31 agosto 2005

Agarrem-me que eu candidato-me

Para vir a fazer a cena que fez ontem em Viseu, mais valia que Alegre nunca se tivesse pronunciado contra o apoio do PS à candidatura presidencial de Mário Soares.

Quem apregoa aos quatro ventos que "Um homem não se rende, seria aliás uma grande falta de educação» ou fica escravo da sua palavra até ao fim ou cobre-se de ridículo quando praticamente no dia seguinte se põe de joelhos precisamente perante quem o acossou: o próprio partido.

O alegado risco de com a sua candidatura fracturar o partido e dividir a esquerda onde, aliás, se detecta algum excesso de presunção, não passa, obviamente, de mera desculpa para disfarçar a derrota pessoal na única saída que lhe resta: recuar.

Se essa fosse uma boa razão para desistir, porque seria boa apenas para ele e já não para Soares ou para Sócrates? Porque teria, ainda assim, de ser ele a desistir "por mor do partido" quando reconhece que não foi ele quem dividiu? Não lhe teria ficado melhor declarar que desiste da sua candidatura porque, como ainda há semanas atrás reconhecia ao Expresso, é neste momento um homem sozinho?

De Alegre, sinceramente, esperava outra nobreza na renúncia da noite passada, em Viseu. Esperava que não continuasse a alimentar a novela do "agarrem-me que eu candidato-me". Esperava que desse o incidente por encerrado e terminasse com uma auto-vitimação que raia o patético. E já agora, porque não? Que reconhecesse também os seus próprios erros, que os teve, sem dúvida, neste período de pré-candidatura.

Vital Moreira já o lembrou no Causa Nossa. Apesar da natureza pessoal da candidatura à presidência, Alegre não quis avançar sozinho, como o fizera Jorge Sampaio. E isso quando tinha tudo para "matar" a questão ali mesmo, pois, como é natural, seria muito difícil que o PS ousasse afrontá-lo posteriormente com a escolha de um outro candidato. O que aconteceu é que falhou na sua estratégia de pré-candidato, se é que algum dia a teve. Assim como falhou na estratégia de pós-candidato, ao limitar-se a "fazer render o peixe" mediático com o suposto tabu da sua candidatura.

O que Alegre vem mostrando, afinal, é que não possui mesmo perfil para Presidente da República. E isso, de tão surpreendente, até pode fazer cair no esquecimento a deselegância ou traição de que foi alvo. Já não sei o que será mais lamentável.



30 agosto 2005

Excerto de um livro não anunciado (254)

É por isso que, à adesão, enquanto critério de eficácia, é necessário juntar a compreensão e a liberdade, como pressupostos de legitimação da própria retórica, sem os quais, toda a persuasão resultará em manipulação ou ilusão de verdade. Um auditório que não compreenda o sentido e o alcance das propostas em discussão e até mesmo da sua escolha, pode manifestar a sua adesão, mas não sabe ao que está a aderir. Um auditório que, além disso, não disponha de inteira liberdade de apreciação e decisão, aceita as propostas do orador mais pelo receio das consequências que adviriam da sua eventual recusa, do que pela força dos argumentos que lhe são apresentados. Em ambos os casos, porém, estaremos já fora da retórica propriamente dita, pois esta, lembremos uma vez mais, remete para uma discutibilidade que no primeiro caso se torna impossível, pela ignorância do auditório e, no segundo, não passa de mero simulacro devido à situação de poder (e abuso?) do orador. Só a reciprocidade entre orador e auditório assegura o exercício retórico-argumentativo. Só um auditório suficientemente qualificado para debater as propostas que lhe são dirigidas poderá garantir as escolhas mais adequadas num dado contexto sócio-histórico.

28 agosto 2005

Leitura forçada

Há coisas que ainda têm o condão de abalar o meu sentido de reserva e respeito pela privacidade. O email que recebi hoje, por exemplo, que tanto pode ser visto como maravilha da globalização em curso, como um rastilho do desassossego que o futuro nos reserva.

É uma jovem mulher (e desde quando uma mulher não é jovem?) brasileira, de S. Paulo, que resolveu procurar emprego dentro da minha caixa de correio eletrónico enviando-me um detalhado currícula profissional. Tem experiência de gerente na área financeira e é nessa mesma área que continua interessada. Diz a sua idade, que é casada, que tem por objectivo vencer desafios. Deixa mesmo a morada exacta, os números de telefone fixo e de telemóvel (a).

Não se trata de um apelo desesperado. Ninguém verdadeiramente desesperado fica a procurar um emprego apenas na área financeira. Surpreende-me, por isso, que esta candidata a gerente financeiro tenha decidido partilhar com o resto do mundo uma informação exacta sobre a sua morada e o seu telemóvel. Oxalá o resto do mundo possa recompensá-la por tamanha ousadia (ou ingenuidade?).

No meu caso, porém, tenho más notícias. O email que me enviou foi uma pura perda de tempo. Para ela, porque ainda não foi desta que conseguiu o almejado emprego. Para mim, porque me obrigou a ler um texto que não queria ler, a tratar de assuntos que não queria tratar. E logo neste dia que é tradicionalmente consagrado ao descanso.

Bom, também não foi tão grave assim. Porque há nesta "vida" digital percalços muito mais aborrecidos do que uma mera leitura forçada. O problema é que nada impede que outras mil pessoas tenham a mesma ideia. E quem diz mil, diz um milhão, diz dois ou três ou sei lá quantos mais. Chegaremos alguma vez a uma situação destas? Não se sabe. Mas uma coisa é certa: por este andar, que ninguém se admire se um dia viermos a ter mais privacidade no meio da rua do que dentro de casa (b).



(a) Que não deixarei de indicar a quem possa atender ao seu pedido.
(b) Partindo do princípio que não caminhamos pela rua de notebook ao colo...

27 agosto 2005

Baixa política é... (3)

Aquela peixeirada, ontem à noite, na SIC Notícias, entre Fernando Seara e João Soares.

Aquilo a que se assistiu foi algo deprimente e impróprio de duas pessoas politica e culturalmente tão preparadas. Ao invés de aproveitarem o escasso tempo de antena para nos explicarem os seus projectos, estiveram sempre mais interessados em não deixar ouvir o outro. Tanto que, a certa altura, não totalmente satisfeitos com as fastidiosas interrupções mútuas, resolveram passar a falar cada vez mais alto e... ao mesmo tempo. E por lá teriam continuado "engalfinhados" se uma espécie de moderadora, não se tivesse lembrado de vir avisar que o programa chegara ao fim.


Sugestão de leitura para estes dois conceituados políticos:

Isabel Maria Galhano Rodrigues, (1998), Sinais conversacionais de alternância de vez, Porto: Granito-Editores e Livreiros, Lda.

