é que duvido que Carlos Pinto Coelho (ou outro qualquer) pudesse ter apreciado estes dois testemunhos públicos.

Se JPP apenas pretendia "reconhecer em Carlos Pinto Coelho um mérito de fair play tão raro em Portugal, tão ausente dos nossos costumes culturais, tão pessoalmente estimável, que seria uma enorme injustiça não o dizer em público" poderia também ter dito isso e apenas isso. Sem qualquer outra consideração negativa que ficasse, como ficou, a ensombrar o elogio, a retirar-lhe força. É que, como se sabe, não é possível desfazer inteiramente a ligação da pessoa aos seus actos e vice versa. Logo, o momento em que se elogia o mérito de alguém, é a altura ideal para salientar as virtudes e não para lhe apontar os defeitos.

O mesmo vale para FJV. Ao declarar "Estou grato por isso, e falo dessa gratidão publicamente" seria de esperar que, quando muito, indicasse as razões dessa sua gratidão, como aliás, fez. E não, que, à semelhança do que fez JPP, aproveitasse o post para, ao mesmo tempo, vincar a sua "distância" relativamente à qualidade ou razão de ser do "Acontece". Admito, por isso que, perante tão "ingrata" gratidão, Carlos Pinto Coelho já tenha cedido ao popular desabafo: "com amigos destes..."

Enfim. Partidas que a linguagem nos prega todos os dias mas que nos alertam para um dos mais prementes problemas de comunicação: a diferença (ou desvio) entre o pensamento e a sua expressão.

12 agosto 2003

As definições e o que fazem os sociólogos

Leio sempre com muito interesse o magní­fico Socio[B]logue. Chego mesmo a ir lá, de propósito, para reler alguns posts mais antigos, como acontece sempre que, por falta de oportunidade ou por qualquer outra pontual razão, não pude, na primeira leitura, sobre eles reflectir como gostaria. Foi o caso da definição de sociologia que João Nogueira elegeu para o seu "Glossário": "[Sociologia] é o que fazem os sociólogos" (de António Firmino da Costa).

Como se lembrarão, o João tinha começado por colocar a definição de Anthony Giddens, mas acabou por retirá-la. Mais tarde, interpelado nos "Comentários" por um leitor anónimo, explicou: "Depois de reler a definição de Giddens deu-me um arrependimento. súbito. Violento. E, evidentemente, não resisti a alterar o post. Em momentos de arrependimento como este não há etiqueta que resista."

Ora, pode-se lamentar a ausência de verdadeiras razões nesta sua explicação, mas ela corresponde, em si mesma, a um eloquente e muito realista testemunho de humildade cientí­fica: João foi assaltado por uma dúvida e não hesitou em corrigir a sua primeira escolha. Publicamente e sem subterfúgios. Muito bem. Mas vamos ao que interessa: escolheu bem? escolheu mal?

A questão é controversa, logo, retórica. Pessoalmente, preferia a primeira. Como preferiria outra qualquer, ainda que errada, desde que contivesse alguma informação nova. Porque sempre poderia acontecer que não estivesse totalmente errada. Mais: sendo evidente a falta de consenso definicional, então, que nenhuma seja dada. Parece-me o mal menor. Menor, por exemplo, do que dizer que a sociologia é o que os sociólogos fazem. E, basicamente, por duas razões: primeiro, porque parece ser uma afirmação que nada diz, que nada acrescenta ao saber anterior; segundo, porque, sempre pode haver sociólogos que não façam sociologia. O que é que o João Nogueira pensará disto?

Não, a eparnotose não é uma estranha doença

Quando dias atrás coloquei aqui a pergunta se a epanortose seria alguma estranha doença fi-lo apenas para, da maneira menos solene possível, chamar a atenção para o facto da retórica - tal como acontece com outras disciplinas - possuir o seu próprio vocabulário técnico. Ao mesmo tempo, quis proporcionar a todos, ou melhor, a quem ainda não o conheça, uma mais fácil memorização do primeiro termo técnico retórico que aqui trago, precisamente a eparnotose. E esta é tão somente a figura retórica que consiste em corrigir o que se acaba de dizer o que, regra geral, se faz pelo recurso a expressões tais como "ou melhor", "para falar a verdade", "ou mais exactamente". Falta apenas dizer que pode encontrar neste post um bom exemplo de eparnotose (a bold) a qual, além da respectiva correcção informativa, produz também um efeito de sinceridade.