Morgados discordantes

João Morgado Fernandes escreve em editorial no DN que falar "como o vereador Paulo Morais fala acerca da corrupção, sem apresentar provas, é um péssimo serviço à democracia".

Maria José Morgado, em entrevista ao Público, diz que "uma denúncia pública não pode ser confundida com a instrução de um processo-crime. O que é importante é a revelação pública dos mecanismos da fraude da corrupção e dos tráficos. A concretização faz-se a um nível processual que não diz respeito a uma entrevista".

Embora discordantes, ambos os Morgados parecem ter as suas razões. Porque o ideal seria que a denúncia de uma situação de corrupção fosse imediatamente seguida da prova e do nome dos envolvidos, assim se evitando que a suspeita ficasse a pairar sobre quem não devia. Mas, por outro lado, a natureza publicamente estigmatizante de toda a acusação moral aconselha a que a concretização da denúncia ocorra apenas em sede de processo-crime.

O que não consigo mesmo compreender neste caso das polémicas declarações de Paulo Morais são duas coisas.

1) Porque é que o Vereador calou até hoje as "pressões e cunhas de dezenas de pessoas (...) incluindo a nível governamental" que foi recebendo, e esperou pelo fim do seu mandato para as tornar públicas? Será que se não tivesse sido corrido da actual lista do PSD à Câmara do Porto iríamos ter que esperar mais quatro anos por tão preocupante revelação?

2) A quem aproveita tamanha concentração de poder num vereador? David Justino é certeiro na sua crítica: na Câmara do Porto, como em tantas outras por esse país fora, a decisão política tem um elevado poder discricionário de aprovar ou não projectos imobiliários. Eu não creio que possa competir a um vereador com o pelouro do urbanismo a capacidade de aprovar ou não um projecto só porque é um “mamarracho”, porque se acha agradável a arquitectura, ou porque entende que deveria ter mais um piso ou menos dois. Das duas uma: ou o vereador está a exorbitar a sua competência ou o sistema de planeamento e gestão urbanística não funciona (ou funciona mal), deixando à decisão política a margem de intervenção discricionária que não deveria existir. Em muitas situações o Paulo Gorjão costuma dizer, com toda a propriedade, que o cobertor é curto. Mas no caso deste poder discricionário de um só vereador, parece que o cobertor era tão grande, tão grande, que demorou quatros anos a desenrolar.

26 agosto 2005

Retórica & Publicidade

Os eleitores captam cada vez menos, pelo que é necessário focalizar cada vez mais.

Carlos Liz, especialista em publicidade. (Público, 21 Agosto 2005)

25 agosto 2005

Baixa política é... (2)

José Miguel Júdice ter sido publicamente anunciado como mandatário da candidatura de Maria José Nogueira Pinto à Câmara de Lisboa, e agora, presumivelmente para que possa escapar à sanção disciplinar do seu partido, aparecer outro em seu nome como mandatário legal.

Tudo isto ao mesmo tempo que a candidata continua a garantir: [Júdice] "não é o mandatário legal, no sentido estrito, mas o mandatário político (...) irá fazer campanha comigo não tarda", é uma "situação perfeitamente normal - tem a ver apenas com questões de burocracia". E para ajudar à missa, um membro da Comissão Nacional de Jurisdição do PSD já vai anunciando que "o facto de Júdice não assumir formalmente o cargo de mandatário de uma candidatura adversária (...)torna a situação "menos grave".

Não sei como irá reagir Marques Mendes neste caso. Mas já consigo facilmente imaginar como reagiria, por exemplo, se Valentim Loureiro em vez de concorrer frontalmente como independente aparecesse como mandatário político da candidatura do PS de Gondomar e colocasse como mandatário legal da dita candidatura um nome de sua confiança. Nada como ficar atento.

24 agosto 2005

Baixa política é... (1)

Francisco Assis dizer que Rui Rio tem medo de ir ao Bolhão.

Um político responsável combate o programa e as ideias dos seus adversários, não lhes lança ataques pessoais, nem acicata os ânimos. Um político responsável não precisa ser santo. Basta que não faça aos outros o que não desejaria para si.

Anversos & Reversos

Agradeço ao Paulo Cunha Porto o facto de ter comentado com toda a pertinência o meu post Economia da atenção e do agrado. O que vou dizer a seguir, a nada responde. É pura reflexão. Mas não nego o propósito de uma sintonia retórica comum.

A Retórica do ponto de vista da recepção:

Embora os versos de Arroyo - que fui buscar ao O Misantropo Enjaulado - se dirijam notoriamente para o "emissor" cumpre-me esclarecer que é à recepção contemporânea que me refiro no aludido post. Logo, quando lá digo que é preciso retórica e persuasão digo-o ainda, sob o ponto de vista dessa mesma recepção. Não se trata, assim, de invocar a retórica como o caminho mais eficaz para "obrigar" alguém a pensar como nós, mas antes, de reconhecer que muitas vezes (quase sempre, diria...) precisamos que nos chamem a atenção, que nos agradem, mesmo antes de concluirmos se o que têm para nos dizer é ou não verdadeiro ou minimamente interessante.

Eis porque quando escrevo "Daí que se dê cada vez menor atenção ao outro" me queira referir ao outro que nos interpela, que nos rouba um tempo e uma atenção cada vez mais limitados, só porque acha que tem algo para nos dizer. É, portanto, tambem esse outro que precisa de recorrer à retórica e à persuasão se connosco pretende comunicar, mais ainda, se nos pretende convencer. E ai dele se não tiver o engenho de nos atrair a atenção e o interesse. A sensibilidade ao agrado é um traço constitutivo do humano a que nenhum ser dotado de razão parece escapar. Por isso a Retórica se mostra especialmente apta para nos persuadir e não só para persuadir os outros como, na maior parte das vezes, tende a ser apresentada. É, digamos assim, o seu anverso-reverso funcional. Mas evidentemente que, encarada a Retórica desta perspectiva democrática (porque recíproca e igualitária), cai por terra a teoria da dita manipulação retórica ou, pelo menos, carece de total reformulação. Modesto contributo nesse sentido é o que sobre o assunto escrevi no meu livro "A Persuasão-Estratégias da comunicação influente".

A desigualdade dos interlocutores:

Sim, comungo das mesmas preocupações que o Paulo Cunha Porto, no que toca aos possíveis interlocutores demasiado "permeáveis ao aparecimento do novo" e sem o necessário espírito crítico para resistir a pressões discursivas racionalmente fraudulentas. Mas como já escrevi (ver Excerto de um livro não anunciado (253), o que isso configura é uma desigualdade socio-cultural tão exterior à Retórica como a qualquer outro uso corrente da palavra. Já se sabe que, regra geral, a ignorância não premeia ninguém. Mesmo um cidadão que apenas saiba ler e escrever já dispõe de um saber/poder (ao menos, linguístico) que lhe pode conferir apreciável vantagem sobre aquele que é rigorosamente analfabeto. Que fazer, então? É claro que será sempre possível reclamar do Estado e dos sucessivos Governos políticas mais eficazes para se atenuar tais desigualdades mas já não se poderá obrigar ninguém a fazer um investimento cultural superior ao que só a própria pessoa tem legitimidade e liberdade para definir. E o que mais há por aí é gente que não quer saber mais do que sabe e que foge do mínimo esforço mental como quem foge do diabo. Não será então justo que a tanta liberdade corresponda uma responsabilidade pessoal pelos seus êxitos ou fracassos? Convenhamos que na vida, tal como na medalha, tudo parece ter, afinal, o seu anverso-reverso.


Nota:
A ideia de que a publicidade é um jurado inimigo da retórica e da persuasão, "porque seu concorrente desleal" é tão interessante que merece maior desvendamento. Noutra ocasião, claro...

22 agosto 2005

Portugueses com mais ambição?

Por não ter nada a ideia de que Portugal seja o país mais infeliz da europa a 15, foi com um misto de curiosidade e desconforto que encarei o título desta notícia. Mais preocupado fiquei quando percebi que se tratava da principal conclusão de um certo estudo. E, a bem dizer, só me recompus quando li que os autores tinham chegado a tal conclusão através de um inquérito onde a pergunta «Como classifica em geral a sua satisfação com a vida que leva?» surgia com quatro possibilidades de resposta: muito satisfeito (quantificado com 4), satisfeito (3), pouco satisfeito (2) e nada satisfeito (1).

Aí, sim, percebi que a conclusão do estudo só pode ser um monumental equívoco. Porque com uma pergunta dessas, o que os autores do estudo por certo avaliaram foi o nível de ambição dos portugueses e não a sua taxa de felicidade. Daí que os resultados até nem surpreendam: porque razão, afinal, nos deveríamos considerar satisfeitos se temos tão pouco?

O que "dizem" os cartazes

A julgar pela quantidade de cartazes (outdoors) que têm sido afixados por esse país fora, os diversos partidos estão a apostar cada vez mais na grande visibilidade deste tipo de propaganda fixa para captar o maior número possível de votos nas próximas autárquicas. Sabendo-se, como se sabe, que se trata de um recurso publicitário altamente dispendioso (nada condizente, por sinal, com a penúria que o país vive) é natural que muitos se interroguem sobre como e de onde virá tanto dinheiro. Mas isso é assunto para se conferir lá mais para adiante.

O que por agora mais tem chamado a atenção de alguns ógãos de informação é a estratégia de comunicação presente em cada outdoor e o seu presumível grau de eficácia. O Público, por exemplo, ainda ontem dava conta da apreciação que dois criativos publicitários fazem aos cartazes de Carmona Rodrigues, Valentim Loureiro, Isaltino Morais, Vasco Rato e Francisco Assis. "Olhar afirmativo", "vínculo de proximidade" "mensagem para a população e para o partido", "hierarquia do olhar" são algumas das curiosas expressões com que estes dois especialistas em publicidade procuram traduzir o que está "escrito" nas respectivas imagens dos candidatos. Resta saber se os eleitores irão falar a mesma "língua" e se em algum caso sancionarão opiniões tão contundentes como a que Carlos Liz, um dos publicitários consultados, emite sobre o cartaz de Francisco de Assis: "um rosto assustado sobre um electrocardiograma".

Mas o que em matéria de outdoors políticos mais surpresa me tem causado é que continue a passar ao lado da crítica pública aquele cartaz do PS que aparece em tudo quanto é lugar mas que contém apenas o símbolo do partido e os seguintes dizeres: "Com os portugueses para um futuro melhor". Qual será a ideia? É o PS que está em crise de imagem? Ou é só para se saber que existe? O que é que, numa fase de austeridade, acrescenta ao partido "plantar" de Norte a Sul do país cartazes de tão elevado custo, só para lembrar que está "Com os portugueses para um futuro melhor"? Não é essa a obrigaçao natural de qualquer partido? Na falta de uma explicação lógica, o que parece é que o PS é o primeiro a reconhecer que os portugueses estão na dúvida.

A economia da atenção e do agrado

Leitor, se abordas uma apathica pessoa,
Conversa no que lhe int´ressar. E se ella enjôa,
Vae por caminho inda melhor: falla-lhe d´ella!


João Arroyo - 1918 (via O Misantropo Enjaulado)


João Arroyo dirigia-se aqui a "uma apathica pessoa". Mas nos tempos que correm, a sabedoria prática destes seus versos seria susceptível de uma aplicação mais generalizada. Basta pensar que hoje nenhum de nós quer saber tudo, seja lá do que for, excepto se nos disser directamente respeito ou, no mínimo, se tiver a ver com o nosso universo de interesses, valores ou preferências.

Podemos até aceitar (ou tolerar?) a refutação dos nossos pontos de vista, mas já não temos tempo nem paciência para escutar aquele desfiar de "rosários" que nada nos dizem. A vida transformou-se num imenso parque de atracções onde a regra é não interromper o puro gozo ou excitação. Daí que se dê cada vez menor atenção ao outro. Retemos apenas aquela parte do dito que nos interessa ou que nos faz sentir bem. Não há tempo a perder. Sim, é verdade que aumentou a esperança média de vida mas muito mais subiu, entretanto, a escala dos possíveis. Reconheçamos então que era quando menos tempo se vivia que mais tempo se tinha para viver.

Agora que a escuta se tornou altamente selectiva face à multiplicação das fontes de informação e de prazer, a conversa e o debate ficaram ainda mais subordinados à economia da atenção e do agrado. Para que o valor das premissas, a correcção dos raciocínios ou o acerto das conclusões de uma argumentação possam produzir quaisquer efeitos é necessário que comecem por se mostrar suficientememte atractivos aos olhos do destinatário ou do auditório. É preciso, em suma, retórica e persuasão.

21 agosto 2005

Que falta de golpe de vista

Os jornais "Público" e "Jornal de Notícias" de hoje noticiam a inauguração do Parque da Lavandeira, em Oliveira do Douro, V. N. de Gaia, que teve lugar este sábado, com a presença de Luís Filipe Menezes e Fernando Seara. A cerimónia foi bastante concorrida e disso procuraram dar conta os dois citados jornais, ao avançarem ambos com uma estimativa sobre a quantidade das pessoas presentes.