Excertos de um livro não anunciado (39)

(...) Com efeito, o poder de convicção do orador sobre o seu auditório não depende só dos factos que aduza, das premissas que empregue, nem da sua boa argumentação. "Os argumentos não só derivam do raciocínio demonstrativo, como também do ético, e acreditamos em quem nos fala na base de que nos parece ser de uma determinada maneira, quer dizer, no caso de parecer bom, benévolo ou ambas as coisas” * (...)

Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 94

11 agosto 2003

Glória Fácil

Soube da novidade pelo Aviz. Três credenciados jornalistas, Maria José Oliveira, João Pedro Henriques e Nuno Simas (manda a Retórica nomear os autores quando estes acrescentam valor e credibilidade ao projecto) criaram um blogue a que resolveram chamar Glória Fácil. Fico a magicar no tí­tulo escolhido: "Glória Fácil". E percebo então o poder inebriante de certas palavras ou expressões. Glória fácil, glória fácil...glória fácil. Até onde pode levar-nos uma doce ilusão? Não sabemos. Nunca se sabe. Porque... não é fácil. Mais um motivo para, a partir de hoje, seguir atentamente este novo blogue. Sejam bem-vindos.

Excertos de um livro não anunciado (38)

(...) Para ser um bom orador são necessárias duas coisas: saber argumentar bem e possuir perspicácia psicológica. Por isso Aristóteles para além de analisar e sistematizar os recursos argumentativos, estuda também os factores psicológicos da persuasão, a começar pelo carácter (ethos) do orador. (...)

10 agosto 2003

Ódio às metáforas?

Alberto Gonçalves, do homem a dias, faz hoje duas surpreendentes revelações de natureza pessoal: gosta de estações de serviço e odeia metáforas. O gosto pelas estações de serviço, já o explicou, no próprio post. Mas que razões terá para odiar as metáforas? Fiquei curioso.

A dita eloquência (18)

"O Governo não resistiu à  prova de fogo. Foi consumido por ela"

Vicente Jorge Silva

in Diário Económico de 08.08.2003

Excertos de um livro não anunciado (37)

Entre as opiniões geralmente admitidas, que podem usar-se como premissas de entimemas, encontram-se as máximas, sentenças ou provérbios. Uma máxima é uma afirmação sobre temas práticos relativos à acção humana, tratados em geral. Algumas máximas são evidentes, triviais e não requerem justificação alguma. Outras, mais ambíguas, já requerem um epílogo que as explique ou justifique o que vai convertê-las, por sua vez, numa espécie de entimema. Mas porque recomenda Aristóteles o uso de máximas? Porque estas, por serem comuns e divulgadas, como se todos estivessem de acordo com elas, são consideradas justas. (...)

09 agosto 2003

Um casamento mal dito

Casamento católico. Cerimónia religiosa na igreja e bôda todo o santo dia. A festa, muito animada, invadiu a própria noite. Saí de lá há coisa de meia hora, nem tanto. Mas trouxe uma dúvida para deslindar. Eu explico. O padre era espanhol, mas esforçava-se por falar português. Menos mal. Com maior ou menor dificuldade, todos perceberam o que ele disse. O que ninguém percebeu foi o que ele não disse. E o que ele não disse, imaginem, foi precisamente a frase "em nome de Deus, declaro-vos marido e mulher". Há a certeza de que não disse. A cena foi revista no filme integral da cerimónia. E confirma-se. Chegado o momento em que os noivos fazem a promessa mútua de fidelidade e trocam alianças, o padre, surpreendentemente, não os declara casados. Limita-se a desejar "que o homem não separe o que Deus uniu". Em resumo, faz-se a festa, mas a cerimónia nao foi dita. Será que estes noivos se encontram realmente casados? (Esclarecimentos serão bem-vindos, aqui)

Excertos de um livro não anunciado (36)

(...) O entimema, por sua vez, é uma dedução em que as premissas são opiniões verosí­meis, prováveis ou geralmente admitidas. E depois de ter elaborado separadamente premissas por cada tipo de oratória, Aristóteles oferece agora outras orientadas para temas ou tópicos comuns a todos eles. É assim que agrupa opiniões e critérios por tópicos como o possível e o impossí­vel, se algo ocorreu ou irá ocorrer, sobre a magnitude, sobre o mais e o menos, as quais podem ser muito úteis em todo o tipo de situações oratórias.

08 agosto 2003

Tipologia geral das polémicas

O diálogo - graças ao regime eminentemente democrático do "agora falas tu que depois falo eu" - é, talvez, a forma mais natural e apaixonante de se comunicar. Só que tanto pode levar à descoberta das semelhanças como à confirmação das diferenças. Não admira, por isso, que o "entrar em diálogo" tantas vezes resulte em polémica. Nos blogues já tivemos também as "nossas" polémicas, sendo de prever o aparecimento de muitas mais. Daí que me pareça oportuno fazer subir ao palco a tipologia geral das polémicas de Marcelo Dascal *, a qual constitui, em minha opinião, uma estrutura-guia de grande utilidade em qualquer tipo de debate.

Para Dascal, são três os grandes tipos de polémicas: a discussão, a disputa e a controvérsia.

A discussão. Tem como objectivo determinar a verdade e para esse efeito serve-se da prova. É aquele tipo de polémica onde os adversários já repartem os pressupostos, métodos e objectivos que lhes permitem resolver a situação. Exemplo: dois matemáticos podem ter diferenças de opinião a respeito da demonstração de um teorema. Mas se um deles mostra que o outro cometeu um erro na sua demonstração a questão fica decidida.

A disputa. Aqui o objectivo é apenas o de vencer. Já não se decide por convenção racional, quando muito será por uma intervenção externa: um sorteio, um mediador ou o tribunal. Cada um dos disputantes aceita a decisão imposta mas isso em nada altera a sua convicção sobre quem tem de facto razão.O instrumento utilizado é o chamado estratagema, com o que se procura fazer calar o adversário e levar assim o auditório a pensar que ele foi derrotado. Pode até ter uma aparência de inferência lógica mas não respeita, de facto, as leis da lógica.

A controvérsia. O seu objectivo é convencer e o instrumento de que se serve é o argumento.


Naturalmente que é este último tipo de polémica - a controvérsia – o que coincide com a retórica crítica que defendo. E se quisermos comparar com os dois tipos de polémica anteriores, poder-se-á dizer que a controvérsia (retórica ou argumentação) nem é decidível como a discussão, nem é indecidível como a disputa.


Nota- Marcelo Dascal elaborou esta tipologia com base naquilo que observou, não na esfera político-partidária, nem nas apaixonadas discussões promovidas pelos “media”, mas sim, no interior da própria prática científica.


* Marcelo Dascal é epistemólogo na Faculdade de Humanidades da Universidade de Tel Aviv e um dos autores da obra “A ciência tal qual se faz”, publicada, em 1999, sob os auspícios do Ministério da Ciência e Tecnologia e coordenada por Fernando Gil

Apenas cinco dias depois...

1) Em 30.07.2003, no meu post "A dita eloquência (12)":

'jamais se apaga completamente o que foi dito uma vez'

Chaim Perelman


2) Em 05.08.2003, Pacheco Pereira, no seu post "TAMBÉM ELE", no Abrupto:

'talvez o aspecto mais penoso da actividade polí­tica seja este, ser misturado com quem deve e teme, ouvir o ruí­do invisí­vel do "também ele". Provoca revolta e tristeza, grande revolta e tristeza, porque este tipo de acusações não tem emenda possí­vel, alguma coisa sempre fica. [o sublinhado é meu]

E Pacheco tem toda a razão.

Curiosidade & Sorriso

Será a epanortose uma estranha doença da pele?