O problema é que enquanto para o jornalista do JN o Parque da Lavandeira "foi invadido por dezenas de pessoas", já para o jornalista do Público "Luis Filipe Menezes aproveitou a presença de várias centenas de pessoas na inauguração para fazer um apelo ao voto livre nas autárquicas de Outubro".

Está bem. Já sabemos que, a partir de certa dimensão, não é fácil quantificar um aglomerado de pessoas. Mas uma coisa é a estimativa oscilar entre 60 ou 70 ou, vá lá, entre 600 e 700; outra será o de não se fazer qualquer ideia se num dado recinto estão presentes 70 pessoas ou mais de 300. Tenham lá santa paciência mas entre relatar dezenas de pessoas ou várias centenas de pessoas há um intervalo de erro tão desmedido que, afastada a hipótese da intencionalidade, só o desleixo profissional ou a notória falta de golpe de vista o pode justificar. Ora é esse intervalo de erro que separa as versões dos dois diários.

Resultado: quem comprou apenas um dos jornais, tomou a estimativa como verdadeira e, no entanto, pode ser falsa; quem comprou os dois, apenas ficou a saber que uma das estimativas é falsa mas ignora qual seja a verdadeira. Era exactamente o que me sucederia, se não tivesse estado presente na dita cerimónia. Como estive, tenho ao menos o privilégio de conhecer o "mentiroso". Pobre privilégio.

20 agosto 2005

Amizade & Política

Já aqui defendi que a ideia de que a amizade é irracional é uma ideia errada e perigosa pois do facto da amizade se estabelecer num quadro de sentimentos e emoções não se segue que esteja para lá da razão, que seja apenas coração ou instinto. Afirmei ainda que a amizade só é coração se fizer sentido. Se não faz sentido ou não é amizade ou morrerá muito antes do coração deixar de sentir. Na altura tinha sob mira um infeliz editorial do DN, em que Pedro Rolo Duarte dava claramente a entender que na política não há lugar para a amizade. É a este tema da amizade na política que hoje regressa Henrique Monteiro, na sua coluna "Máquina da Verdade", do Expresso, nomeadamente, quando escreve:

Alguns comentadores afirmaram que se Mário Soares colocasse os amigos acima dos desígnios nacionais andaria mal; (...). O País, os interesses dos portugueses e da esquerda, etc, etc., não se compadecem com pequenas questões emocionais, dizem. Mas este argumento é uma falácia. A ética pessoal, a lealdade perante os amigos e companheiros de combate, não têm de ficar arredadas da vida política. Pelo contrário: é de elementar bom senso medir as grandes palavras e princípios enunciados na política pelos pequenos actos pessoais.

Exactamente. Os políticos não são meros bonecos mais ou menos articuláveis. São pessoas como nós e só enquanto pessoas nos poderão compreender e bem representar. São pessoas que, face às responsabilidades que lhes confiamos, precisamos de conhecer o melhor possível. Ora não há melhor forma de conhecer alguém do que observar os actos pessoais que pratica. Depois... depois deite-se a mão na consciência para responder à mais simples das perguntas: quem trai os seus amigos ainda pode ser uma boa escolha política?

Factos que dizem tudo (2)

José António Saraiva comenta hoje no Expresso aquele "disse que não disse" de Manuel Maria Carrilho sobre a candidatura presidencial de Mário Soares, seguido de um "ele disse mas não tem mal nenhum" do seu amigo Prado Coelho. Ou seja, precisamente os "factos que dizem tudo" do meu post de 16.08.2005 a que Saraiva chama hoje "Os labirintos da verdade". Não está nada mal. Nem o título nem a coincidência.

Excerto de um livro não anunciado (253)

Dir-se-á que neste endossar ao manipulado de uma parte importante da responsabilidade pela manipulação, há o idealismo de quem pressupõe um justo equilíbrio inter-partes (orador-auditório), uma simetria de posições, de poderes, de saberes, de estatutos, numa palavra, uma igualdade à partida entre os que recorrem à palavra para enganar ou seduzir e os que são alvo de um tal abuso, equilíbrio e simetria que, em bom rigor, não se observa nunca numa situação retórica concreta. Mas, de facto, não é disso que se trata. Do que se trata é de não transferir para a retórica os nocivos efeitos das desigualdades psicológicas, culturais, sociais, éticas e políticas, que caracterizam o encontro dos homens nas múltiplas situações de vida comum. Quem pretende fazer vencer as suas teses, por certo que ficará melhor colocado para o conseguir, se detiver mais saber acumulado e mais poder do que aqueles que visa persuadir. Um professor de filosofia, por exemplo, terá normalmente uma relação mais próxima com a linguagem e com o raciocínio verbal do que um operário que desempenha diariamente uma actividade mais ou menos mecânica, que apela, basicamente, para a sua habilidade manual. O detentor de um alto cargo público pode usar a sua autoridade institucional e o inerente poder político para fazer passar propostas ou teses que não resistiriam a um auditório política e institucionalmente menos dependente. Nos dois casos, porém, estão presentes factores de influência manifestamente extra-retóricos, porque a retórica, como já vimos, não pode dispensar a discutibilidade e o livre exercício de um juízo crítico que permita ao ouvinte não apenas dizer que sim ao que lhe é proposto, mas, fundamentalmente, compreender a justificação das razões que fundam a tese sobre a qual lhe compete opinar ou escolher.

Um blogue como o Aviz nunca acaba

Desculpe, caro Francisco, mas o Aviz não acabou. Um blogue como o Aviz nunca acaba. A não ser que o "apague" - coisa que, fique desde já a saber, seria imperdoável. Cá voltaremos muitos de nós, uma e outra vez, para recuperar uma opinião ou um parecer sobre isto e sobre aquilo mas principalmente para reviver (e não só recordar) esta sua maneira tão afável de escrever, que verdadeiramente trata os leitores como amigos. Amigos anónimos, tão anónimos como eu, mas que tiveram o grato prazer de aqui "conviver" quase diariamente consigo. Amigos que se recusam a dizer-lhe adeus. Por isso, quando muito, contente-se com um cordial... até amanhã, Francisco.

(texto que deixei na caixa de comentários do Aviz)

19 agosto 2005

O sentido da política

Carapuça feita à medida

Não há donos da República, declarou ontem Manuel Alegre, em Faro, durante um jantar que classificou como "um jantar de afectos". Note-se que não mencionou o nome do seu (ex?)amigo Mário Soares. Nem era preciso. A afirmação, em si mesma, mais parece uma carapuça feita à medida.

18 agosto 2005

Ponto para o Governo (2)

Afinal parece que Mário Lino sempre tinha alguma razão quando denunciou a actual falta de sustentabilidade financeira do Metro do Porto. E se não, vejamos: o que disse o nosso ministro das Obras Públicas, aquando da inauguração da Linha Amarela?

Como aqui foi noticiado, disse que o contrato para o Metro do Porto, celebrado em 1998, previa que as linhas da primeira fase terminassem em 2002 e que o investimento realizado fosse de 800 milhões de euros. "Mas estamos no segundo semestre de 2005, o projecto ainda não acabou e já gastámos nele 2,4 milhões de euros, ou seja, o triplo do inicialmente previsto". E acrescentou que se fizeram investimentos "que nada têm a ver com o metro, mas com questões urbanísticas". Ah, claro... também anunciou logo ali que não seriam criadas novas linhas até “as coisas ficarem devidamente arrumadas, ao nível da sustentabilidade económico-financeira e do enquadramento político legal do projecto".

Sejamos francos: num país em crise como o nosso - mas com a decência e o realismo que o nosso parece que (ainda) não tem - o facto do ministro vir defender que "o avanço do Metro do Porto só deveria prosseguir depois de assegurada a sustentabilidade do projecto" seria credor do aplauso de todos, já que de todos é o dinheiro investido e sobre todos recairão os malefícios de uma gestão não prudencial. Ou haverá, em fase de austeridade, decisão política mais acertada do que gastar apenas à medida do dinheiro que temos?

Os "autarcas do Norte" porém, resolveram ignorar esse aspecto central do problema e não olhando a meios para defender a sua dama, chegaram mesmo a acusar o governante de confundir investimento com derrapagem. Ora não foi de derrapagem financeira que o ministro falou mas sim de falta de sustentabilidade financeira. E essa é hoje um facto indesmentível, aliás já confessado. É certo que os administradores do Metro do Porto justificam-no com mais investimentos do que os inicialmente previstos, tendo Oliveira Marques já anunciado que a Metro irá tentar o aumento das dotações a fundo perdido através da candidatura ao FEDER, nesta incluindo todos os novos investimentos não previstos inicialmente, bem como os da linhas de Gondomar e da Boavista. Mas há perguntas que permanecem sem resposta:

Porque razão se avançou para esses novos investimentos que não se encontravam ainda financeiramente garantidos?

Porque é que Oliveira Marques confessa hoje, no Público, que se fosse ministro também mostrava preocupação pela situação financeira do Metro? Não deveria enquanto Administrador ter tido sempre essa preocupação?

Não tenho particular simpatia pela actuação do governante Mário Lino, nomeadamente, nos processos da Ota e do TGV. Julgo porém que isso não me terá impedido de analisar seriamente a sua intervenção no caso do Metro do Porto e concluir que agiu da melhor forma. Ponto, por isso, para ele. Ponto para o Governo

16 agosto 2005

Factos que dizem tudo

Primeiro:
-foi o Diário de Notícias a divulgar que Manuel Maria Carrilho teria declarado que "uma eventual candidatura de Soares à Presidência da República seria um mau sinal do sistema político português".

Depois:
-o comunicado de Manuel Maria Carrilho a esclarecer que "o conteúdo da notícia do «Diário de Notícias» é falso, infundado e totalmente especulativo". "Não penso isso, não disse isso", insistiu também, aos microfones da TSF.

Finalmente, hoje:
-na sua crónica "O Fio Do Horizonte", do Público, escreve Prado Coelho com todas as letras: "Há tempos Manuel Carrilho (e eu próprio) afirmou, em conversa informal com um jornalista, que punha reservas à candidatura de Mário Soares (ainda no domínio das hipóteses, embora muito provável)"

Será necessário comentar? Aposto que não. Há factos que dizem tudo.

15 agosto 2005

Ocultismo político (3)

Seria necessário nomear já Armando Vara para a Caixa Geral dos Desportos? [*] Vara nunca foi um político amado. Quando muito, suportado. Nomeá-lo neste momento para um bem remunerado cargo de responsabilidade (depois de Gomes e da demissão de Campos e Cunha) é um clamoroso erro político.

Prado Coelho, Público, 15 Agosto 2005

E cada vez fica mais estranho que Sócrates tenha decidido pagar um preço (político) tão alto pela "confiança política" de um amigo.

[*] Gralha na referência à "Caixa Geral de Depósitos".

14 agosto 2005

Perguntar por perguntar

***
-Olha, e gajos?
Perguntei por perguntar. Como quem diz que tal o tempo. Ou os mergulhos. De repente, uma pessoa está no meio de uma conversa e não se lhe ocorre nada. Foi o que aconteceu. Foi por isso, juro. E porque a Vanessa sempre foi dada aos "amores de Verão", à olhadela ao mergulhador mais próximo, à conversa tola com o banheiro, ao sorriso amorfo ao "barman" e, inclusive, ao piscar de olhos ao disc-jockey.
Nestes vinte anos de relacionamento comum, sempre houve que dissecar, entre Junho e Setembro, uns comuns relacionamentos da Vanessa. Ao "grupo da praia", essa instituição, a Vanessa sempre prestou a devida homenagem. E, só começados por V, estou a lembrar-me do Vitor, do Viriato, do Valentim e do Vasco, que vagueavam por grandes Verões. Portanto, não é estranho que, a meio de um telefonema, eu faça uma pergunta destas. Uma pergunta sem estilo nenhum, mas verosímel dentro do contexto.
-Gajos, nem pensar!!!
***


(Excerto da crónica de Ana Sá Lopes, no Público de hoje)

Claro que não é nada estranho que, a meio de um telefonema, Ana Sá Lopes tenha perguntado a Vanessa pelos gajos. Estranho foi ter levado quase metade do texto da crónica a justificar a pergunta, no melhor estilo hipertextual. Jurou e tudo, imagine-se. Quis garantir que não seria mal interpretada? Ou nem ela própria crê na explicação que deu? Seja como for, isso agora não interessa. Não sendo a (des)codificação do implícito exclusivo de psicanalistas, cada um tenderá a interpretar à sua maneira. O problema é que Ana Sá Lopes não fez qualquer pergunta a Vanessa. Limitou-se a escrever a crónica. E a escrevê-la muito bem, como sempre.

Ocultismo político (2)

Como já aqui dei a entender, mais intrigantes do que a nomeação de Vara poderão ser os ocultos motivos que terão levado Sócrates a promover o seu amigo. Porque, pensando bem, se a nomeação fosse de ordem estritamente política, como foi anunciado, dificilmente seria compensadora face ao mais do que previsível desgaste (político) que traria ao Governo. O que levou então Sócrates a preferir a confiança política de um amigo, à confiança política daqueles que realmente o elegeram? Ou, como escreve aqui Clara Ferreira Alves:

Porquê arriscar num só golpe de roleta o seu depauperado capital político, a sua reputação pessoal, a confiança que o eleitorado que nele votou depositou? Porquê fazer, exactamente, aquilo que os outros antes dele tinham feito e ele tinha criticado?