A dita eloquência (17)

"Essa veemência contra o corpo, que o levou a atirar-se para dentro de uma tanque de água fria quando viu uma rapariga, ou a dominar o sabor para não ter gosto na comida, ou a não querer dormir para não perder o controle de si, é, como nós sempre suspeitamos, pura sensualidade."

Pacheco Pereira

(comentando os textos de S. Bernardo de Claraval - post de 05.08.2003, "S. BERNARDO E A ARTE COMO DISTRACÇÃO DE DEUS", no Abrupto)

Excertos de um livro não anunciado (35)

"O exemplo é então um caso particular que o orador utiliza para apoiar a sua afirmação sobre outro caso anterior, distinto, mas do mesmo género, por apresentar certas características comuns. Há dois tipos de exemplos: os casos realmente sucedidos e os casos inventados. Entre os exemplos inventados contam-se as parábolas e as fábulas. As fábulas - diz Aristóteles - são muito adequadas para os discursos ao povo e têm a vantagem de ser mais fácil compor fábulas do que achar exemplos de coisas semelhantes realmente ocorridas. Contudo, "os acontecimentos são mais proveitosos para a deliberacão, pois a maioria das vezes o que vai ocorrer é semelhante ao que já ocorreu”

Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 197

07 agosto 2003

A dita eloquência (16)

"A retórica é insubstituível; não fosse, há muito tempo teria sido substituída"

Olivier Reboul

Reboul, O., (1998), Introdução à Retórica, São Paulo: Martins Fontes, p. 230

Excertos de um livro não anunciado (34)

(...) Nos capítulos XVIII a XXV do Livro II da Retórica, Aristóteles refere os tópicos ou lugares comuns que podem ser muito úteis ao orador em qualquer dos três tipos de oratória já definidos. Para ele, os principais recursos lógicos de que se pode valer um orador para persuadir são o exemplo e o entimema, que correspondem à indução e à dedução, respectivamente. A indução costuma implicar uma certa passagem do particular ao geral, da parte para o todo. Porém, no exemplo, considerado como uma espécie de indução retórica, não se vai da parte para o todo, como na indução propriamente dita, nem do todo para a parte como na dedução, mas sim, de uma parte a outra parte, do semelhante para o semelhante e tem lugar quando os dois casos pertencem ao mesmo género, mas um é mais conhecido que outro. Seria como dizer que Dionísio, ao pedir uma escolta, aspira à tirania, só porque antes, também Pisístrato pedira uma escolta com essa intenção e depois de a obter, fez-se um tirano, aliás, como sucedera com outros, quando – diz Aristóteles – não se sabe ainda se é por isso que ele pede a escolta *(...)

Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 61

06 agosto 2003

O que é que nos impede?

Cada vez me convenço mais de que há palavras frias e palavras quentes. As primeiras, feitas de distância. As segundas, de proximidade. Mas não é a sua distinção que me traz aqui. O que me traz aqui é a enorme dificuldade em fazer de ambas, uma sábia escolha e um criterioso uso. Numa palavra: doseá-las. A discussão acalorada, o tema mais apaixonante, um interlocutor aguerrido ou um dito menos feliz... e aí temos o rastilho, por excelência, para nos fazer explodir. Segue-se, como de costume, uma reacção desproporcionada e tendencialmente agressiva, mesmo quando viola os mais sólidos princípios que passamos a vida a defender. Tenho para mim que está é uma das piores cegueiras humanas. Porque não conseguimos viver e conviver em harmonia com os que nos rodeiam? O que é que nos impede de respeitar a sua opinião contrária, mesmo quando isso era, afinal, tudo o que mais desejávamos?

Excertos de um livro não anunciado (33)

(...) Mas o que é a excelência? Aristóteles define a excelência como a faculdade de criar e conservar bens, mas também como faculdade de produzir muitos e grandes benefícios, de prestar numerosos e importantes serviços. Elementos ou partes da excelência, são a justiça, a valentia, a temperança, a liberalidade, a magnanimidade e a racionalidade. Sobre todas estas excelências ou virtudes dá Aristóteles preciosas opiniões e conselhos técnicos. Considerando que se elogia alguém pelas suas acções e que é próprio de um homem insigne actuar por vontade deliberada, recomenda que se procure mostrar que o elogiado agiu deliberadamente. É mesmo conveniente realçar que assim agiu muitas vezes, nem que para tal seja preciso “tomar as coincidências e casualidades como se fizessem parte do seu propósito” *(...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 101

A dita eloquência (15)

"O riso não tem inimigo maior do que a emoção"

Bergson

in Bergson, H. (1991), O Riso, Lisboa: Relógio D'Água, p.15

05 agosto 2003

Metablogue & Companhia

O metablogue acaba de seleccionar um segundo post meu, desta vez, o "Serão os blogues um verdadeiro acontecimento? (2)?". Hesitei em fazer aqui qualquer referência ao facto, sobretudo, porque é sempre pouco elegante chamarmos a atenção para nós próprios, para além de ser de evitar a repetição e o excesso de menções ou remissões. Mas depois pensei também que a emenda poderia sair pior que o soneto, na medida em que o "metablogue" é uma iniciativa a todos os títulos louvável e os seus responsáveis merecem ser devidamente acarinhados. No mínimo, é preciso que nos demos conta de que o "metablogue" existe e da meritória função que vem desempenhando na blogosfera portuguesa. Pela minha parte, direi então do prazer que é ver um post meu lá citado, assim como constitui, igualmente, uma honra, o facto de lá me encontrar em tao boa companhia, como é o caso de Francisco José Viegas, Alberto Gonçalves, Pedro Lomba, Eduardo Prado Coelho, João Almeida, Carla Hilário de Almeida, Carlos Vaz Marques, Nuno Centeio, Bruno Sena Martins, Manuel Alberto Valente, José Bragança de Miranda e Nuno Ramos de Almeida. Logo, parabéns e... obrigado, metablogue.

Excertos de um livro não anunciado (32)

(...) Na oratória de exibição ou epidíctica, recordemos, pretende-se acima de tudo fazer luzir o orador, embora a pretexto de elogiar alguém. E para tal, Aristóteles recomenda, antes de mais, que se tenha em conta em que lugar e perante que auditório se irá pronunciar o discurso, para que se louve o que em cada lugar mais se estime ou valorize. É certo, porém, que, o que sempre se elogia costuma ser um qualquer tipo de excelência. Logo, o que o orador epidíctico precisa é de dispor de um repertório de opiniões admitidas ou lugares acerca da excelência. (...)

Desfazendo dúvidas

Claro que todos os comentários, críticas e sugestões a este blogue serão muito bem-vindos. E para que não fiquem dúvidas, a partir de hoje encontrarão sempre, ali à direita, esta pergunta-lembrança: "Quer comentar?". Já sabem: basta um click.

04 agosto 2003

Saudações

Registo com satisfação que o Retórica e Persuasão passou a ter links permanentes também nos seguintes blogues:

A Toca do Coelho - Left
avatares de um desejo - Bruno
Aviz - Francisco Viegas
bomba inteligente - Charlotte
Conversa da teta - Pepe
O Incontornável - Incontornavel
opiniondesmaker - António
icosaedro - Pedro
reflexos de azul electrico - Bragança de Miranda
Terras do Nunca - jmf

Saudações e... obrigado.

Excertos de um livro não anunciado (31)

(...) Igualmente no caso das confissões realizadas sob tortura, formula regras técnicas de proceder conforme tais confissões nos são ou não favoráveis.

"As declarações sobre tortura são também testemunhos e dão a impressão de que que têm credibilidade, porque há nelas uma certa necessidade acrescentada. Nem sequer é difícil ver os argumentos precisos no que a elas se refere e cuja importância devemos engrandecer, no caso de nos serem favoráveis, no sentido de que são estes os únicos testemunhos verídicos. No caso de nos serem contrários e favoráveis à outra parte, trataremos de minimizá-los, falando em geral sobre qualquer género de tortura, pois não se mente menos quando alguém se vê coagido, seja enchendo-se de coragem para não dizer a verdade, seja recorrendo facilmente a mentiras para terminar a tortura mais cedo” *

Por aqui se vê como, no que respeita à persuasão, Aristóteles acaba por se colocar num plano estritamente técnico, estudando os meios sem tomar partido pelos fins. Com isso se afasta definitivamente do exaltado moralismo platónico, compreendendo, assim, o ponto de vista dos retóricos profissionais, que assume agora como seu. (...)