13 agosto 2005

Excerto de um livro não anunciado (252)

Culpar então a retórica, por induzir ao engano, parece tão absurdo como inscrever a origem da mentira na linguagem, só porque esta a veicula. No limite, mesmo considerando os mais grosseiros abusos de retórica, em que o orador recorre a um discurso emocionante, pleno de figuratividade estilística, de inebriantes sonoridades ou ritmos quase hipnóticos, ainda aí, haveria que interrogar se nos tempos que correm, as pessoas não estarão já suficientemente informadas e até “vacinadas” contra tais métodos de persuasão, nomeadamente, pela sua contínua exposição a um mercado onde imperam as técnicas de venda agressivas que chegam a coagir pela palavra, aos discursos demagógicos de políticos dirigidos mais para os votos do que para os eleitores e a uma publicidade que nem sempre olha a meios para invadir a privacidade e seduzir ao consumo o mais pacato e indefeso cidadão. Até que ponto, não existe mesmo, hoje em dia, um preconceito contra a retórica, frequentemente associada aos “bem falantes”? Não existirá na generalidade das pessoas uma ideia prévia de que quem se nos apresenta a falar muito bem é porque de maneira mais ou menos encoberta ou ilusionária nos pretende forçar a alguma coisa, a uma acção ou atitude potencialmente nefastas para nós e que portanto nos deve imediatamente remeter para uma redobrada atenção e cautela? Se assim for, não será caso para dizer que uma tal tendência se constitui como aviso automático ao candidato a manipulado, que desse modo tem o ensejo de mobilizar toda a sua força de decisão e capacidade crítica para recusa da respectiva proposta retórica, podendo até nem chegar a prestar-lhe a devida atenção? Haverá travão mais eficiente aos eventuais exageros ou abusos de um orador sem escrúpulos?

12 agosto 2005

Ocultismo político

As nomeações políticas sempre existiram. Mas convenhamos que nunca foram tão descaradamente assumidas. E isto quando quem as faz sabe perfeitamente os riscos que corre de ser "imolado" nos media, de ver a sua imagem pública desgastada, de comprometer a credibilidade e até o seu futuro político. A pergunta é: que ocultos interesses superam tamanhos riscos?

11 agosto 2005

Excerto de um livro não anunciado (251)

Convenhamos que não é a retórica que manipula, mas sim, o manipulador. E que se este se apodera do discurso e do debate para enganar ou prejudicar o seu interlocutor, então é porque, certamente, já era um manipulador antes de recorrer à retórica. A retórica não contamina ninguém. Nenhum homem é um, fora da retórica, e outro, quando recorre a ela. A atitude moral é uma das atitudes mais estáveis no sujeito humano. Nem surge de repente, como que por insight, nem se dá bem com sucessivas oscilações. Constrói-se paulatina e duradouramente na convivência social, no reconhecimento do outro e ao situar-se na esfera do íntimo, constitui porventura o principal traço da nossa identidade. É neste quadro de permanência da atitude moral que poderemos buscar o suporte e a ligação possível entre os actos e a pessoa que os pratica. E é também através dele que se pode inferir que, por regra, só manipula pela retórica, quem já é capaz de o fazer por qualquer outro meio.

Questão democrática

Trinta e um anos de democracia tiveram vinte e três Governos (...).
Jose António Saraiva in Expresso de 06 AGosto 2005

- Como se pode viver bem se se governa tão mal?

10 agosto 2005

Um achado

O que diz o meu amigo Pinheiro

Hoje dei um salto a Albergaria a Velha para falar com o meu amigo Pinheiro que, por sinal, é dono de alguns pinhais e até há muito pouco tempo possuía uma serração de madeiras. Não é, por isso, de estranhar que seja uma pessoa muito familiarizada com as madeiras, as florestas, a falta de limpeza das matas e claro, com os sinistros fogos que a cada verão ameaçam vidas, destroem haveres, espalham dor e tragédia por esse país fora.

E o que diz o meu amigo Pinheiro? Diz que a existência de maior quantidade de eucalipto do que de pinheiro ou de carvalho nas nossas florestas, deve-se a razões de ordem económica. Porque o crescimento do carvalho leva 50 anos, o crescimento do pinheiro leva 35/40 anos e o crescimento do eucalipto leva apenas 10 anos. Logo, plantar eucalipto é muito mais rentável a curto prazo, podendo mesmo dizer-se que, do ponto de vista do proprietário, plantar eucalipto é plantar para si próprio, plantar pinheiro é plantar para os filhos e plantar carvalho é plantar para os netos.

Já sobre a limpeza da mata o meu amigo considera que a mesma pode ser manual ou automática. A manual tem custos economicamente incomportáveis. A automática não é possível em terreno acidentado como sucede, em grande medida, com o nosso. Logo, será irrealismo esperar que sejam (só) os proprietários dos terrenos a assegurar tal medida de prevenção (cuja eficácia é, aliás, posta em causa por especialistas florestais).

Por último quanto às causas dos incêndios, está plenamente convencido de que na maioria dos casos se trata de fogo posto, seja por pura maldade, por "vinganças" pessoais, por insatisfação social, etc. e adianta que o facto do clima mediterrânico ser mais propício à ignição é, sem dúvida, um importante factor de agravamento.

08 agosto 2005

O teste de fidelidade

Escreve Inês Pedrosa na revista ÚNICA (*):

Quando roubamos a um amigo um lugar que tínhamos prometido ajudá-lo a conquistar, ou quando nos divorciamos de um amigo poderoso porque ele não nos deu o lugar de poder que ambicionávamos estamos a escolher um valor: o valor supremo do nosso protagonismo, do nosso poder(...)Em certos casos, de que a política recente nos tem oferecido exemplos copiosos, assistimos até a situações em que o brado à ética surge, alteroso, daqueles que a têm por sinónimo de "interesse".

É isso. Parece que já não há amigos como antigamente. Não tarda que passemos a vida a olharmo-nos uns aos outros sempre à espreita de um potencial traidor. Tenha-se em conta o que já sucede na política entre camaradas e amigos do mesmo partido, onde a escolha do melhor candidato se está a transformar num verdadeiro "teste de fidelidade". Que o diga Manuel Alegre.


(*) ÚNICA / 6 Agosto 2005 Expresso

07 agosto 2005

Uma ideia errada e perigosa

Esta ideia de que a amizade é irracional é uma ideia errada porque o facto da amizade se estabelecer num quadro de sentimentos e emoções não significa que esteja para lá da razão. Todos percebemos que não é por acaso que um amigo nos emociona. Para que uma palavra, um olhar ou um gesto nos surjam como amigáveis precisamos de submetê-los a uma espécie de prévia tradução interior (racional) que nos permita fixar o seu real significado. Porque a amizade só é coração se fizer sentido. Se não faz sentido ou não é amizade ou morrerá muito antes do coração deixar de sentir. Não surpreende, por isso, que, apesar de tudo, seja mais fácil romper uma amizade do que silenciar o sentimento e a emoção que lhe estavam associados. A amizade não é, pois, apenas coração ou apenas razão. A amizade é coração e intelecto. Acresce que deixou de fazer qualquer sentido falar de um "coração que se sobrepõe à razão" ou vice versa, pois há muito que António Damásio mostrou como os sentimentos e as emoções, tradicionalmente tidos como fontes de perturbação do raciocínio, são afinal decisivos para se chegar à melhor decisão racional.

Mas a ideia de que a amizade é irracional é também perigosa porque pode levar à disparatada e insuportável conclusão de que se deve defender os valores da amizade e da lealdade em nossa nossa casa, junto dos nossos amigos e compatriotas mas já não na política. É essa, pelos vistos, a posição de Pedro Rolo Duarte que, depois de confundir amizade com ineficácia e compadrios, chega ao absurdo de sugerir que a lealdade não tem lugar na política. E pelo caminho que a nossa vida política está a levar, nem vai precisar de insistir muito...

06 agosto 2005

Notícia desmentida

Via Bloguitica, tomo conhecimento de que Jerónimo de Sousa, em declarações à Lusa, negou sexta- feira ter avisado o deputado socialista Manuel Alegre sobre a eventual candidatura de Mário Soares à Presidência da República. Agora sim, fica desmentida a notícia do Público. Mas estou com o Paulo Gorjão: o Público - e preferentemente a jornalista que assinou o texto - deveria dar uma explicação aos seus leitores, não só para preservar a credibilidade do jornal mas também por respeito para com os leitores que foram objectivamente enganados. Porque a grandeza do jornalismo está na mão dos seus principais agentes. Aguardemos.

Notícia não confirmada

Na edição da passada terça-feira, o Público noticiava em primeira página:

Foi Jerónimo de Sousa quem avisou Alegre do possível avanço de Mário Soares

Ainda na manhã do mesmo dia escuto (com estes meus ouvidos) Alegre a declarar à TSF: "não confirmo essa notícia".

Que conclusão daqui terá retirado o ouvinte? Há sempre duas hipóteses:

1) Num primeiro momento - a notícia é falsa. Foi tudo uma intriga com propósitos inconfessáveis de algum menos escrupuloso adversário político (de Alegre, de Jerónimo ou dos dois). Nada mais que isso.

2) Num segundo momento - mas se Alegre não confirmou a notícia, também não ousou desmenti-la. Ora não confirmar a notícia não significa, necessariamente, negar a sua veracidade. É perfeitamente admissível que a notícia seja verdadeira mas Alegre não tenha querido confirmá-la. E se assim foi, esteve no seu plenísssimo direito pois há que distinguir entre uma livre manifestação de vontade (querer ou não querer confirmar) e a emissão de um juízo sobre o teor da mesma (declarar se é verdadeiro ou falso). Exímio mestre na arte da palavra Manuel Alegre terá recorrido a uma daquelas expressões ambíguas que deixam sempre escapatória, provavelmente, apenas para se livrar da pressão dos jornalistas. Com todo o êxito, diga-se.

Moral da história: até à data, a notícia do Público não foi desmentida.
Ideia a reter: notícia não confirmada não é, ainda, notícia desmentida.

Mãos ao ar

ASSALTO À CAIXA, é como Joaquim Vieira titula a sua crónica de hoje na Grande Reportagem, de onde sobressai, desde logo, a primeira de uma série de importantes perguntas retóricas:

Onde está a tão apregoada superioridade moral do Governo de Sócrates sobre o de Santana Lopes?

Basta continuar a ler a crónica para se perceber que "Assalto à Caixa" é um grande título, sim senhor. Mas perante a progressiva impotência do cidadão para se defender deste tipo de assaltos, talvez não fosse menos ajustado escrever: "mãos ao ar".

O editorial do Sr. Ministro

1
O Ministro das Obras Públicas teve honras de editorial no Diário de Notícias, onde procurou justificar (mais do que esclarecer) a sua decisão de avançar com os projectos do TGV e do novo aeroporto da Ota. Reconheça-se que Pacheco Pereira tem toda a razão: o ministro presenteou-nos com "uma das mais completas colecções de generalidades e banalidades que viu a luz do dia na imprensa. Se não fosse de um ministro, um director de um jornal decente não considerava haver qualidade mínima para publicar o artigo."

2.
A primeira das generalidades do sr. ministro tem a ver com a sua chamada de atenção para o papel que a mobilidade desempenha nas sociedades actuais. Até parece que a situação actual do país é de mobilidade zero. Até parece que só passará a haver mobilidade quando estiverem implementados o TGV e o novo aeroporto da Ota. Até parece que o que está em causa é saber se o TGV e o novo aeroporto da Ota irão ou não melhorar a situação do país em matéria de transportes. Ora nada disso é verdade, assim como nada disso está em causa. Do que se trata é de avaliar o custo financeiro e a oportunidade (prioridade) do respectivo investimento.

3.
Os argumentos do ministro (e do governo) poderiam ser muito pertinentes num outro contexto em que as finanças públicas se apresentassem equilibradas ou em vias disso. Mas no quadro do reiterado discurso de penúria com que o governo justificou o mais recente aumento dos impostos, a imediata suspensão de reformas antecipadas, o alargamento da idade de reforma e outras tantas medidas impensáveis e de alto teor demagógico, principalmente para quem se diz defensor de um Estado Social, não há razões que possam justificar tal desvario megalómano. O governo mostra-se com bolsa de pobre e boca de rico, é o que é. E sem querer antecipar a desgraça, esse é um modelo de gestão que só pode levar à ruína. É por isso necessário que o sr. ministro e o governo sejam confrontados com uma viva manifestação cívica de apreensão quanto a tais projectos.

4.
O sr. ministro justifica ainda as opções TGV e Ota pelo facto de Portugal ter actualmente ao seu dispor importantes apoios financeiros comunitários para modernização e desenvovimento das suas infra-estruturas de transportes. Não sei que percentagem do custo final deste projectos será coberta pelos referidos fundos comunitários mas, numa versão optimista, posso imaginar que o seu montante chegue a 50% do investimento global. Ainda assim, aonde vai o governo buscar os restantes 50% de fundos ou a parte que, seja ela qual for, terá de investir, se como ele próprio confessa, o país está numa situação financeira tão grave que o obriga a frustar os direitos adquiridos e a expectativas dos trabalhadores e dos contribuintes em geral? Haverá um único trabalhador que entre a possibilidade de se reformar aos 60 anos sem TGV e ter direito à reforma somente aos 65 anos mas com TGV, prefira esta última hipótese? Para onde vai, afinal, um governo cuja ideologia socialista sempre foi associada à bandeira da defesa dos interesses dos trabalhadores?