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 136

Serão os blogues um verdadeiro acontecimento? (2)

(continuação do post anterior)

Sou um leitor compulsivo de Eduardo Prado Coelho. Admiro tanto a sua quase temível erudição como, principalmente, o que faz com ela. É, provavelmente, a pessoa que em Portugal melhor diz e faz retórica. Retórica, aqui, no seu sentido mais nobre, isto é, como ciência da argumentação ou persuasão discursiva. Outra coisa é, claro, concordar ou não com os seus pontos de vista. Desta vez, não estou de acordo. Vejamos porquê:

Em primeiro lugar, EPC começa por afirmar que os blogues e o chá verde são duas realidades "extremamente importantes". Repare-se: não apenas importantes, mas muito mais que isso, extremamente importantes. Seria de esperar então que mais adiante justificasse tal afirmação ou que, no mí­nimo, não a pusesse em causa. Mas o que EPC faz, de imediato, é uma comparação do que acontece nos actuais blogues com o que se passava, segundo diz, no espaço mediático de "outrora", comparação esta que objectivamente visa desvalorizar os blogues inicialmente exaltados. Para o efeito, põe em causa a legitimidade (ou competência?) de quem neles escreve, ao mesmo tempo que lança o anátema da falta de um controlo de qualidade, quando opina, por exemplo, que, na blogosfera, "Não é preciso articular bem os textos". Ora, salvo melhor opinião, daqui decorre uma notória contradição lógica entre a afirmação inicial de que os blogues são "extremamente importantes" e a aberta condenação a que os sujeita na parte final da sua crónica.

Em segundo lugar, o argumento do autor do blogue "sentir-se autorizado a" escrever sobre todos os assuntos que lhe interessam parece, em grande medida, irrelevante, pois no que toca à "complexa malha das legitimações" nem a sua ausência nos blogues se traduz, necessariamente, por falta de legitimidade (e competência) para neles escrever seja o que for, nem a sua existência no espaço mediático de "outrora" a outorgava automaticamente.

Quanto ao mais, dizer que nos blogues "Não é preciso articular muito bem os textos. Pode ser uma observação verrinosa, um comentário sardónico. Pode usar toda a agressividade que quiser, porque isso faz parte das regras do jogo", só se compreende se conjugado com a confissão de que "nem mesmo leio com regularidade os blogues dos outros. Não tenho tempo". Porque, basicamente, o problema não difere: se o autor de um blogue quer ser lido, tem que se adaptar e agradar ao auditório. Tal como um jornal tradicional tem que responder aos interesses do seu público-alvo. Mas afirmar que, nos blogues, usar toda a agressividade que quiser faz parte das regras do jogo é algo que só estará ao alcance de quem não ande mesmo por cá.

Por último, não há já qualquer dúvida de que os blogues sejam um acontecimento. Muito menos se o único critério a considerar for o de condicionarem o que se pensa e escreve. O caso parece-me tão evidente que só avançaria para a prova se ela viesse a ser suscitada. Mas julgo que só não se dá conta disto quem não edita um blogue, o que é natural. Falta, isso sim, é caracterizar adequadamente este acontecimento. E essa é uma das tarefas que está em curso, nomeadamente, no seio do já tão famoso metabloguismo. Aguardemos, então.

03 agosto 2003

Serão os blogues um verdadeiro acontecimento? (1)

Do que Eduardo Prado Coelho escreveu na sua crónica "Blogue Blogue" no Público de 2003.07.31, podemos retirar, pelo menos, cinco principais conclusões:


1º. CLASSIFICA os blogues como importantes:

( Falo, sim, de duas realidades mais modestas e contudo extremamente importantes: os blogues e o chá verde. )



2º. TEM UMA IDEIA de como funcionam os blogues:

( ... corresponde à  criação de espaços na Internet onde uma pessoa ou um grupo de pessoas se sente autorizado a escrever sobre todos os assuntos que lhe interessarem )


3º. NÃO ESCREVE (AINDA) nos blogues, mas já os lê:

( Diga-se de passagem que nem mesmo leio com regularidade os blogues dos outros. Não tenho tempo. )

[confessa que não os lê com regularidade, por falta de tempo. Deduz-se, portanto, que se tivesse tempo... ]



4º. TEM OPINIÃO FORMADA sobre os blogues:

( Não é preciso articular muito bem os textos. Pode ser uma observação verrinosa, um comentário sardónico. Pode usar toda a agressividade que quiser, porque isso faz parte das regras do jogo. )



5º. CONSIDERA que os blogues só seriam um verdadeiro acontecimento se (enquanto lugar) condicionassem o que se pensa e se escreve:

( Para quem acredita que o lugar onde se escreve condiciona o que se pensa e escreve isto pode ser um verdadeiro acontecimento )


Quero tomar uma posição crítica sobre cada uma destas conclusões. Mas porque isto dos blogues condiciona, de facto, "o que se pensa e escreve" vamos com calma. Fica para um (ou mais) dos meus próximos posts.

Excertos de um livro não anunciado (30)

(...) Quanto aos contratos Aristóteles diz que "o seu emprego nos discursos consiste em aumentar ou diminuir a sua importância, torná-los fidedignos ou suspeitos. Se nos favorecem, fidedignos e válidos, e o contrário, se favorecem a outra parte. Pois bem, fazer passar os contratos por fidedignos ou suspeitos em nada se diferencia do procedimento seguido com as testemunhas, pois os contratos são mais ou menos suspeitos, segundo o sejam os seus contratantes ou fiadores. Se o contrato é reconhecido e nos favorece, há que engrandecer a sua importância, sobre a base de que um contrato é uma norma privada e específica, não que os contratos constituam uma lei obrigatória, mas porque são as leis que fazem obrigatórios os contratos conformes à lei, e que, em geral, a própria lei é uma espécie de contrato, de tal forma que quem desconfia de um contrato ou o rompe também rompe com as leis” *

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 135

02 agosto 2003

Debate Sokal-Boaventura. Quem assistiu?

Quem esteve anteontem na Aula Magna da Reitoria da Universidade de Lisboa a apreciar o debate entre Alan Sokal e Boaventura Sousa Santos? A única notícia que, até agora, encontrei na imprensa é a do Publico de hoje e mesmo essa, num tom jornalístico que, naturalmente, não pode satisfazer a curiosidade de quem só por razões de força maior não esteve presente. Alguém foi ou sabe o que realmente por lá se passou? O debate teve elevação ou descaiu para o insulto? Quais as principais ideias ou argumentos dos intervenientes? O que se pôde concluir? É verdade que, como sugere a notícia do Público, tudo descambou para um combate desigual à obra de Boaventura Sousa Santos? Alguém pode informar para aqui? Antecipadamente, muito agradeço.

A dita eloquência (14)

"A telenovela ideal nunca teria fim"

Bragança de Miranda, hoje, no seu reflexos de azul eléctrico - post "coração"

Excertos de um livro não anunciado (29)

(...) No que se refere aos testemunhos, Aristóteles elabora também algumas regras técnicas de como proceder, quer quando dispomos de testemunhas, quer quando não as possuímos. "Argumentos convincentes para quem não tem testemunhos são que é necessário julgar a partir do verosímil e que isto é o que significa ‘com o melhor critério’, já que o verosímil não pode enganar, ao contrário do suborno, nem pode ser afastado por falso testemunho. Ao invés, para aquele que tem testemunhos, frente ao que não os tem, os argumentos serão que o verosímil não é algo que possa submeter-se a juízo e que não fariam falta os testemunhos se fosse suficiente a consideração dos argumentos apresentados” *

* Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, p. 134

Lucidez & Comunicação

Pelo Outro, Eu fiquei a saber que Pedro Tamen, quando interrogado no DN sobre quem são os seus heróis na vida real, respondeu:

"os que conseguem resistir ao ódio mas não à  indignação".