5.
Ao querer investir nestes projectos por serem comparticipados comunitariamente o sr. ministo, com o devido respeito, faz-me lembrar a mulher de um amigo meu que sempre que chega a casa carregada de compras e o marido a interpela sobre a real necessidade de ter comprado tanta coisa, imediatamente se justifica com o facto de serem tudo coisas muito baratas que estavam em promoção. É nessa altura que o meu amigo se vê forçado a lembrar-lhe que o problema não é o preço a que ela comprou. O problema é ela ter gasto mais do que devia...

05 agosto 2005

Esse não sou eu

Leio no React(s)or:

A zona ribeirinha foi o local escolhido pelo PSD para apresentar publicamente, na passada sexta-feira, os cabeças de lista do concelho de Ponte de Sor às próximas eleições autárquicas.O candidato à presidência da autarquia, Joaquim Lizardo, usou da palavra depois de Américo de Sousa, mandatário de candidatura, de Roberto Grilo, representante da Comissão Política Distrital social-democrata (...)

E antes que me identifiquem com o Américo de Sousa desta notícia esclareço desde já que esse não sou eu. Mas é tão raro encontrar alguém com o "meu" nome que quando tal acontece experimento um misto de simpatia e curiosidade. Quem será, afinal, esse Américo de Sousa que não sou eu? Seremos completamente diferentes ou haverá entre nós alguns traços comuns? Ignoro o que, a este respeito, se passa com o meu homónimo. Mas da minha parte, posso confessar que esta coincidência onomástica sempre me remete para uma interessada indagação.

Sucede que, neste caso, para além de ter o mesmo nome, também sou mandatário de um candidato às próximas eleições autárquicas. Não é muita coincidência? É. Mas ainda assim, nada se altera: esse não sou eu. De qualquer modo, felicidades eleitorais para o meu homónimo.

03 agosto 2005

Ponto para o Governo

Nulo, ilegal e inconstitucional.

É assim que, segundo o Público de hoje, "a PGR qualifica o despacho do anterior Governo que autorizou a construção de novas centrais eléctricas a gás natural".

A gente lê e não acredita. E, no entanto, o parecer do Conselho Consultivo da PGR baseia-se em factos cuja relevância jurídica sempre pode ser questionada pelos especialistas de Direito, mas que não escapam à condenação de qualquer alma bem formada. É o caso do referido despacho "adoptar novos critérios de selecção em momento posterior ao da apresentação das propostas" (!) e o de "não ter sido precedido da audiência dos interessados". Poderá alguém ser bom governante se viola desta maneira os mais elementares princípios de justiça e de igualdade?

O que mais espanta é o à-vontade com que ministros tão experimentados na vida política vêm defender que a decisão sobre um investimento de 1.500 milhões de euros tomada nos últimos dias de um governo de gestão é um acto de normal (e inadiável?) governação. Que candura.

Sou, por natureza, contra os governantes que não respeitam os compromissos assumidos por governos anteriores só porque têm outras opções políticas (como é, aliás, natural). Mas obviamente que outro é o caso quando se trata de denunciar e corrigir decisões da anterior governação que se encontrem feridas de ilegalidade. Foi o que aconteceu com a atribuição de licenças para a construção de centrais eléctricas a gás natural, ocorrida precisamente nos últimos dias do governo de Santana Lopes. Ponto, por isso, para Manuel Pinho. Ponto para o Governo
.

Falsa partida

Se Mário Soares já fosse candidato a Presidente da República, seria natural que fosse a Belém apresentar cumprimentos e auscultar o actual Presidente sobre o "Portugal de Hoje" e o mundo de amanhã. Mas Mário Soares não é ainda candidato à Presidência da República (embora já se mostre como tal). Por outro lado, se quisesse apenas conhecer a opinião de Sampaio sobre a sua candidatura bastar-lhe-ia um simples telefonema ao actual Presidente, por sinal, seu camarada de Partido.

Não. Decididamente, Soares não vai a Belém para conhecer a opinião de ninguém. Vai, sobretudo, para "aparecer" na hora certa ao lado da pessoa certa. Vai para deixar muito claro que começou a sua corrida à Presidência. Certo é que para quem veja aqui alguma instrumentalização do actual Presidente da República, este "lançamento" de Soares soará mais a uma falsa partida.

01 agosto 2005

Reabilitação mediática

Identifico-me perfeitamente com esta posição de Manuel Pinto do Jornalismo e Comunicação quanto à proposta de emenda à Lei de Imprensa que o Provedor de Justiça acaba de sugerir ao Governo, no sentido de um cidadão poder exigir que seja noticiada a sua ilibação, se tiver sido previamente mediatizada a sua acusação.

Nada parece mais justo do que assegurar a quem foi objecto de notícia nos mais diversos órgãos de comunicação social por ter sido constituído arguido, o direito a ver noticiada a sua absolvição nos mesmo órgãos de comunicação. E ainda assim, tratar-se-á sempre de uma reabilitação mitigada, já que, como há poucos dias aqui lembrei "a retirada de uma acusação pública nunca dissipa, por si só, toda a carga de insinuação que lhe está associada".

O que pode chocar é que esta legítima pretensão de todo o arguido, tenha sistematicamente passado ao lado da ética jornalística, a ponto de ser necessário dar-lhe forma de lei.

É dificil de acreditar

Manuel Alegre insiste que o texto que fez publicar no Expresso desta semana é apenas um conto. Está no seu papel, mas nem isso impede que a mensagem passe. Haverá um tempo para a avaliação literária do conto mas, por agora, o que realmente conta é o modo sublime como Manuel Alegre nos põe a par do que lhe vai na alma. E não custa reconhecer que a sua mensagem é realmente muito triste.

Mas, por outro lado, que dizer de um homem que ao fim de tantos anos de militância, ainda:

a) não sabe como funcionam as coisas dentro do seu próprio partido
b) não percebe a maquinal frieza e os tiques autoritários do seu líder
c) alimenta a esperança de que o seu "grande amigo" Mário Soares nunca avance contra si para a Presidência
d) e só agora chega à conclusão de que está "talvez desde sempre, no meio de um quadrado, cercado e sozinho"

É caso para perguntar: por onde tem andado Manuel Alegre? Sim, nada justifica a forma como o PS o tem tratado. Mas sejamos objectivos: é dificil de acreditar que alguém tão pouco avisado pudesse vir a ser um bom Presidente da República.