A frase, que é realmente lapidar, parece traduzir, em sí­ntese, o compromisso ideal entre obrigação moral e responsabilidade cívica. Não admira, pois, que Carlos Vaz Marques imediatamente dela se tenha apropriado, a ponto de a fazer sua, de hoje em diante.

Mas CVM colocou um link para o DN e isso permitiu-me não só contextualizar a frase que chamou a sua atenção como descobrir uma outra que, embora em diferente plano, considero igualmente notável. É quando interrogado sobre qual seria a sua maior desgraça, Pedro Tamen, responde, muito simplesmente:

"Ficar incapaz de comunicar, permanecendo lúcido"

01 agosto 2003

Humor e simpatia

Num registo de humor e muita simpatia, o opiniondesmaker brindou o Retórica e Persuasão com a dedicatória de mais algumas entradas para o seu "novo dicionário não ilustrado". Obrigado.

Este "novo mundo"

Na sequência de anteriores posts sobre as estratégias de poder nos blogues, o Pepe, do Conversa da teta formula quatro interessantes questões a partir das quais poderemos chegar a uma visão mais precisa do que é este "novo mundo". Boa "malha". Gostaria, contudo, de lembrar que, também aqui, há que distinguir entre "governo" e "poder", pois, como se sabe, correspondem a realidades políticas diferentes. Nem sempre quem detém o governo possui o poder. Tal como nem sempre quem detém o poder precisa de ser governo para impor as suas ideias ou decisões. Por outro lado, penso que não existem ainda quaisquer vestígios, indí­cios ou perigos de um governo da blogosfera. Logo, como costumo dizer, é melhor "não antecipar a desgraça"...


Para mais tarde recordar

Tal como acontece com as fotografias, também as palavras, certas palavras, são para mais tarde recordar. É o caso desta passagem de Platão, no seu diálogo GORGIAS, a que nem vinte e cinco séculos de história conseguiram retirar tão impressionante actualidade:

"SÓCRATES - Estou a pensar, Górgias, que deves ter assistido como eu a muitas discussões, e observado que, quando dois homens se propõem conversar, é sempre com dificuldade que limitam o âmbito da discussão e raramente se separam depois de se ter instruído e esclarecido reciprocamente. Pelo contrário, se divergem em relação a algum ponto e um deles pensa que o outro fala com pouca exactidão ou clareza, perdem a cabeça, convencem-se de que o interlocutor age por maldade, levados mais pelo espírito de disputa do que pelo desejo de esclarecer o tema proposto. Alguns deles acabam por se injuriar grosseiramente e despedem-se depois de ter dito e ouvido tais coisas que os presentes chegam a deplorar a ideia de ter sido auditório de gente de tal categoria"

Excertos de um livro não anunciado (28)

(...) Por último, Aristóteles estabelece os meios de persuasão que considera imprescindíveis nos julgamentos e que são cinco: as leis, os testemunhos, os contratos, as declarações sob tortura e os juramentos. E é aqui que nos aparece como eminente técnico retórico, colocando-se num plano amoral, capaz de atacar e defender qualquer posição e de dar a volta a qualquer argumento, como se espera de um bom advogado. Chega ao ponto de mostrar como a própria lei pode ser manipulada:

"(...) Falemos, portanto, em primeiro lugar, das leis e de como delas se deve servir quem exorta ou dissuade e quem acusa ou defende. Pois é evidente que quando a lei escrita seja contrária ao nosso caso, há que recorrer ao geral ou ao razoável como melhores elementos de juízo, pois isso é o que significa 'com o melhor critério', não recorrer a todo o custo às leis escritas. (...) Pelo contrário, quando a lei seja favorável ao caso, há que dizer que o 'com o melhor critério' não serve para julgar contra a lei, mas sim para evitar prejuízos pelo desconhecimento do que a lei prescreve. E que ninguém escolhe o bom em absoluto, senão o que é bom para ele *.

Em resumo, se a lei escrita nos é favorável, há que aplicá-la. Se a mesma não nos favorece há que ignorá-la e substituí-la pela não escrita ou pela equidade.(...)

*Aristóteles, (1998), Retórica, Madrid: Alianza Editorial, pp. 130-131